Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Paulo Saldanha

Tributo ao Geraldo Mendonça da Silva



O Mendonça não deve lembrar-se de mim, mas dele guardo uma recordação especial. Homem relativamente alto, magro e bonachão. Cearense dos bons, está ali. 

Para Guajará-Mirim veio ainda 1943, por conta da guerra inventada por uns, lá na velha Europa. Navios brasileiros afundados, na costa nordestina, em tese, pelos submarinos alemães. Os mais afoitos diziam que foram submarinos americanos que fizeram naufragar nossas naus e, depois, exibiam a bandeira alemã, demonstrando que aqueles malucos sob o comando de Hitler, tinham causado aquele estrago todo. Mas derrotar o Nazi-Facismo era imperioso! O certo é que acabamos por entrar naquela guerra. Mas, para vencê-la os soldados da borracha, deveriam escrever outra página de heroísmo nesta Amazônia tão inóspita, de então. 

Ai o Mendonça aportou nestas paragens. Moço ainda e um mundo de simpatia irradiante que conseguia espraiar ao seu derredor. 

Palmilhou, passo a passo, as estradas abertas em alguns seringais. No primeiro ano, o seu saldo fora pequeno. No segundo fabrico saiu-se melhor. Aquela vida era doida demais para ele. Acabou sucumbindo à vida na cidade, onde trabalhou noutra atividade. Até que aprendeu a arte da fotografia. E se tornou durante um tempo, no único fotógrafo da cidade. Mais tarde o Blazon, de origem boliviana, também montou o seu laboratório e o seu stúdio. 

Até que um dia, o Mendonça, qual visionário, resolveu implantar uma rádio, cujo raio de ação circunscrevia-se aos limites da cidade. A Rádio Parecis chegava ali na serra. Depois o sinal ia embora. Mas a Rádio Parecis, ainda que de forma clandestina, entrou no ar. Naquele tempo, o Dentel já estava criado, mas a Rádio Parecís, não o procurou para regularizar-se. 

O seu stúdio ficava ali na Costa Marques ao lado da casa do Miguel Ortiz, o Cônsul e poeta, Pai da Nat e da Ana Glória, ao lado do Guajará Clube, entre a atual Loja Facilar. Na frente, passou a funcionar a Rádio, com o seu stúdio à prova de sons externos, um pouco mais atrás. 

Mas a programação mexia com o consciente e com o inconsciente da cidade. Seus programas, desafiando a tecnologia disponível, tinha a interação com os seus ouvintes, através dos telefones. 

O Waldemar Bouquet de Melodia, com o seu vozeirão; o José Bezerra, o Ivan Favacho, o Gilson Gomes (já falecido) com as suas irradiantes simpatias iam comovendo os ouvintes, alegrando-os e lhes ofertando os sucessos musicais do momento. 

Os patrocinadores dos programas, sempre os comerciantes locais, iam pagando as inserções com os produtos que revendiam e, assim, o Mendonça, sempre tão generoso, presenteava um ouvinte, por ventura necessitado, com um sapato, com uma roupa ou até com uma cesta básica. 

Sempre desapegado ao vil metal, o Mendonça fazia da rádio o exercício da solidariedade e da fraternidade. Não extraia lucro algum, através daquele veículo. Seus locutores e animadores dos programas, certamente, seguiam-lhe o exemplo e trabalhavam pelo amor à profissão. 

O interessante é que a Rádio Parecis foi inovando e até programas de auditório fez implantar nas manhãs de domingo. Os artistas mirins ou os talentos emergentes recebiam prêmios e presentes em forma de incentivo. 

Até que um dia, uma denúncia para Brasília tirou do ar a Rádio Parecis, quando o Mendonça já se preparava para a sua regularização e, após adquirir um moderno transmissor novo em folha, com o qual coroaria aquele sonho de ofertar à cidade com a segunda rádio a ultrapassar as fronteiras do município. Naquele tempo, a Rádio Educadora de Guajará-Mirim, já tinha o seu sinal tão forte levando o seu Prefixo para fora das fronteiras do nosso país, em direção até da África. Outro exemplo de ousadia, visão de futuro e compromisso social que a Prelazia de Guajará, através do padre Bendoraitis e de Dom Rey distribuíam aos homens do seu tempo. 

O Geraldo Mendonça está ai, do alto dos seus 87 anos, com a sua família estruturada, já velhinho, sem dúvida, recordando daqueles tempos quando o romantismo a todos envolvia e que, através da Rádio por ele implantada, podia fomentar alegria, entretenimento e lazer aquecendo os corações daqueles que, detendo uma sensibilidade, valorizavam aqueles momentos em que as músicas eram levadas para os ouvintes como um ofertório da arte que era concebida, a partir dos sons transmitidos pelas ondas da briosa Rádio Parecis. 

Fonte: Paulo Saldanha

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão

O M que lembra a palavra Mãe é o mesmo M que, conforme o Cantador nos ensina: é onde na palma de nossa mão principia o nome Maria.M que se une a ou

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!

Azul, o nosso céu é sempre azul... Diz uma estrofe do Hino de Rondônia. Será?Bem antes do nosso “Sob Os Céus de Rondônia”, tentaram nos ensinar que:

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Crônicas guajaramirenses - Por quê?

Por quê os prédios públicos são tratados pelos homens e mulheres do meu tempo com tamanha indolência? Preguiça, ou será má vontade?Por quê o edifíc

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas

Sempre me comovo ao observar o encontro das águas, que, no caso rondoniense, são os beijos gelados entre os rios Guaporé e Mamoré e deste com o rio

Gente de Opinião Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)