Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Paulo Saldanha

O Chefe, a Mocinha e a Pedra Enorme


 Não poderei asseverar se um dos personagens teria sido o saudoso Capitão Alípio. Nem se, eventualmente, o caso se passara com o Magistrado José de Mello e Silva. O que sei é que o fato aconteceu.

O ano de 1950 transcorria sem muitas novidades aqui na cidade servida pelo caudaloso rio Mamoré. Muitos iam e vinham à cidade fronteiriça que tinha afeição por forasteiros. As mocinhas, com olhar lânguido e cheio de graça, lançavam convites à corte e à cobiça masculina, na esperança de merecer um casamento que as livrasse da castidade que a sociedade falsamente elegia como marca, tabu que não poderia ser quebrado. Mas que, vez por outra, surpresas aconteciam...

Vindo não sei de onde apareceu por estas paragens o Pé de Pato, rapaz metido a conquistador apesar do seu esquisito andar que provocava risos de deboche, pois parecia que iria cair ao dar um passo à frente.

E Pé de Pato,  num certo dia, estava acompanhando o desfilar de Rosa Madalena que, exagerando nas passadas numa ação rebolativa, desejava atrair a atenção daquele garboso alvo – na sua visão– rapaz com penteado glostoriano, pois sua farta cabeleira continha altos níveis do produto, enlameando-lhe a cabeça.

Rosa Madalena ainda que um pouco atrevida respeitava os pais, pessoas simples de poucas luzes, a quem se submetia. Sem estudos, poder-se-ia dizer que seriam inocentes.

E não é que Rosa Madalena, linda morena, foi por ele percebida, o Pé de Pato, seguida e cantada.

 –Formosa garota, és o tipo de mulher que ninguém poderá amá-la...

 –E por que, não? –retrucando com os olhos faiscantes, quase odiando-o, ela lhe endereçou um olhar provocativo.

 –Porque morrerá de amor, deusa desta avenida, princesinha do Mamoré...

 –Noooossa! Desse jeito você me deixa sem jeito. E corou!  Baixando o olhar, depois os cravou nos olhos do Pé de Pato.

Seria a sua perdição? Ou o seu maior achado?

Tempos depois, Pé de Pato foi chamado à sala da autoridade da Lei. Presentes ali o pai, a mãe e a mocinha enjeitada. E ele chegou cumprimentando a todos como se jamais os tivesse visto no pedaço.

 –Boas tardes! Prazer em conhecê-los. –e nem olhou para Rosa Madalena que ficou murcha mediante a confirmação do esquecimento e do abandono.

  –Jovem, disse-lhe o chefe do ambiente, pesa contra o senhor a denúncia de que você teria feito mal a essa mocinha...

 –Mas logo eu, Senhor, que não ofendo nem a comida que como? Logo eu que jamais vi esse mulherão na minha vida! A propósito, muito prazer, senhorita – e estendeu a mão para cumprimentá-la, mas teve como resposta por parte dela o rosto virado.

 –Foi ele, ou não, o autor do mal que a maculou?

 –“Num sei o que seje maculou! Só sei que ela num é mais moça, não”! O Pai ingressou no papo.

 –Foi, sim, doutor, foi ele com aquela lábia que me incendiou toda...

 –Mestre, jamais vi essa moça em toda a minha vida. Sou casto, puro como o cantar de uma pipira, numa manhã primaveril. Nem sei como proceder para fazer o bem, como agir para fazer o mal?...

 –Moça e onde foi que o tal mal foi cometido. É longe daqui?

 –Não, Senhor é bem perto! E foi em cima de uma pedra...

 –Então vão você, seu pai e mãe e tragam essa pedra aqui para servir de prova...

Aqueles três ingênuos saíram correndo visando comprovar a denúncia.

 –E aí, Pé de Pato? Você acha que eles conseguirão trazer a tal pedra?  – a autoridade indagou.

 –Traz nada, Mestre! Aquela pedra é enorme e está bem grudada no chão. Tem pelo menos 4 metros de cumprimento e quase 2 metros de altura. Fica lá no goiabal, entre mangueiras, perto do Bairro do Triângulo.

Quando o Pé-de-Pato parou para pensar, já era tarde! Foi preso!

A cena do casamento do Pé de Pato nem pode ser realizada. Seria bígamo, posto ter fugido de Manicoré para não ser morto por um Pai de donzela feita mulher pelo indigitado, que já tinha sido casado e estava separado de uma moça lá de Nova Olinda do Norte.

Coisas da vida! Histórias do Pé de Pato um doidivanas que não raciocinava com a cabeça de cima...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

O M que lembra a palavra Mãe é o mesmo M que, conforme o Cantador nos ensina: é onde na palma de nossa mão principia o nome Maria.M que se une a ou

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Azul, o nosso céu é sempre azul... Diz uma estrofe do Hino de Rondônia. Será?Bem antes do nosso “Sob Os Céus de Rondônia”, tentaram nos ensinar que:

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Por quê os prédios públicos são tratados pelos homens e mulheres do meu tempo com tamanha indolência? Preguiça, ou será má vontade?Por quê o edifíc

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Sempre me comovo ao observar o encontro das águas, que, no caso rondoniense, são os beijos gelados entre os rios Guaporé e Mamoré e deste com o rio

Gente de Opinião Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)