Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Paulo Saldanha

Eles envelheceram, eu não!


Minha juventude foi ninada nos anos 60, década virtuosa de tantas composições como Roda Viva, Construção, Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, Ponteio, Namoradinha de Um Amigo Meu, etc., que, musicalmente falando, algumas até pontificaram nos festivais da canção pela Record.

Meninos que, assim como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Antônio Marcos, por exemplo, embalaram os meninos e meninas da minha geração, rica na produção discográfica, embora desafiadora na vertente política.

Agora, 50 anos depois, experimentei a chance de rever via computador aqueles festivais, e reconheci aqueles garotos - Chico Buarque, Edu Lobo, MPB 4, Geraldo Vandré - naquele tempo tão novos, vigorosos, cheios de esperança, saudáveis, intrépidos, cabelos negros, rostos lisos, sorrisos abertos, e, apesar de tão revolucionários valendo-se da arte, avançando no tempo os vi agora cabelos brancos, caminhar mais lento, e certamente como eu, orgulhosos de uma fase com trajetória vitoriosa, mas que, ao cair na real, com ligeiras tristezas pelos erros cometidos.

Mas quem não se engana, quem não se equivoca, quem não comete erros de avaliação?

Experiência, onde te escondestes lá atrás?

Ora, homem pretensioso! A experiência só nos abraça após os equívocos, depois que os sofrimentos nos marcam a vida, escravizando a nossa alma através do nosso cérebro.

Vivências, por que nos abandonastes durante aquele tempo?

Ora, homem arrogante! As vivências precisam de um período para maturar no aconchego do nosso interior; é preciso amadurecer em cima dos erros cravados nas precipitações.

É necessário decepcionar a si próprio e, muitas vezes, desapontar terceiros para que o aprendizado caia com uma pluma no colo da nossa consciência, “presenteando-nos” com o arrependimento e com as culpas.

Mas, voltando aos ídolos, como é bom vê-los jovens, pulsando forte, locomovendo-se com ardor e intensidade! Desejando exorcizar o mundo dos seus costumes conservadores, de suas decisões políticas em cima do atraso, demolir as injustiças sociais, recorrendo às metáforas falando de flores, sentimentos, prosa e versos, enfim, a verdade e as razões de uma geração, apanágio das letras musicais.

Mas também recordo que, naquele tempo - inclusive porque a censura era fortemente impiedosa, e talvez por isso mesmo - o útero criativo dos nossos cantadores, poetas e músicos era muito mais fértil, muito mais fecundo, haja vista a qualidade artística e exuberante que premiou a cultura musical brasileira no período.

Colocando-me agora como homem de centro-esquerda, embora não aprecie rótulos, ouso perguntar, em tom de blague: será que teremos que dar diariamente doses homeopáticas de 3 a 5 minutos de ditadura para que esses artistas, aqueles meninos, assim como eu, hoje já amadurecidos, voltem a produzir na grandeza criadora que nos anos sessenta e setenta eles puderam conceber, questionando e provocando o status quo?

Imaginemos um Chico Buarque aquinhoado com a bênção de mais experiência, mais conhecimento, enriquecido com as vivências e mediante o acumulado de amores conquistados, o quanto mais renderia para a discografia nacional e para o legado da cultura musical e da poesia se voltasse a produzir com o entusiasmo juvenil, que se transformou em valorização para a dele e demais gerações como criador e intérprete, contribuições que deixará para o mundo em que vive e ajudou a triunfar, decantando-o.

Eu, como desconhecido fã, se tivesse o talento dele e de outros, sentindo-me um menino dos anos 60, estaria no auge da produção musical que tanto enterneceu jovens daquelas décadas, os gentilíssimos e respeitabilíssimos velhinhos de hoje, muitos arrependidos de, naquele tempo, terem abraçado a intransigente defesa de certa doutrina que, agora, não se animam a recomendar...

Afinal, os meninos amadureceram em cima dos erros e dos equívocos com os quais se surpreenderam, ainda mais porque, com o pendor dos anos, a pluma jaz mais pesada, detalhe que nos faz ponderar e buscar no mais íntimo da consciência outras verdades que eliminem preventivamente arrependimentos e culpas.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

O M que lembra a palavra Mãe é o mesmo M que, conforme o Cantador nos ensina: é onde na palma de nossa mão principia o nome Maria.M que se une a ou

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Azul, o nosso céu é sempre azul... Diz uma estrofe do Hino de Rondônia. Será?Bem antes do nosso “Sob Os Céus de Rondônia”, tentaram nos ensinar que:

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Por quê os prédios públicos são tratados pelos homens e mulheres do meu tempo com tamanha indolência? Preguiça, ou será má vontade?Por quê o edifíc

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Sempre me comovo ao observar o encontro das águas, que, no caso rondoniense, são os beijos gelados entre os rios Guaporé e Mamoré e deste com o rio

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)