Quinta-feira, 11 de junho de 2015 - 09h07
Vale sempre à pena repetir Voltaire: "O trabalho afastade nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade."
Em razão do que é imperioso contar parte das histórias de vida do velho Juca e do velho Roque. Dois trabalhadores que, aposentados, montaram, cada um, o seu carrinho de refrescos. Um, vivente em Guajará-Mirim; o outro, morador de Porto Velho. A uni-los uma aposentadoria reles que os levou novamente à labuta, porém como vendedores de rala-rala.
O Juca era de altura mediana. Magro e jovial. Vivia numa esquina entre a XV de Novembro e Avenida Manoel Murtinho, com a mulher, os filhos (locutor com voz de Alberto Roberto), o Quinquin, atleta do Guajará Esporte Clube e a Francisca, casada com o telegrafista Bartolomeu, cuja residência era ao lado.
O nosso velhinho, homem do bem, cumprimentava adultos e crianças sempre com um bom dia otimista e reverencial, enquanto empurrava o seu carrinho no rumo da Praça Mário Correa, fixando diariamente “o seu empreendimento” bem na confluência das Avenidas XV de Novembro com Costa Marques, em frente da Igrejinha, sob a frondosa sombra de um benjamim.
O Roque, um barbadiano alto, de porte longilíneo, quando, en passant, o conheci na cidade de Porto Velho poderia estar próximo dos 80 anos. Negro, de cabelos brancos, foi trabalhador da ferrovia Madeira-Mamoré. Seu carrinho revestido de um material (seria alumínio?), tinha um suporte, a exemplo do equipamento do velho Juca, onde ficavam depositadas as garrafas, fechadas com cortiça onde expunham os sabores de cupuaçu, maracujá, jenipapo, cajá, groselha, entre outros. O comerciante de Guajará-Mirim servia inclusive Menta.
Os dois velhinhos dispunham, ainda, de uma plaina (dessas de alisar a madeira) e um espaço onde o gelo era acondicionado, envolvido numa manta de serrapilha, fechada imediatamente após ser o gelo ralado, visando evitar o seu rápido derretimento.
Um amigo muito querido me garantiu que, ali na capital do Território, os meninos provocavam o velho Roque assim:
–“seu” Roque, de que é o refresco?
–É de “cupiçu”! Dizia ele com aquele sotaque brasi-guapo-barbadiano.
E outros se revezavam na indigesta pergunta, levando o “rala-ralatista” a improvisar uma impaciência verbal não aceita pelos moralistas, em sociedade ou fora dela:
–“É do C... di Mãe”!
O “seu” Roque era visto desfilando com o seu carrinho desde a sua casa ali próximo a sede do Bancrévea Clube (hoje Colégio Classe A), indo até o Cai N’Água, onde estava a fábrica de gelo, depois transitava pelo Caiari e ruas do entorno.
Também em comum com o micro empreendedor Juca, de Guajará-Mirim, destacava-se a ausência de higiene maior na obrigação de lavar os copos, que eram mergulhados numa bacia, chacoalhados após o consumo do cliente de plantão e disponibilizados para o próximo, sem desinfecção alguma. E a mesma mão que pegava no gelo e o mexia no recipiente era a mesma que recebia os cruzeiros, moedas e tostões.
Aqui uma pequena pesquisa me revelou a que limites o dinheiro contaminado poderá elevar-se, posto o repasse de “Bactérias que causam infecções como terçóis, faringites, otites, acnes, furúnculos e micoses. Se, ao manipular um dinheiro infectado e colocar a mão na boca as pessoas poderão contrair outras doenças, até porque esses “mal elementos” poderão penetrar na corrente sanguínea”. (Fonte: Professor João Carlos Tórtora-Saude.com.br).
A minha geração adquiriu uma resistência extra, por conta da contaminação de bactérias, fungos e parasitas, pois estamos vivos até agora, como sobreviventes de uma época em que grassavam doenças hoje extintas, mas, em compensação vemos outras surgirem a nos espreitar de forma sutil, macabra, felina, sagaz e, muitas delas, fatais...
Um dia meu pai, então administrador do Hospital Nossa Senhora do perpétuo Socorro (hoje regional), sem querer, acompanhou um homem diagnosticado com tuberculose sair do nosocômio em direção ao centro e passando pelo carrinho do velho Juca observou-o consumir um copo de rala-rala. Resultado, em casa fomos proibidos de elevar cânticos ao produto, seja aqueles do bom velhinho, seja lá na Bolívia.
Depois foi a vez de ser o seu amigo Juca alertado com a recomendação de que buscasse melhor higienização dos copos e colheres.
Imagino o compromisso desses meus dois personagens que, após 30, 35 ou 40 anos de contribuição à Previdência Pública tiveram que se socorrer de outra atividade para colocar mais dinheiro em casa, já idosos, demonstrando garra e responsabilidade com o foco em não passar dificuldades, haja vista a verdade que aos meus olhos se expande: "O trabalho afastade nós três grandes males: o tédio, o vício e a necessidade."
Curvo-me, pois ao Voltaire! E presto a minha genuflexão aos dois velhinhos Juca e Roque. Que estão descansando em paz!
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