Sexta-feira, 15 de agosto de 2014 - 11h06
O interessante é que eu não o tinha enxergado ainda! Distraído, parecia fazer parte daqueles viventes que olham, mas não vêem. Ocorre que naquela manhã provei o contrário: descobri o ninho dos sanhaçus.
Casal de trabalhadores, batalhadores incansáveis, operários meticulosos, desempenhavam seu papel demonstrando total afinidade e irrestritiva harmonia. Cidadãos da natureza comprometidos com o trabalho.
De dois em dois minutos aqueles dois seres chegavam ao seu território (uma pilastra de concreto, com ferros expostos) e ali edificavam o seu ninho de amor. Cada um no seu instante trazia no bico ramos e pequenos galhos de planta nativa. E iam acrescentando as paredes de sua construção, cujo projeto estava desenhado no pequeno cérebro daqueles dois.
E eu ali tão próximo a eles! Nesse vai e vem, pousavam antes da obra iniciada e ficavam me olhando com a benevolência dos confiantes porque sabiam que, embora humano, eu não lhes faria mal. Intuíam que eu seria do bem e os elevava, pois já me transformara em admirador de ambos. E me encaravam de forma terna, orgulhosa e simpática, mas desafiadora!
Entrementes, eu ia aprendendo com eles como se comporta uma dupla afinada, no seu momento de edificação. E uma química perfeita simbolizava o ideal das ações e reações que eu identifiquei, já que nenhuma improvisação reinava entre eles...
De repente sumiram da minha visão e não retornaram. Imaginei-os, pelo horário matinal avançado, que foram em busca do seu alimento. Precisavam ficar fortes, nutridos e sadios para cumprir aquela empreitada.
Ora, no Evangelho do Cristo há uma reflexão sobre os passarinhos que sempre encontram o que comer: “Observem as aves do céu: não semeiam nem colhem nem armazenam em celeiros; contudo, o Pai celestial as alimenta. Não têm vocês muito mais valor do que elas?”...
E o mágico é que eles trabalham, ou seja, ficam batendo asas, até encontrar as proteínas de que carecem para não sucumbir fisicamente. Parecem atuar como cidadãos conscientes na busca da sua afirmação cidadã! Dão-nos a idéia de que evoluíram tanto na sua cidadania, que nos fazem supor de que jamais venderiam seus votos, acaso fossem eleitores...
Aqueles sois sanhaçus elevam templos ao trabalho!
Não possuem bolsa família, bolsa gás, bolsa remédios, vale transporte ou outros instrumentos sociais. Eles vão à luta! Porque sabem que o Criador já indicara com a mão divina o local e a quantidade de comida que aquela dupla voadora iria precisar.
Saí do local na tentativa de seguir-lhes o exemplo, buscando também o meu alimento. Afinal, também trabalho para isso! Naquela hora a natureza se debruçava na calmaria, ante a inclemência do sol do meio dia. E, ingressando na vesperal parte do tempo, a natureza dormitava, tentando adormecer, tirando uns instantes de soneca, a famosa sesta depois do almoço. Até as cores e os sons ficavam mais pálidos como se, em volta, fosse proibido fazer barulho, cabendo reprimenda àqueles temerários que, afoitos, desejassem tumultuar um momento de paz e de entrega ao deus do sono.
Tenho retornado diariamente àquela construção e vejo o avanço das obras, que evoluem na dimensão exata da eficiência, da eficácia e da efetividade.
Passei, inclusive, a ponderar que, como cidadão brasileiro eu gostaria de me orgulhar da engenharia nacional nas edificações públicas, tão mal conduzidas, pois é de domínio geral o quanto se desperdiça, o quanto se perde em dinheiro, tempo e material nas rodovias, ferrovias, refinarias e demais obras, cujos mandatários bem que poderiam inspirar-se na voluntariosa ação dos sanhaçus.
Posso intuir que, ao final do dia, aqueles sanhaçus ficam olhando para aquele seu empreendimento audaciosamente iniciado e demonstram com largo sorriso que estão orgulhosos do quanto já conquistaram, observando o seu avanço e o preciso cumprimento de um surreal organograma físico, na relação projetado/concluído, VERSUS o tempo de que estão se valendo para a sua conclusão.
E os imagino fazendo sonhos para os sonhos de amor que sonharão ao imaginar deitados nas camas do ninho tão ternamente preparado os sanhaçus-bebês que ficarão piando agradecendo a vida e as lições de vida que haverão de conhecer.
E aqueles dois sanhaçus irão me surpreender gorjeando, trinando ou cantando, ou ainda, quem sabe, indicando com o bico e com as patinhas, tentando dizer: —Fala!
Uma imitação do que Miguel Ângelo – conta-se que após esculpir o seu Moisés, ele, como um alucinado, extasiado com a obra que criara, segundo ele, a mais bela entre todas, tocou com um martelo na estátua e começou a gritar: Porque não falas? (Perché non parli?) – disse ao traduzir a sua emoção quando concluiu a escultura, sentimento igual àquela acalentada pelos sanhaçus desta minha história.
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