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Paulo Saldanha

O MEU COLEGA JOÃO DE DEUS



Faço, ao iniciar, uns parênteses para citar que, num telefonema mantido com o decano da ACLER, o respeitabilíssimo acadêmico e Mestre Abnael Machado de Lima, eis que surgiu no nosso papo a figura do engenheiro João de Deus, meu colega no Colégio Dom Bosco, de Porto Velho.

Fui, em 1959, um dos companheiros do João de Deus, filho do Simplício, no Colégio Dom Bosco de Porto Velho. Com ele, Otomar Mariúba e Pedro Struthos, disputávamos os primeiros lugares nas notas, naquele ano.

O Simplício, pai do João de Deus, administrou o Hotel existente lá no Abunã, com 2 andares, construído em madeira, e recebia em pernoite, principalmente, os passageiros da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que vinham de Porto Velho ou demandavam à capital desde Guajará-Mirim, passando pelo Iata, Vila Murtinho, Chocolatal, Misericórdia, Periquitos e Araras.

O Hortêncio Simplício, reconhecido como homem comunicativo, bastante direto e ativo era empreendedor. Conduziu o Café Santos, até que partiu para um negócio maior, fundando uma loja especializada em ferragens, quando cresceu e multiplicou seus ganhos. Mas foi vencido por uma tragédia!

Na verdade, iniciei a crônica abrindo uns parênteses para um pequeno detalhe. E, me dou ao desfrute de continuar...

O meu líder Abnael me adiantou que, mais tarde o João de Deus foi aluno do Carmela Dutra e seu talentoso pupilo. Lá, numa data qualquer, uma mocinha desmaiou. Os rapazes, entre eles o Vitinho Sadeck e o João de Deus ouviram a noticia de que uma jovem desfilava com maiô. E, para não fugir as regras produto da curiosidade machista, correram para o local onde ela estaria. Desejavam vê-la de maiô. Já na escada no rumo do segundo pavimento, surpreendidos pelo Mestre Machado de Lima, tiveram que retornar, mediante a explicação do fato concreto: a garota desmaiou!

Parênteses fechados, voltemos a narrativa.

Hoje, não mais menino, mas, retornando àquele período, analiso que o João de Deus fora um estudante brilhante e cioso de seus deveres, até porque recebera boa formação familiar e era inteligente e obstinado. As virtudes que ostentava davam a dimensão do caráter íntegro que sua família forjara, esculpindo um cidadão que poderia ser bastante útil no mundo em que vivia. Adulto, foi excelente profissional!

Depois fui para outro “pólo” e ele para outro “hemisfério”. Até que a engenharia lhe premiou o esforço e o talento natural. Porém, jamais deixei de recordar do amigo e colega com quem dividi uma trajetória no inicio de nossas vidas.

E o tempo e o vento por nossas vidas passaram!...

Um dia, como profissional na cidade de Cuiabá, capital do Mato Grosso, através do meu cunhado Antônio Amadeo Rivero, tomo conhecimento do assassinato do João de Deus, e minudentes revelações me são apresentadas, quase todas confirmadas pelo ilustre historiador e pesquisador Abnael Lima.

Constava que o engenheiro João de Deus, sempre tão zeloso, mas discordando dos elevados custos dos preços orçamentados pela construtora e da baixa qualidade de uma obra na cidade de Ji-Paraná, decidida pela então CERON, da qual tornara-se executivo, encaminhou para os seus superiores um relatório contestando a inversão, recomendando categoricamente o embargo da construção.

E, para ampliar o seu zelo profissional, decidiu enviar para Brasília, Distrito Federal, todo o processo cujos detalhes davam conta de que a obra continha vícios e discrepâncias, situação identificada e comprovada, pois contrariava o erário público.

Naquele tempo, havia espaços para o idealismo e para a probidade...

Lamentavelmente, o mensalão, os sanguessugas, o petrolão (e outros) estão a comprovar que a exceção descoberta no passado virou regra no presente.

Todavia, em face da contundência do relatório, um ódio de alguém contra o engenheiro era embalado na teia de uma perspectiva macabra.

E o desaparecimento de uma alma virtuosa passou a ser ensaiado. Um espírito controvertido, uma pessoa presunçosa e perversa resolveu “julgar”; e punir com a morte era imperativo!

Posto dessa forma, numa noite, os vizinhos do “JD”, possivelmente ali da Rua Almirante Barroso observaram, sem atinar o perigo emergente, que um automóvel passava e passava... e muitas vezes ia e vinha diante da casa do engenheiro, meu companheiro de colégio.

Depois, na madrugada escura como breu, a esposa do filho do Simplício levantou-se para preparar o leite da criança e viu pela janela o reflexo de um vulto transitar por fora, e acordou o marido, que, sem imaginar o que lhe aconteceria, abriu a porta, recebendo os mortais disparos.

Seu irmão, assustado, acordando partiu em seu socorro, mas foi também atingido, sem gravidade.

E, assim a humanidade, após a metade dos anos 70, representada pela população portovelhense, perdeu um de seus mais fulgurantes representantes, se lhe tivessem dado a chance de continuar vivo, patrocinando idoneidade moral e a competência profissional que o impulsionava, irradiando força, inteligência, sabedoria, energia e muita luz.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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