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Paulo Saldanha

Fortunato Panachão, sem inspiração, chorou, chorou - Por Paulo Saldanha


 

Encontrei-me noutro dia, no supermercado, com Fortunato Panachão (nome fictício), meu colega de colégio. E foi aquela festa! Ele, com cabelos cor de prata, me pareceu mais velho do que eu. Certamente envelheceu, eu não! (Calma, Paulo, você não é cabotino...)

E Fortunato, sabendo que sou metido a “escrevinhador”, me garantiu que iria escrever o seu segundo livro.

–E o primeiro? Gostaria de ler - questionei. Inclusive me lembrei do meu neto João Paulo num idêntico diálogo.

–Ainda não comecei.

–Mas como pode ser o segundo, se o primeiro ainda não saiu? - cobrei-lhe ali, na lata.

–Bem, é que, em função da crise que me atingiu vou caminhando sem inspiração...

Também ando sem força inspiradora! Mas me lembrei que Fortunato, embora abandonado pela mulher após 9 anos de um convívio de altos e baixos, segundo me afirmou estava feliz, tendo retornado ao antigo aconchego, ali na curva do distrito do Araras.

Fortunato me garantiu que tantas e tantas vezes ficava feliz ao ouvir músicas do tempo dos seus avós e dos seus pais, e lhe vinha em ondas a sonhada iluminação literária. Até os títulos dos romances lhe afluíam com exacerbado estímulo criativo e a temática do livro com retumbante e previsível sucesso da mídia. Ocorre que, terminada a sessão musical, se via abandonado pelos deuses e pelos anjos da inspiração e da inventividade.

Taí, –de repente, um clarão se me surgiu– vou escrever sobre a felicidade que se traduz como um estado momentâneo sem tensões, instantes de alegria pleno de despreocupações. Afinal, mesmo os sábios em harmonia com o universo sabem que não há uma vida duradoura de felicidade. Penso, por experiência própria, que há momentos de felicidade quando a perfeição se encaixa nas nossas perspectivas; noutros, ao contrário, as preocupações eclodem e a desesperança se nutre no nosso interior através do escárnio das próprias decepções. Ninguém consegue ser feliz “por toda la vida”.

Porém, vale lutar e persegui-la! Eu mesmo vou procurando a felicidade e devo trazê-la pela orelha. Nem que eu vá recolhê-la na marra e a traga aos empurrões, como o credo do guarda levando com “ternura” um meliante para a cadeia.

Ocorre que procurei interpretar aquela fugaz alegria do Fortunato Panachão e vi que seus olhos estavam tristes, recheados de amargura e de ausência do antigo brilho. Sempre o vi como obstinado otimista! E intui: aquela separação mexera com o seu interior. Aquela alegria foi tão momentânea pela surpresa do reencontro, que escorreu pelo vão dos dedos. Ele estava infeliz!

E como escrever sobre a felicidade, se meu companheiro de colégio estava jururu? Não poderei encontrar compreensão dos meus eventuais leitores? Vou trabalhar o sentimento de Panachão para elevar a sua auto estima, após observar que ela estava em baixa. Perscrutei o amigo e vi que ele estava saudoso da mulher e dos filhos, e trazia no peito a dor de ter deixado todos os bens com a ex-esposa. E saquei a mensagem da coerência do cantador que, ao meu sentir, tinha razão quando cravou “para haver felicidade é preciso que a saudade vá bater noutro lugar”.

E, curioso, o instiguei para verificar a quantas andavam a sua emoção e o seu recalque. E Panachão, entre uma prateleira e outra, entre uma gôndola e outra, chorou, chorou.

Preocupei-me com o estado de desilusão e abandono ali a fluir tão solto. Mais uma vez a alegria despetalou-se, e por conta do sofrimento vi lágrimas aos cântaros, me surpreendendo com a sua intensidade; lembrei-me que a aridez do sentimento é como seca violenta que é relativamente neutralizada pelas águas dos olhos quando choram.

Ah! Não fosse o choro, o ser humano explodiria... o choro alivia as tensões e, depois, faz o coração ficar ali num cantinho, bem sossegado!

Desolado acabei reconhecendo que o lampejo para escrever sobre a felicidade vazou, foi-se embora, como a confirmar que ela é efêmera, passageira, tem fim... Disse um dia o Antônio Carlos Jobim: “a felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar, voa tão leve, mas tem a vida breve”....

E abracei o antigo colega, na tentativa de lhe transferir afeto, pois a carência dele era enorme - só não sei se pela ausência da mulher, dos filhos ou do patrimônio perdido...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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