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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

SOB A JURISDIÇÃO DA COREIA E SIBÉRIA, SOB A OBSERVAÇÃO DO BOCA NEGRA



CRÔNICAS GUAJARAMIRENSES

SOB A JURISDIÇÃO DA COREIA E SIBÉRIA, SOB A OBSERVAÇÃO DO BOCA NEGRA


Paulo Cordeiro Saldanha*


É isto mesmo: a Coréia e a Sibéria causavam impactos socioeconômicos (alguns positivos, outros nem tanto), aqui nesta fronteira. Ao Norte, a Coréia; ao Centro, a Sibéria. Ambas com suas estrelas maiores a gerar preocupações na vigilante e conservadora sociedade guajaramirense.

 Poder-se-ia dizer que lá se cumpria relevante papel social; poder-se-ia afirmar que lá a população terrestre tendia a se expandir e que o nível de empregos disfarçados ou não; subempregos ou tivessem os nomes que tivessem, eram concebidos. Ali, parte da riqueza nacional, neste então ermo sertão, era distribuída, a partir das trocas realizadas. Nos dias seguintes a Loja Pernambucana aumentava o seu faturamento. Tecidos e mais tecidos eram transformados em pacotes e as costureiras ampliavam os seus ganhos.

Ao derredor de um poste e de outros, alguém vendia cafezinho, pasteis ou churrasquinho. Ali adiante um bar servia goles e goles de cachaça, visando a dar a coragem necessária para que um tímido de plantão pudesse adentrar e se insinuar para uma dama; da Noite, mas será sempre uma dama.

Depois das nove horas, as vitrolas daqueles ambientes enchiam de sons musicais o salão e alguns versados deslizavam na pista demonstrando a sua habilidade de dançarino; ou serviam de gozação para aqueles que ficavam sentados ao redor de uma mesa coberta por uma toalha vermelha.

Às vezes, havia até um grupo musical que dava vivas a uma aniversariante que desejasse demonstrar o seu poder como integrante de uma confraria de beldades, que viviam à margem da sociedade, ali tantas e tantas vezes representada por respeitáveis chefes de famílias, poderosos comerciantes ou seringalistas que mantinham suas teúdas e manteúdas, com relativo conforto, porém dividindo-as com os mancebos bonitos, mas duros, duros “de marre de si...”

Algumas proprietárias de salão, como a Ozita desfrutavam de raro prestígio, guardiã de um seleto grupo de meninas que embelezavam o seu negócio, com tanto charme e veneno.

Ali, segredos eram partilhados, com a cumplicidade da Ozita, às vezes num reservado - quando o tema transitava por tratativas políticas, notadamente quando algum nome poderia ser indicado ou queimado para eventual cargo público.

A cerveja Pilsen, que fazia a língua ficar embrulhada, noutra ponta liberava para as inconfidências até então tão bem guardadas. No seu quarto a Ozita estocava bebidas mais finas, inclusive whisky Cavalo Branco, sonho de consumo de tantos poderosos, embora nem fosse escocês de primeiro time.

A Ozita vivia mais ou menos na metade da Quadra onde funcionou depois o Açúcar Pérola, na Sibéria, Avenida Benjamin Constant, à esquerda para quem caminha em direção à Praia do Acácio.

Um dia, durante a tarde, freqüentadores habituais sorviam uma Pilsen, quando duas senhoras adentram de forma violenta e, batendo nos seus maridos, colocaram-nos para fora daquele “antro de perdição”. Copos foram lançados, mesas viradas e cadeiras quebradas. E os dois, humilhados, foram saindo de mansinho, escoltados pelas “megeras”, mas pudicas esposas. Quando já estavam longe, um homem branco, sotaque boliviano, dando uma de macho, desafia:

–Comigo, não! Minha mulher poderia até vir aqui, mas jamais adentrará no recinto porque conhece o seu lugar, mas admitindo que poderia vir, jamais ultrapassaria a “puerta”; de forma carinhosa me diria: –Benhê, não estará na hora de você regressar ao seu sacrossanto lar? E eu olharia antes para o meu relógio Mido Ocean Star, iria até a “puerta”, lascava-lhe um “beso” na testa e abraçando-a, depois de pagar mi “cuenta”, sairiamos na minha lambretta, em direção ao recesso de nosso tão bem formado lar.

Ele ainda estava na frase “tão bem formado lar”, quando a esposa enfurecida grita pelo seu nome e o busca através da gola da camisa, de forma descontrolada. Ela não ficara na “puerta” e foi batendo, batendo, batendo no infeliz, que, na rua, não conseguia sequer fazer a sua lambretta funcionar.

Os ainda remanescentes visitantes da Ozita ficaram rindo da situação e se apressaram em abdicar da farra que prometia, pois a cidade já sabia quem seriam os freqüentadores na tarde daquela fatídica sexta-feira treze.

Noutra ocasião, no local tido por Três Estrelas, No Boca Negra, um grupo de homens apenas se divertia num sábado,apenas bebendo, sem quaisquer outras intenções, enquanto numa das residências se preparava um lauto almoço em homenagem a digno guajaramirense que retornava à terra, em missão profissional. Porém o horário passou despercebido e aqueles homens não apareceram para o almoço na hora aprazada.  Em função da alegria que no ambiente reinava, ninguém queria deixar de cantar uma música, enquanto o Valderes do Banco do Brasil, de cueca samba-canção, dançando com uma seminua em cima de uma mesa, extasiava a plateia. Foi ai que uma das esposas descobriu o automóvel estacionado em frente do Três Estrelas e da janela, chamou o maridão. Este se arrepiou todo e tremeu!

–Benhê, eu estou somente animando...

–Aguardo vocês lá em casa - e se afastou, decepcionada e trêmula. O susto foi tamanho que teve gente vestindo a calça ao contrário, a “braguilha” ficou olhando para o bumbum; outros calçaram as meias deixando o calcanhar para o dorso dos pés. Foi um Deus nos acuda, sem que maiores conseqüências tenham advindo, a não ser o constrangimento gerado.

Até hoje esse personagem não tolera ser chamado de Caboclo Animador. Mas, ele não estava somente animando?
 

* Membro fundador da Academia Guajaramirense de Letras-AGL e Membro Efetivo da Academia de Letras de Rondônia-ACLER

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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