Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Paulo Saldanha

NESTOR MORAIS, O OUTRO PESCADOR



O Nestor Morais, filho do Pedro Inácio de Morais - conhecido como Pedro Misturado - com a senhora Dona Emilia, era uma pessoa das melhores com quem convivi. Jogamos juntos pelo América Futebol Clube, onde fizemos parte de um grupo que se apresentou em Rio Branco/Acre, em Riberalta e em Trinidad, na Bolívia.

Seus irmãos quase todos jogaram bem o futebol, mas o Nélio Morais era exímio cabeceador. Elegante e inteligente foi contratado nos anos 60 por um clube de Trinidad.

O Nestor era simpático e espirituoso; parecia estar sempre de bom humor!

Atuava ora como zagueiro, ora como lateral esquerdo (era canhoto), ora como meia armador. Seu estilo lembrava o do argentino Pablo Horacio Guiñazu. Aguerrido será o adjetivo certo para qualificá-lo. Atuava chegando junto de quem estava marcando, mas sem ser violento.

Parecia ter fôlego de leão. Era ardiloso, proativo e vestia a camisa do AFC com redobrado orgulho; valente e raçudo!

Na excursão para Rio Branco, o técnico Almir Madeira, o Maurício - apelidado de “o Velho” - e ele combinavam estratagemas e táticas que levaram o nosso esquadrão a ver coroada de êxito a nossa campanha, ali nas terras legadas por Plácido de Castro.

Mas desde muito cedo o Nestor subia o rio Mamoré, o Pacaás Novos e até o Guaporé, objetivando reforçar o orçamento familiar com os pescados que amealhava no leito dessas estradas líquidas. E ganhava bons cruzeiros (moeda da época). Depois muitos Cruzados e Reais ampliaram seus ganhos mediante o exercício dessa atividade.

E tantas e tantas vezes era visto contornando as cachoeiras Guajará (Mirim e Açu), com o foco nas piraíbas, jaús e surubins.

Quando lembro do Nestor recordo da música do Dorival Caymmi tratando de Chico Ferreira e Bento, referindo-se à canção cujo verso a encerrava assim:  “pois as moças de Jaguaripe choraram de fazê dó, seu Bento foi na jangada e a jangada voltou só”.

E ele não tinha medo nem dos tombos, nem dos rebojos e nem dos peraus por onde transitava remando ou varejando.

Naquele perímetro entre as praias do Acácio e do Valentin e até abaixo desta, viam-se outros pescadores corajosos como ele: Almir Madeira, os irmãos Mário e Waldemar Peixe, etc, etc.

Sabe-se que a jangada de Bento, do Caymmi, voltou só... mas um dia a canoa do Nestor nem voltou; foi encontrada sem ele, na margem esquerda do rio Mamoré, com as “traias” de pesca, remo, arpão e tarrafa.

         E o nosso amigo continua desaparecido desde então. Informações deram conta de que Nestor também costumava pescar às margens do rio Mamoré, ali nas cercanias do matadouro municipal. Foram encontradas a bicicleta e as sandálias no barranco perto de uma casa.

        Todos os moradores das imediações ouvidos disseram que um jacaré enorme amedrontava os ribeirinhos do entorno, resultando esse informe numa tremenda preocupação.

Comitivas saíram, inclusive através de equipes lideradas pelo Corpo de Bombeiros, à procura do nosso amigo e irmão; adentraram na ilha Suarez, ultrapassaram-na e ingressaram em território boliviano... e nada do homem procurado.

Especulações foram lançadas: teria uma sucuri laçado o Nestor com um golpe macabro e fatal? E, após, puxando-o para as profundezas do Mamoré após aquele processo de constrição, o engolido?

Aquele jacaré de 6 metros citado pelos circunstantes avançou sobre a canoa e abocanhou o filho do Pedro Misturado?

Teria algum malfeitor, pescador como ele, ao saber da retirada de dinheiro da conta corrente num banco da cidade, o assassinado para ficar com os reais surrupiados?

A polícia regional fez inquirições, ouviu relatos, fez pesquisas e comparou álibis, sem concluir sobre a situação.

E lá se vão 24 meses. E nós, saudosos do velho pescador, do antigo jogador, mas sempre atual amigo de fé, continuamos inquietos, sem notícias, porém esperançosos de que o Nestor, acometido de alguma decepção, esteja vivo, porém, como morador num dos lugares ermos do país irmão fronteiriço, aguardando a sua recuperação emocional que o permita, assim como a jangada, retornar para o nosso convívio, pois fazemos parte da história daquela canoa que foi encontrada no barranco do rio Mamoré e, assim como ela,   ansiamos pelo reembarque do grande remador Nestor novamente na nossa vida e no cotidiano de nossas vivências.

Esperança que nos move! Esperança que acalentamos! Esperança que não perdemos! Dessa esperança, enfim, nos alimentamos!

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoDomingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

O M que lembra a palavra Mãe é o mesmo M que, conforme o Cantador nos ensina: é onde na palma de nossa mão principia o nome Maria.M que se une a ou

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Azul, o nosso céu é sempre azul... Diz uma estrofe do Hino de Rondônia. Será?Bem antes do nosso “Sob Os Céus de Rondônia”, tentaram nos ensinar que:

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Por quê os prédios públicos são tratados pelos homens e mulheres do meu tempo com tamanha indolência? Preguiça, ou será má vontade?Por quê o edifíc

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Sempre me comovo ao observar o encontro das águas, que, no caso rondoniense, são os beijos gelados entre os rios Guaporé e Mamoré e deste com o rio

Gente de Opinião Domingo, 24 de novembro de 2024 | Porto Velho (RO)