Sábado, 15 de dezembro de 2012 - 05h11
Pois bem: o Pernambuco tinha um cachorro feroz, audacioso, feioso e fedegoso que, se solto, não perdoava as batatas das pernas dos distraídos, por isso ficava preso no quintal. Cangaceiro, era o seu nome.
O Pernambuco morava onde hoje é o Ministério do Trabalho e a Loja de Vídeo do Michel Melhem; ao lado da casa, onde está instalada uma oficina que recupera aparelhos de televisão e rádio, ele, já beirando os 60 anos, implantou um bar, aonde servia refrescos e deliciosos pasteis de carne e queijo.
O seu “público alvo” seriam os estudantes do Ginásio Paulo Saldanha, na época ainda sem sede própria, que se valia das instalações do Grupo Escolar Simon Bolívar –hoje ostentando outro título de “Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Simon Bolivar”– que, após as aulas, já lá pelas 22 horas, iam até ali para se deliciar com as ofertas da casa e curtirem os papos do dia.
Aconteceu que a perna de um respeitável bancário foi abocanhada com devotado fervor pela boca do endiabrado canídeo. Não houve choro, mas dores intensas! Um desejo de vingança eis que foi surgindo na mente do enfurecido personagem, filho de vencedor comerciante local, que aqui chegou vindo do oriente.
Dona Yáyá gostava muito dele! O Omarzinho, também! Eu, particularmente, sempre o tive como exemplo de pessoa e de profissional competente, seguro, habilidoso, inteligente e bem humorado. Desde há muito vive no Distrito Federal, lugar onde exerceu, com respeito e acrisolado idealismo, as elevadas funções parlamentares, quando o Renato Medeiros foi cassado.
Permito-me retornar ao passado para dizer que aqui na cidade alguns afoitos tinham o péssimo hábito de preparar a “bola”, ou o “bolo” de carne, recheado de veneno para dar aos cães bravos, estigmatizados como violentos e agressivos, pois representavam (e representam sempre) um risco aos seus proprietários e àquelas incautas pessoas que descuidam da atenção que devem tomar para evitar a surpresa de um ataque.
O tal Cangaceiro, cachorro do Pernambuco, era realmente violento; se fosse humano, poder-se-ia dizer que fazia do sadismo o seu Norte, pois, em tese, era liberado da corda somente na parte noturna, pois o dono tinha criação de porcos, galinhas e patos.
E melhor vigia para o quintal não haveria. E se andasse solto poderia criar problemas para o seu dono.
Mas voltemos ao personagem agredido pela fera do Pernambuco.
Eis que o homem mordido olha para a perna da calça dilacerada e para a ferida aberta sangrando muito. O próprio Pernambuco fazendo-o sentar num dos bancos lhe trouxe água quente, sabão e álcool. E, humildemente, ia lavando a ferida, esculachando com a sua fera, já enjaulada.
Lá pelas tantas, um novo ataque do demoníaco cachorro, desta feita, no território do dono - o bondoso Pernambuco – cuja geografia foi invadida por um desocupado, que desejava ser sócio das galinhas e de alguns patos, acabou sendo a senha que esse meu personagem precisava para executar a sua vingança radical, sem levantar suspeitas, que seriam dirigidas, pela lógica, para o mais novo mordido do pedaço, que, não logrando êxito na empreitada deveria ter jurado de morte o animal.
Lembro, por oportuno, que dez dias antes, pela ordem de preferência, a vingança caberia ao primeiro, o companheiro bancário, ferido na perna que, tendo perdido a calça que mandara fazer, sob medida, no alfaiate de plantão, passou, assim, a dar tratos à bola.
Novembro daquele ano chegou com chuvas intensas. Noites ideais para montar a operação que engendrara... Nesse dia, final de tarde e inicio de noite chuvosa, trovões e relâmpagos...
Na manhã seguinte, o Pernambuco acorda, levanta-se, faz a higiene primeira e se encaminha para o quintal, levando milho para o seu patrimônio galiforme e anseriforme. E o que vê?
Morto, mortinho da Silva, o seu cachorro de estimação. Ao redor, muito sangue e muita baba. Parecia que o animal defunto tinha sofrido doloroso e degradante processo de martírio antes de se entregar. Um bolo de carne ou o que restava dele estava ao lado da fera sem vida.
A população do entorno no velório do cachorro ia comparecendo, ante a histeria do dono, com suas lágrimas, gritos e nada sutis promessas de vingança, que ia clamando, lançando-as ao léu. E os funcionários da Prefeitura ali ao lado do Cine Guarany, também vinham chegando para o trabalho e, incrédulos, olhavam para aquela cena patética: o desespero do Pernambuco.
Outros passantes já retornavam do Mercado Público e seguiam o mesmo exemplo, parando para ver; até os bancários que trafegavam foram se aprochegando, tentando oferecer a sua solidariedade, dizendo-se revoltados.
Inclusive aquele homem, que havia sido mordido anteriormente, veio socorrer o sofrido dono do animal assassinado.
–Pernambuco, vim trazer o meu abraço, apesar de ter sido vítima dele, jamais lhe guardei rancor. Disse isso apontando para o cadáver do bicho falecido. Quem fez essa maldade, jamais merecerá perdão! Importante que com a alma generosa que o Gangaceiro tinha um lugar ao lado do criador já está reservado.
Uma lágrima insistia em rolar, até que caiu no rosto trêmulo, bastante comovido, que denunciava muita emoção...
–Obrigado, meu bom amigo! Eu sei que, de você, só uma palavra de conforto eu haveria de merecer. E correspondeu ao abraço apertando aquele homem tão solícito quanto solidário, que vinha ampará-lo naquele instante de infortúnio.
Enquanto um abraço era trocado, sem que o Pernambuco visse, aquele bancário abria um sorriso imenso e piscava para o Gerente do Banco da Amazônia José Avelino Gonçalves (trajetória fecunda – tornou-se Diretor de Câmbio), também presente, sentindo-se feliz, vingado e serenamente realizado.
Ao sair do velório, novo e enigmático sorriso apareceu na expressão vitoriosa daquele meu personagem de ascendência árabe, que se valeu do bolo para dar um presente de grego para uma fera que não esteve enjaulada num determinado dia da semana...
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