Quarta-feira, 29 de maio de 2013 - 07h03
Por falta de outras opções os jovens de Guajará, com potencial, escolhiam trabalhar ou nas Lojas Pernambucanas, no Serviço de Navegação do Guaporé, EFMM, Exército ou na Prefeitura Municipal. Ora, ingressavam como Coveiro Nível 7, Marinheiro Nível 7 ou Zelador de Cemitério, mas desempenhavam funções bem mais qualificadas, consequência do curso ginasial já concluído e/ou iniciado o curso de Contador, na Escola Técnica de Comércio, no secundo grau.
O Lourival Diniz, por exemplo, foi Marinheiro nível 7, (ele diria naquele sotaque adquirido em Black Stone: Marinheiro Nível “SETI”), o Carlos Teixeira, Presidente do Centro Estudantil, Coveiro nível 7 e o Paulo Cruz Rodrigues, Zelador de Cemitério.
Ocorre que o Paulinho Cruz, por conta do seu talento, tornou-se Auxiliar da Secretária da Prefeitura, minha tia Anúsia Saldanha Guerreiro, segundo ele, sua grande Mestra, a quem substituía nas férias. Algumas vezes, na qualidade de Zelador de Cemitério, foi Prefeito Municipal temporário (de fato). Porém, jamais exerceu as elevadas funções para as quais fora nomeado (de direito). E, anos depois brilhou no firmamento tupiniquim como vitorioso executivo de banco e competente advogado.
Já imaginei o Paulo Cruz ingressando à noite no Cemitério Santa Cruz para surpreender o Carlos Teixeira, Coveiro, eventualmente dormindo em cima de um jazigo, após abrir os 7 palmos de uma sepultura, exausto e infeliz com a triste, mas virtual sina: a angústia do Paulo, o seu medo e as pernas trêmulas assustariam as almas penadas por ventura vagando a esmo no lugar. Naquele tempo era tão corajoso quanto o Lourival Diniz...
O Diniz, ao tempo em que fez carreira no BASA, concluiu o Curso de Direito, revelando-se como advogado. O Carlos Teixeira é professor Universitário em São Paulo, doutor em Antropologia e exerce o magistério na PUC. Não é preciso nascer em Nova York para ser vencedor!
Assim como eu, o Paulo Cruz é saudosista. Lembro-me das serenatas que a nossa turma fazia numa Guajará-Mirim boêmia e romântica. Vale repetir: jamais esquecerei a fria madrugada, temperatura em torno dos 14 graus e, lá no alto, a lua se fatiava toda ao tentar com o seu foco furar a neblina que caia.
O nosso grupinho escoltando um litro de batida de maracujá, profissionalmente feita por Dom Diniz, percorria as ruas sem pavimentação, esburacadas e enlameadas de nossa hoje saudosa maloca maior.
O violão, transportado com zelo, era com maestria dedilhado pelo músico e cantor principal, o Rubens Pinheiro. Mas, o Paulo Cruz, que se tornou um adulto bem alto, fora elevado pelos colegas à posição de excelente trovador. Na infância teve o apelido de Paulo Tamborete até que o esqueleto resolveu encompridar.
O Paulinho menino ganhou firmeza na voz e se transformou no jovem bonito e disputado por parte da meninada local e até de Porto Velho, capital onde morou.
Ninguém cantou a música “Maria Elena”, por exemplo, tão bem quanto ele! A nossa Maria Elena daquele tempo começava assim: “Um dia Maria Elena triste morena me procurou. Veio saber se eu sabia daquele amor que foi seu um dia. Não chore Maria Elenacheio de pena lhe respondi:...”
Mas aquele jovem, dono de uma simpatia irradiante resolveu trabalhar aos 16 anos e até aceitou ser Zelador de Cemitério Nível 7, apenas para ingressar na Prefeitura Municipal, em que pese nunca ter supervisionado o sepultamento de alguém, ou em que condições o espaço também conhecido como campo santo (?) se encontrava, de vez que seus conhecimentos intelectuais já o credenciavam a trabalhar na área burocrática da administração pública. Escrevia bem o danado!
Um dia prestou concurso para o BASA e para o Banco do Brasil. Passou nos dois. Como o Banco do Brasil o convocou primeiro foi, em Porto Velho, da equipe do Satélite. O BASA depois o fez ficar indeciso. Sair do Banco maior para o menor, que pagava salários mais elevados era desafiador... Acabou optando pelo BASA. Deve ter-se arrependido apesar da brilhante carreira que ali realizou.
O meu Xará seresteiro é dono de um papo inteligente e motivador. Detentor de uma cultura geral é ótimo interlocutor. Esse Paulo é companheiro de fé, pedra 90, não nega fogo e não tem vergonha de sentir saudades.
Interessante que o Paulo Cruz sempre foi bom filho, dai o carinho que Dona Dionéia lhe dispensava, sem deixar de ninar os demais irmãos Rubens e Marlene. Era Deus no céu e a sua generosa Mãe, na terra.
Todavia, as saudades maiores do pai, também Paulo, ele só as ampliava quando estava “bem calibrado”, ao lado dos seus companheiros de farra, que também ébrios, choravam ao ouvir-lhes as histórias e as lembranças paternais, tão bem descritas, na sua maneira emocionada de conduzir as narrativas.
E o choro dos “bebinhos” do dia só terminava ou num dos bancos da Praça Mário Correia ou na varanda da residência do meu tio João Saldanha, quando era chegada a hora da Ave-Maria, sinalizada pelo sino da igrejinha. Uma última talagada neutralizava as emoções do dia!
O Paulo Cruz de quem falo é o amiguinho de fé! Nos anos sessenta, o seresteiro tão maior quanto o Rubens Pinheiro; o mesmo Paulo Tamborete, o líder estudantil questionador e inquieto, o conselheiro racional, em face da cultura geral e das vivências construídas e do elevado nível de consciência política que a sua personalidade tão forte enfeixa.
Paulo Cruz que tem o nome do apóstolo e, no sobrenome, a cruz que liberta e amaina os sofrimentos, minorando as dores dos seus amiguinhos de infância de juventude, seus irmãos, seus camaradas. Desse garoto eu sinto saudade! Saudade Nível 1000!
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