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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

OUTRAS MENTIRAS QUE OUVI CONTAR


         Quando eu me preparava para despejar, com a veemência dos transtornados, de pronto, a minha “verdade” para o desafiante Temides, eis que descobri que, cedo, bem cedo, ele fugiu da disputa encafurnado no seu carro.

Sem a possibilidade de réplica e tréplica, ante a ausência de parceiro, nem por isso deixarei de contar mais um caso “veramente” acontecido nas terras do meu avô, cearense de Baturité.

         Lá ele se alegrava com as corridas de cavalo, contendas que aconteciam sempre aos sábados, pois a sua fazenda possuía uma pista com 1200 metros, plana, terra branca, tão branca, que concorria para que os reflexos do sol abrasador naquele solo claro, claríssimo como a lágrima magoassem as meninas dos olhos dos incautos.

         Como disse, aos sábados já estava sacramentado: os fazendeiros da redondeza caminhavam para a Fazenda Uricury, de propriedade do pai do meu pai, posto as disputas envolvendo as corridas dos cavalos de toda a região.

Apostas eram feitas, gritos proferidos, incentivos externados para que a velocidade dos animais beneficiasse a vitória daqueles apostadores emergentes.

         Mas qual nada! Sempre, necessariamente sempre, as maiores conquistas favoreciam o dono do “precioso”, o sábio, inteligente, perspicaz, atento e valoroso cavalo do meu tinhoso avô. Apostas que lhe rendiam bons dividendos financeiros, tanto que parte deles ele investia na sagrada ração do seu animal de estimação. Além de milho, tipo especial, porções de farelo de trigo lhe eram destinadas, ora com mel de abelha, ora com leite condensado.

“Precioso” lambia os beiços!

         Após o páreo, tendo-o como cavalo vencedor, “Precioso” merecia, além do banho liturgicamente encomendado, com direito à massagem relaxante, uma ração farta e nutrida, após o que, na calada da noite lhe seria franqueada uma companhia amorosa de égua que sabidamente estivesse no cio. O plantel de éguas na Fazenda Uricury era do primeiro time.

         Uma troca de olhares, antes da corrida seria uma promessa, por exemplo, de “Bromélia”, a potra mangalarga mais namoradeira do pedaço, adquirida pelo genitor do meu pai para o caso de “Precioso” ganhar e, assim, merecer como prêmio aquela novidade...

         Disse-lhes que “Precioso” –alta-estima elevada, quase exagerada, se enxergava como inteligente e sábio– até parecia que se via como galante, poderoso e garboso, pois seu porte vaidoso lembrava o caminhar dos seres humanos arrogantes que se acham melhores e acima dos demais.

         Vaidade dos abestados, que um dia lhe será cobrada...

         Acontece que lá pelas tantas chega a notícia de que um fazendeiro do Rio Grande do Norte, apelidado de Paçoquinha, destilando o veneno da soberba, espalhou que iria para o  Baturité desafiar o cavalo do Major  Guerreiro.

                   –Pois que venha! “Precioso” dará uma surra no velhaco do cavalo desse Paçoquinha, que ele verterá sangue pelas ventas e não fará as necessidades por 7 dias.

         E, no leva e trás, o recado, a resposta de Paçoquinha chegou aos ouvidos do dono do “Precioso”. Sua primeira decepção naquele dia.

                   –Esse meu cavalo já ouviu falar do afeminado potro desse Majorzinho. E está resolutamente envolvido pela idéia de humilhá-lo. Era Paçoquinha, vestido de preto, botas e chapéu também da mesma cor. Uma imitação de um legendário cowboy. No pescoço dele, um lenço extravagante, tipo Roy Rogers.

                   –Pois que venha! Humilhação quem terá será ele! Depois, afeminado não é apenas o potro dele; é ele também, o dono do animal, o genitor e o pai da genitora! Disse, encerrando o papo, de forma curta e grossa.

         Consta que meu avô nem quis receber o desafiante. Franziu a testa naquele sábado cuja tarde prometia emoções, surpresas e alegrias... Mas, decepções também fariam parte do cardápio a ser servido.

         Uma multidão veio das terras potiguares. No entorno das serras do Baturité muitos faziam apostas e declaravam a preferência ora para um, ora para outro cavalo.

         A segunda decepção chegou aos ouvidos do meu avô quando ele descobriu que o seu compadre Claudionor Mão-de-Paca apostara no cavalo adversário.

         Horário para o início da corrida. Cavalos a postos. Um olhava com gana fratricida para o outro. “Silver”, o animal do Paçoquinha estava saltitante, desejando arrancar!

“Precioso”, macambúzio, sorumbático, pensava no páreo e estava tenso! Dava asas a sua imaginação e se programava com vistas à vitória. Com seus botões, ele traçava a estratégia que deveria manter com foco no ritmo acelerado desde logo. Buscaria, de saída, alcançar, pelo menos, uns 64 Km por hora. Até pensou, quando olhou melhor para o seu competidor, que se Maradona ou outro argentino estivessem ali bem que poderiam dar uma água “batizada” para o endiabrado adversário...

         Começa a corrida! Corpo com corpo, pescoço com pescoço, cabeça com cabeça. “Precioso” já antevia um empate. Pensou: a faixa final está se aproximando. Tem fotógrafo ali instalado. Esse cavalo é dos bons!

         No exato momento em que iriam ultrapassar a faixa de chegada, devidamente empatados, eis que “Precioso”, pensando rápido, olhou de lado; todavia, sagaz, inteligente e sábio, deu língua para o fotógrafo. Detalhe importante: a língua de fora fez a diferença, pois, assim, ganhou a corrida, mais uma vez!

         Um fotógrafo registrou aquele exato instante. Prova irrefutável! Com o órgão muscular avermelhado da boca, de fora, o bicho inteligente ofereceu mais uma grande vitória ao seu dono.

         Mas, meu avô, entre alegre e magoado, pois tinham chamado o seu cavalo de afrescalhado, nem quis apertar a mão do Paçoquinha... e foi contar o dinheiro ganho com as apostas.

         Mas, seu compadre Claudionor Mão-de-Paca recebeu o banimento temporário daquela fazenda.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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