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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

O Cobrador, o patrão e a Teúda Manteúda



                Edelson, moreno claro, simpático, inteligente e educado, foi de tudo (frentista, chapa, pedreiro, marceneiro, mensageiro, etc.) antes de ser cobrador. Acabou realizando-se na atividade porque se descobriu com pendores para o metiê, até porque tinha sua bicicleta própria, muita paciência e ânimo guerreiro.

                Conversar com ele é exercitar o bom humor, ante as sacadas, as tiradas que sobram a partir do cérebro privilegiado que possui, cuja sagacidade dá a ele o conceito de moço bem aquinhoado de talento para a área de comunicação e relações públicas, inclusive tem inclinação para vendas.

                Sobram-lhe histórias por conta do seu desempenho como cobrador, sua atual função. Por exemplo: um dia, ante a inadimplência de um cliente, foi pressioná-lo, mas errou a hora e não encontrou na casa o devedor. A esposa o recebeu à porta da residência, o lar daquele casal.

                É que o cliente adquiriu cama, colchões, fogão e geladeira para sua mais nova amante. Mas a cobrança, por erro estratégico do cliente, teria que ser cumprida no endereço do amancebado, o provedor.

–Eu não comprei nada dessa loja, moço! É engano! - candidamente disse-lhe a ingênua mulher de fato e de direito de Frutuoso Aristarcalino de Freitas - Mas deixe ver, vou falar com o meu santo e imaculado maridinho.

                E depois a sacrossanta mulher de Frutuoso voltou com um recado estranho:

–Moço, meu marido também não comprou nada e vai reclamar dessa cobrança fora de propósito diretamente lá com o seu patrão. E pediu para eu ir junto. Mas não vou não!

–Se assim é, assim será, minha senhora. Não está mais aqui a figura indigesta e antipática de um humilde cobrador.

                E Edelson saiu furibundo da silva, culpando-se por ter levado constrangimento ao abençoada lar da família respeitável de Aristarcalino.

                Só que depois da ligação da mulher, Frutuoso, por sua vez deu inicio a uma série de telefonemas: um para o patrão de Edelson, outro para a sua meia irmã Nilza, de quem estava um tanto afastado, fato que, logicamente o cobrador desconhecia.

                Humilhado pelo resultado infrutífero da coação por ele concebida que o alcançou ao ir à residência de Frutuoso, assim ele, quase uma hora depois, retornou amargurado para a loja de múltiplas utilidades domésticas de Félix Ladislau Varjão Júnior, seu dinâmico, humilde chefe e excelente patrão. E foi chamado à ordem no gabinete do líder, onde também o esperava o Frutuoso.

–Edelson, não se avexe, não! O Frutuoso aqui deseja esclarecer que havia se enganado. Na verdade, depois ele se lembrou de que tinha adquirido um fogão para a sua virtuosa irmã. E até trouxe sua mulher para que lhe pedisse desculpas pelo vexame de ter-se negado a pagar essa conta. Por sinal, este carnê já está até quitado. Veja!

–Digno cobrador – Frutuoso interrompeu – eu ando tão atribulado que esqueci essa aquisição que o meu coração magnânimo imaginou fazer à querida irmã que me alegrou a vida... – e ao dizer a frase, derramou furtivas lágrimas que à mulher comoveu. Esta lhe fez um carinho com o dorso da mão, também molhando os olhos, emocionada com a comoção que atingiu o esposo e pai de seus cinco filhos.

–E eu, senhor cobrador, estou morta de vergonha... Peço-lhe mil desculpas, e estendeu a mão mirrada, que Edelson dignou-se em beijar.

                Mesmo assim, sem entender o tamanho daquele teatro armado num palco surreal, Edelson ainda tentou se desculpar. Mas foi impedido de continuar.

–Caro colaborador, o tema já está esclarecido. O senhor Frutuoso é excelente cliente, tanto que até quitou a sua dívida antecipadamente. Para mim, falou bem alto a generosidade dele em presentear a irmã que, como disse, lhe alegra a vida. - a mulher de Frutuoso se enterneceu com aquelas palavras...

                Só que as prestações mensais, iguais e sucessivas, somavam compras bem acima daquela atribuída a um só produto: o fogão.

                Com tantas interrogações na cabeça, Edelson nem notou a cumplicidade do chefe e patrão com Frutuoso. Mas questionamentos ele elucubrava nas horas incertas sobre o fato. A pudica esposa também continuou sem saber das “puladas de cerca” do esposo seu amor, pai extremado de seus filhos, enquanto que a sapeca da comborça ia amealhando notável patrimônio se dividindo entre Frutuoso e Raposão, este um o amante da amante do primeiro.

                Raposão, amigo de Edelson, entre dúzias de cerveja abriu o bico e contou-lhe esse final da história do triângulo amoroso, na cabeça do cobrador um enigma que envolvia Frutuoso alcovitado por seu íntegro patrão, a esposa e a Teúda e Manteúda...

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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