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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

No Sertão, Grandes ‘inverdades’ - Por Paulo Saldanha



O Senhor Barba, que nem barba tinha, se dizia valente e intrépido, arrojado e destemido. Apreciava caçar onças naquele tempo em que não era proibido. E lá se vão mais de 50 anos...

Para tanto, jamais dispensava a companhia de seus valorosos cachorros, entre os quais figuravam o Mido e o Fiel. Mido, um mestiço de vira-lata com outro vira-lata. Todavia, o Fiel, ao contrário, seria garboso descendente de um nobre vira-lata com outro vira-lata.

Com esses dois “perros” Don Barba saia às sextas-feiras para caçar. Para quem não conhece o castelhano, perro se traduz como cachorro.

"Naquele dia" – disse-me ele, entre um gole de café e outro – "saí com os meus animais de estimação e desfraldei serra, contornei montes e ingressei numa sub-planície pantanosa."

Não sei o que ele quis dizer com essa 'sub-planície', mas interpretei bem o pantanosa.

"E acabei encontrando um felino. Descobri uma pintada das graúdas. Os perros, tão ou mais valentes que o dono, partiram no rumo dela em alta velocidade, e eu tentava acompanhá-los. Eu acelerava e os perdia de vista. Até que acuaram a bicha. Ela rosnava, mostrando os dentes, presas enormes que assustaria outro, eu não."

Como vêem, o auto-elogio era uma constante na prosa com Don Barba.

"Foi aí que armei o rifle e mirei entre os olhos da fera. Como atiro otimamente bem, nem gastei outra bala. Mas ela que, certamente, gostava de aparecer, deu um salto carpado e ficou estrebuchando-se no solo, até que deu o último suspiro."

Don Barba parou um pouco e acendeu o cigarro. Tragou e fez fumaça poluindo o ambiente e nem pediu desculpas, envolvido que estava em valorizar a sua narrativa.

"Os cachorros me olhavam com orgulho e sentiam-se envaidecidos por servirem a um atirador da elite sul-americana. Mas observei que estavam muito cansados."

E eu, ingênuo, desejando chegar ao final da história, lembrei que ele certamente colocaria os perros no lombo do cavalo...

"Mas que cavalo, seu compadre? Eu estava 'de a pé' e com pena dos cachorritos; antes de carregar a pintada nos meus ombros, amarrei um nas costas do outro, pois enquanto um descansava no dorso do outro, aquele com as patas no chão trazia o companheiro de ventura. Depois de alguns quilômetros, nalguma parada, eu desvirava e o descansado trazia o cansado no costado até que chegamos à sede da fazenda."

Pensei em voz alta: - Ainda bem que o amigo é criativo e bolou uma idéia inteligente para premiar com descanso ora um, ora outro, os cães de sua estima.

"Como sou generoso nem pensei em mim, que tive que trazer em minhas costas um felino com quase 200 quilos num trajeto que ultrapassava os 12 quilômetros, sem que pudesse valer-me da estratégia utilizada com os perritos que iam se revezando no caminho de volta, um no costado do outro..."

–Acredito na sua versão, caro companheiro - disse-lhe, de forma resoluta.

"E ainda tive de tirar o couro da desavergonhada da onça e salgar a carne para aproveitar como comida de todos os cachorros da nossa vizinhança..." - concluiu o Senhor Barba, um valente, intrépido, arrojado e destemido caçador de felinos nos idos de 1967, mais de 50 anos, lá atrás, quando caçar não era proibido...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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