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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

O Velho Yuca Descascada e as marmitas dos bancários


 
Já disse que a infraestrutura de transportes da Cidade-Pérola (?) nos anos 50 e 60 refletia a elevada tecnologia disponível no terceiro mundo: carroças puxadas por bois e burros, carrinhos de mão e, no máximo, veículos com rodas, mas empurrados por mãos humanas.

E através desse meio muitas famílias criaram seus filhos, dando-lhes a comida que poderia faltar, a roupa imprescindível, o remédio salvador, o sapato que dignificava, a luz e a água que prometiam um início à qualidade de vida... Enfim, a dignidade que faria dispensar nos tempos de hoje a “bolsa-esmola”, conhecida como Bolsa Família.

Bem, mas para aqueles que não traduziram, a Yuca (palavra da língua castelhana) será para nós a mandioca, a famosa macaxeira, uma planta tropical que se traduz como raiz tuberosa, de cor marrom in natura e, após descascada, branca, e resume a riqueza da gastronomia amazônica principalmente (mas é encontrada em todo o nosso país), pois é apreciada desde o período pré-colombiano por sua diversificada utilização.

Com ela se produz a goma, o tucupi, a farinha seca, farinha d’água, farinha temperada, fécula ou polvilho doce e polvilho azedo. Faz-se bolo (uma delícia!), a tapioca, o beiju; come-se cozida, assada e frita.

Mas os gozadores dela se valem para tripudiar, apelidando com o nome gente da cor negra ou os extremamente branquelos que desfilam por aí

O Yuca de quem falo era desses branquelos, que quase seria um albino.

Porém, convém dizer que ele era um trabalhador sério, obstinado, altivo, merecedor de toda a confiabilidade a que fazia jus ainda jovem, por ser extremamente bem formado.

Trabalhador - já lhes disse -, se virava fazendo carretos e outros serviços menores, ganhando seus tostões mediante os encargos que lhe ofereciam recorrentemente.

Um desses “servicinhos” era prestado para as famílias da Vila Bancária – funcionários do Banco de Crédito da Borracha S/A (hoje BASA), e consistia no encargo de passar na casa de alguns daqueles servidores por volta das 11:30 h, apanhar as marmitas e as levar até o Hotel Guajará, por exemplo, onde eram abastecidas com arroz, feijão, carne, salada, macarrão, farofa ou banana frita. Cardápio caseiro e rico em proteínas. Após, voltava para a entrega da comida nas residências contratantes.

Encargos esses que acabou realizando por quase toda a sua vida, até que envelheceu. Nessa fase é que começou a aprontar das suas. Já não falava coisa com coisa. E era encontrado falando sozinho.

E o Yuca ia e vinha, mas costumeiramente parava ali na esquina da Avenida Costa Marques com a Marechal Deodoro, quadra do então Hospital Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, hoje Hospital Regional, em diagonal com o Simon Bolívar. E ali, sentado na beirada da calçada, ele se fartava...

Abria um recipiente e dele, com as mãos sujas, retirava parte das bananas fritas. Do seguinte, pedaços dos bifes; do outro, nacos de arroz e macarrão. Limpava a boca, após montar, sempre com as mãos do jeito que vinha, os produtos colocados na marmita, para não dar pista de que aquelas tinham sido violadas.

Mas, um dia, ele foi surpreendido!... E perdeu a oportunidade conseguida.

Fico a pensar no montão de toxinas microbianas, bactérias, protozoários, vírus e fungos que eram transferidos para aquela comida a ser servida no recesso do lar dos bancários, por conta da falta de higiene do carregador de marmitas.

Ora, sabe-se que uma contaminação poderá ocorrer via transferência de microorganismos, inclusive pelas mãos do manipulador. E, na rua, o Yuca Descascada não lavava as mãos para pegar na comida pronta, e aquelas mãos vinham da lida diária, faina que não lhe proporcionava tempo para procedimentos higienizados, por certo desconhecidos do velho Yuca.

O hipoclorito de sódio não lhe era conhecido por certo, e nem em casa ele teria esses cuidados que pudessem levá-lo a lavar as mãos antes das refeições. Mas o questionável era que o Yuca vinha fazendo um pequeno furto, o que já seria grave, considerando o grau de confiança com que era identificado pelos amigos e clientes.

Só não sei o que seria pior: transferir doenças ou surrupiar a comida dos ingênuos bancários que tanto elogiavam o velho Yuca Descascada, já cansado da guerra na sua danada vida terrena...
 

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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