Terça-feira, 21 de maio de 2013 - 09h11
O Epilef era, e é, um homem espiritualizado, carismático, muito bem formado, voltado para a sua família.
A esposa, professora, sonhava com o primeiro filho ou a primeira filha. Aliás, aqueles dois são tão cúmplices que seus sonhos são sonhados juntos e na mesma dimensão.
Naquele tempo na cidade, andando pelas ruas, galináceos eram encontrados assim como, cavalos, bovinos, cachorros e cabras, não necessariamente nessa ordem.
Epilef, brasileiro com sangue libanês, guardava as pilhas das lanternas para lançá-las contra os cachorros que, à noite latiam acordando os moradores da vila.
Crianças jogavam futebol improvisando traves no meio das ruas, ainda com poucos automóveis, porém com algumas bicicletas, lambretas e vespas. Vizinhos gritavam de uma casa para a vizinha da residência em frente, sem se preocuparem se, ao lado, um idoso roncava ou um bebê adormecido poderia assustar-se com aqueles berros intermitentes.
Ocorre, que o Epilef acalentava ódio mortal contra um galiforme criado ao léu, maior abandonado, um animal delinquente, aparentando possuir distúrbios neuro-vegetativos, um mendigo das redondezas, meio sujo e descuidado, que escolhera reinar justamente no entorno da casa do nosso personagem e que escolhia os horários mais inoportunos e inconvenientes para cantar de galo.
–Ainda mato esse bicho e o transformo numa canja aguada e o sirvo como se fosse de galinha... Assim, revoltado Epilef ou falava com os seus botões ou dialogava com sua eterna namorada e doce esposa.
Um dia, ela lhe deu a auspiciosa noticia, dizendo-se grávida de uma criatura que viria (e veio) para abençoar aquele casamento.
Epilef emocionou-se, derramou algumas lágrimas, emoção que passou para a mulher, que ampliou aquela comoção, no excelso instante em que se beijavam e se abraçavam.
A criança nasceu, linda, rosada, um olhar perscrutador, olhando, ora para um lado, ora para o outro, como se estivesse procurando mais alguém que poderia ser visto ali no canto agradecendo a Deus pela chegada da primeira neta. Sim, era uma menina, linda, linda, como o raiar de um dia.
Entrementes aquele galo continuava rodando a periferia do lar que logo receberia a sapeca filha daquele casal.
–Ainda mato esse galo, filho de uma égua, prometia o Epilef, no instante em que o viu, cacarejando como se fosse uma galinha, ali no lixo da rua. E o homem, com o semblante carregado olhou para a ave com ganas “galicidas”. O galo levantou a cabeça e o olhou de forma desafiadora.
–Pois que venha, com sua fúria, oh! representante dos humanos. Vou lhe dar uma sova que você haverá de falar fino... E saiu rebolando de forma provocadora e debochada. Aquele galo gostava de tripudiar!
Nessa tarde, com a criança dormindo no berço, após mamar, o Epilef, ouvido atento esperou o cantar do galo afrescalhado, que, dando uma trégua, não compareceu no território dominado pela família ampliada. Fora cantar e espalhar os resíduos noutra freguesia.
Passaram-se os dias e o danado do galo não retornava para infernizar a vida do Epilef, que acabou esquecendo-se da “fera enfurecida e maldosa”.
Porém, num sábado ensolarado, precisamente às 13 horas e 47 minutos aquele bicho infernal, trazendo uma comitiva de galinhas novatas, eis que resolveu transformar-se no trovador da cidade e cantou, cantou e cantou de forma descarada, quase na janela aonde um bebê dormia, sonhando com anjos enquanto esboçava um terno sorriso. Epilef dormia a sua merecida sesta e acordou com um sobressalto, pegou a chumbeira, pulou o alto muro da residência e olhou com profunda e insana raiva para a fera não enjaulada e mirou no olho esquerdo do brutamonte e disparou. Bateu catolé a espingarda 12, pequena demais para o assassinato improvisado, porém nenhum cartucho mortífero por não ter sido deflagrado, logicamente não atingiu o objetivo.
E o pior, é que o galo, mesmo assustado, saiu do perímetro zombando da falta de aptidão para uma guerra por parte do nosso herói. E levou o seu séquito junto. Mas, no outro dia, no mesmo horário, como se fosse um galo inglês, pontualmente cantou, e cantou e cantou... Chico Buarque e Cauby Peixoto haverão de me perdoar por me valer da música Bastidores “como é cruel cantar assim/E num instante de ilusão, ainda mais forte”...
Epilef novamente pulou o muro e munido com uma vassoura foi distribuindo pancada a esmo, à torto e à direita, sem alcançar aquele monstro. E assim, tão descontrolado, ele foi correndo atrás daquele “dragão” que, muito trêmulo, foi contornando a calçada do Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, ingressou na Av. Presidente Dutra, virou à direita e retornou pela Av. Costa Marques, torcendo para acontecer o que, de fato, ocorreu: ver o Epilef cansado, extenuado, colocando os bofes para fora, respiração entrecortada, pedindo arrego para os enfermeiros do Nosocômio enquanto ao lado, colocando os miúdos também para fora, o galo exausto pedia clemência e absolvição, implorando perdão. Deitaram-se, sem forças, na calçada, em silêncio, o homem e o galo, tentando uma comunicação apenas com o olhar.
O insolente galo, olhos vidrados, suado, olhando para o seu algoz, clamando por misericórdia e, talvez, prometendo não tumultuar o sono dos familiares do Epilef tentou negociar uma saída honrosa.
Mas, não mereceu indulgência, pois, embora extenuado, Epilef cravou os dentes, procurou a cabeça do desafiante e, humilhado pela canseira a si imposta, foi apertando gradativamente o pescoço da fera ferida que acabou sendo, sem choro nem vela, encaminhado para as profundezas do inferno terrestre, consoante fora imaginado e decidido.
E a multidão se dividia ora aprovando a cena tragicômica, ora reprovando a ausência de um julgamento justo, que pudesse privilegiar os direitos galináceos não assegurados por aquele fervoroso Pai e dedicado esposo, profissional bancário e talentoso Executivo dos melhores que conheci.
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