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Gente de Opinião

Paulo Saldanha

Todos a celebraram, menos Ele



Assistindo a novela Totalmente Demais, da Globo, vejo a personagem da Cassandra (Juliana Paiva) e lembrei-me de uma história passada aqui na cidade nos anos 60. O fato se traduzia na frivolidade de uma jovem que esqueceu de valorizar o estudo, olvidando-se de que, na realidade, a velhice, inexoravelmente, chegará para todos... E ai a previdência, a generosidade, o crescimento espiritual, via informação formal deixaram de ser trabalhados na sua mente distorcida.

Destaque para a verdade que aos meus olhos se expande: mais vale uma vida simplória do que uma existência falaz, falsa, enganosa, poluída por mentiras e pelo egoísmo, como aconteceu na vivência de uma história que não aconteceu entre dois jovens fronteiriços.

Frederico era tímido, mas seus talentos passavam pela música, basquete, voleibol e futebol. Poderia ser dito que era um rapaz moderno, bem apessoado e simpático.

Um dia apaixonou-se por uma moça, espevitada, frívola, dona de estonteante beleza. Na festa do Havaí, numa atitude forçada, após ingerir duas talagadas de um whisky de segunda, ganhou coragem e se declarou para ela.

–Nem sim, nem não! Disse-lhe a moça. Você é pobre! Tenho simpatia por você, mas sou muita nova e não desejo amarras. Preciso curtir a vida e um compromisso agora não está nos meus planos. E o deixou sem ação, no centro do salão. Ela, sorrindo, foi desfilar a sua beleza dançando com outro pretendente.

Narcisa, que amava Frederico, em silêncio, acompanhava aquela dança, com um ciúme enervante. Decepcionado, Frederico foi ao bar e bebeu e bebeu até ser retirado do cenário por um parente. Enquanto isso a amada era disputada por todos, que a corrompiam com elogios e a rodopiavam com os guizos falsos da bajulação, na tentativa de colher seus favores, sempre negados. Conservava íntegro o símbolo da pureza feminina.

E, de celebração em celebração, de flerte em flerte, a sua paixão, Frederico a viu fugir entre os dedos do seu apaixonado coração.

Seu desempenho nas quadras e nas canchas caiu tremendamente. E foi decepcionando-se com a conduta nada coerente daquela que foi o primeiro amor de sua vida...

Na cidade muitos e muitos decantavam a beleza inconfundível de Elizabeth, esse era o seu nome. Todos a festejavam, só Frederico ia repudiando-a. E ela já nem o olhava mais...

Ela, pensando que a sua beleza seria eterna, desistiu dos estudos e foi abrindo a guarda...

Até que sequiosa de novas emoções aceitou a corte de um ricaço e se amasiou com ele. Partiu para outras terras. Decepção profunda! Frederico envergonhava-se daquela paixão, posto que, de eleita como sua deusa, a enxergava agora como uma vendida.

Ela sempre visitava a cidade, vestidos e sapatos da moda, óculos estrangeiros, cabelos caprichados, unhas pintadas, maquiagem sempre perfeita...

Um Padre amigo e mestre o chamou a razão, exigindo que partisse o rapaz, seu pupilo, para um novo rumo na sua existência, orientando-o a continuar os estudos, com o foco no bacharelato, reflexão que levou a bom termo, tanto que anos depois dois galardões o premiaram: o de administrador de Empresas e economista. Tornara-se um vencedor.

Narcisa, sonegada de sentimento pelo homem que idolatrara, que não recebia as suas mensagens, um dia optou pelo celibato e casou-se com a Santa Madre Igreja, internando-se num convento.

E todos celebravam Elizabeth! Menos Frederico, que já se casara, construindo uma família linda, dois filhos e esposa dedicada e linda. Só ele não a festejava mais.

Ele tornara-se executivo renomado, obtivera o mestrado em Economia e doutorou-se e pos-doutorou-se. Carreira brilhante, rendimentos invejáveis, em dólares.

Nesse ínterim Elizabeth já não era aquela flor de formosura. O ricaço a dispensara e ela salteava de galho em galho, diminuindo-se, perdendo o valor tão elevado de outrora.

Um dia, vitimou-se profundamente e adoeceu, ficou tísica e sua pele, antes tão alva, ficou manchada e enrugada, corpo magro, quase esquelético.

Aquele povo que a enaltecia foi esquecendo-se dela, que retornara para a pequena cidade e vivia de favores, morrendo pouco a pouco.

Lá pelas tantas, Frederico, fazendo uma viagem especialmente idealizada trouxe a família e visitou o local de origem. Fez palestra, visitou amigos de infância e recebeu homenagens. O velho Padre, seu grande Mestre já não vivia mais. Afagando as saudades chegou à Igrejinha e isolando-se ficou num dos bancos bem atrás.

E eis que, de um dos degraus do altar onde estava ajoelhada, sai uma mulher com um véu puído, roupa surrada e seus olhos se encontraram. Frederico não a reconheceu e ela despindo-se da antiga arrogância, o cumprimentou com a cabeça e saiu de fininho... e, ante o não reconhecimento daquele rapaz que a olhou mas não a viu, ela petrificou-se até que lágrimas rolaram e Elizabeth chorou... chorou...

Um clarão, todavia, surgiu no privilegiado cérebro de Frederico que, passados uns instantes, dela lembrou-se, porém aquela mulher apressando os passos sumiu dos olhos dele, mas já estava de novo eternizada nas lembranças daquele homem que, há 25 anos, a idealizou como a mulher da sua vida.

Trilharam linhas paralelas, jamais se encontrariam.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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