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Paulo Saldanha

O VACA BRABA E O VELUDO


CRÔNICAS GUAJARAMIRENSESO VACA BRABA E O VELUDO - Gente de Opinião

O Simão Salim, esse jovem de quase 80 anos, numa aparência física de apenas 79 e 360 dias, tem histórias mil a contar. Algumas delas ele me tem revelado e, por serem interessantes, pedi a ele permissão para repassar.

Uma se refere ao Apolônio da Silva, o íntegro Vaca Braba (Assista entrevista concedida em 08/09/2013, ao historiador Anísio Gorayeb; Clique AQUI).

Apolônio, antigo e fanático torcedor do Guajará Esporte Clube e incondicional fã número UM do intrépido centro avante e goleador inato, Simão Salim, que, hoje, faz golaços de bicicleta nas lides jurídicas como vencedor advogado que é.

O Vaca Braba é pessoa afável, simpática e foi, mercê do seu amplo relacionamento social, guindado à invejável profissão de policial civil, até que se aposentou.

 Jamais perdia um jogo em que o Guajará tomava parte. Até porque comandava o time campeão, o seu compadre e amigo Simão.

Uma vez, quando em serviço, adentrou numa das zonas do baixo meretrício desta Pérola do Mamoré. Ali encontrou já embriagado o Veludo, outro personagem de alma boa, gozador emérito, bon vivant e, nas horas vagas, sóbrio ou não, lutador de boxe, momentos em que faturava uns trocados, no tempo do Dezessete, Pantera Negra e Cabo Monteiro.

O Dezessete, por exemplo, naquele tempo também lutava e saía carregado em direção ao Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, desmaiado e babando.

O Veludo tinha vivido nos seringais, antes de se fixar por longo tempo nesta Pérola de antigamente.

Mas, voltemos à Zona, que era comandada pelo saudoso Antônio Pontes de Aguiar, onde os nossos personagens se encontraram. Um, a serviço, devidamente fardado, casquete na cabeça, com o cassetete na mão. Na cintura um revolver 38; o outro, abrindo um tempo à libertinagem, ao ócio e aos prazeres carnais.

Falando assim, até parece que quem escreve é um homem bem mais velho e puritano extremado...

Lá pelas tantas o Veludo ia se vangloriando das lutas que havia enfrentado, esquecendo dos nocautes “Dezessetinianos” que o vinham atingindo costumeiramente... e só contava vantagens.

Uma platéia hipnotizada ouvia-lhe credulamente as narrativas, sempre recheadas de autoelogios e vantagens que a todos comoviam, enquanto ele saboreava uma misturada, Rabo de Galo, que era em síntese da Cocal com o tradicionalíssimo Vermouth Cinzano. Mistura das boas!

E, olhando para o policial Vaca Braba, começou a provocá-lo:

–Vaquinha, minha vaquinha preferida. E mostrando, o punho esquerdo, asseverou: este aqui, o nome dele é Hospital e este é Cemitério. Nomeando os punhos, batizava-os com aqueles títulos. E, novamente, levantando o punho direito, enfatizou:

–Este, o nome dele é Cemitério.

–Desafaste-se de mim, endiabrado. Devolveu o resoluto profissional da Lei. Vá beber sua cachaça prá lá. Estou aqui a serviço da Lei.

–Mas, Vaquinha, que homem da Lei nada! Observe que este punho, o da esquerda manda direto para o Hospital

–Desaloja essa mão da minha cara, desinfeliz... Fechando cenho, o Vaca Braba afirma, quase insurgindo-se (mas se segurando) contra o Veludo, o bonachão.

–Vaquinha, mas qual dos dois murros você prefere? O que manda para o Hospital, e esfregou o punho no nariz do policial empertigado. Ou este outro, que manda direto para cemitério? Esfregando outra vez o punho no queixo do nosso já quase desesperado, por que desacatado, representante da Lei O Veludo, então, abriu um riso que se transmudou numa gargalhada, fazendo os presentes também rirem, perguntou novamente:

–O que você faz, Vaquinha?

Num átimo, o valente policial afirmou:

–Veludo dos Diabos, minha flor de formosura, eu prefiro nenhum dos dois. Para com esse negócio!  Prefiro outra solução, porque se você me atingir com o Hospital e, em seguida, com o Cemitério, eu vou caindo para trás, mas terei tempo de puxar o meu companheiro, o trezoitão, e, antes de cair eu aperto o gatilho assim: POW!  E ato continuo, ouviu-se um tiro e , em seguida, Veludo rolando pelo chão com o pé ensanguentado, gritando de dor.

–Assopra, pessoal, Assopra para passar essa queimação que estou sentindo. “Filhu” duma égua, não é que você atirou em mim, seu puto... Por que você fez isso. Eu “tava” brincando!

Em seguida, a autoridade complementou a sua missão:

–Você está preso, Veludo. Será recolhido em nome da Lei!

Foi uma correria, uma debandada das pestes, mulher desmaiando, o dono da “Pensão” proferindo impropérios, pedindo que o policial Vaca Braba se acalmasse.

Após o atendimento na emergência hospitalar, foi levado para o encontro com o sempre lembrado Capitão Alípio.

O Vaca Braba já estava calmo! E o pior é que ele estava calminho, calminho da silva. Afinal, o Vaca Braba é o Apolônio, justamente, Apolônio da Silva. Grande praça, amigo e compadre do grande Simão Salim, que me repassou essa história, cujos registros eu, para constar, lavro solenemente o fato não em ata, mas num texto que vai lido por todas aqueles que apreciarem relatos da espécie.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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