Sexta-feira, 16 de outubro de 2009 - 11h50
Nos anos 60 o Cabo Monteiro passou a servir na Sexta Companhia de Fronteira. Moreno, relativamente alto e forte, era uma pessoa simpática e esportista, praticava o boxe como hobby. Era considerado brioso profissional e cumpria religiosamente as suas funções militares, daí a consideração e o respeito de seus pares e superiores.
O Monteiro sempre era convidado para as lutas de boxe, que, algumas vezes, eram realizadas no Cine Guarany, cujas sessões de cinema eram suspensas, quando o espaço era alugado para esse tipo de evento. Porém, muitas das vezes, aqueles embates aconteciam nos domingos e feriados, na parte da manhã. Não me recordo se eventualmente algumas lutas aconteciam também no Cine Melhem. O certo é que o Monteiro quase sempre se saía bem.
Recordo, inclusive, que, naquele tempo surgiu a possibilidade do Tenente Fernando encontrar-se vivo, morando como índio (era o informe) numa das tribos que transitavam nos contrafortes das Serras do Pacaas Novos. Uma euforia tomou conta dos habitantes de Rondônia, radicados em Porto Velho e Guajará-Mirim, os dois municípios então existentes.
Até o Coronel Aluízio Ferreira respirou aliviado. E tinha um justo motivo para tanto. É que o Tenente Fernando Oliveira desaparecera, em 1945, sem deixar vestígios, entre os Kms 40 e 50, num trecho que era conhecido como São Pedro, em direção ao hoje município de Ariquemes; chegaram a atribuir esse sumiço a gestões daquele líder político. Certamente o velho coronel nada teve a ver com aquela história, muito menos o Enio Pinheiro (anos depois nosso Governador), então comandante do destacamento que construía o embrião da rodovia que iria demandar a Cuiabá, e que posteriormente alguém denominaria de BR-364. Os adversários do Aluízio destilavam que o motivo para o sumiço do Tenente Fernando decorria do fato de se ter aproximado de uma dama bastante charmosa, porém, sob a “proteção” do carismático líder; outros transmitiam a idéia de que o Tenente teria sido eliminado em face da ameaça de denúncia que vinha fazendo, porque uns equipamentos enormes que seriam utilizados na construção da rodovia tinham permanecido no Pará, (tidos como embarcados em direção ao rio Madeira), jamais chegaram a Porto Velho, consoante o previsto.
O certo é que o Cabo Monteiro, seguindo ordens do então Comandante da companhia, era o líder de um destacamento que saíra a procura dos sinais, dos vestígios que poderiam significar o retorno do tenente Fernando ao convívio com os brancos. O Cabo Monteiro foi incansável nessa missão que não culminou no sucesso pretendido. Subiu rios, desceu serras, andou em chavascais, banhados e terra firme. Conversou com índios, com seringueiros, com ribeirinhos... E nada do Tenente desaparecido.
Mas o talento para o boxe não diminuiu para o nosso Cabo. Um dia outro boliviano, eis que chega a Guajará-Mirim, visando ganhar uns trocados, já que se tratava de experimentado boxeador. Precisava, todavia, de um adversário a altura. A luta seria realizada no cine Guarany. Um alto falante percorria as ruas da cidade, convidando futuros expectadores para a disputa. O Cabo Monteiro tinha concordado em “representar o Brasil” naquela contenda. Novamente o local estava repleto, o locutor anuncia a luta e chama os debatedores para o ringue. As vaias são prodigamente lançadas contra o boliviano. Uma ensurdecedora platéia grita o nome do Monteiro.
- Monteiro! (palmas). Monteiro! (palmas). Monteiro! (e muitas palmas)...
O Monteiro se inflama, tufa o peito e ergue a mão retribuindo. Mais uma vez “o Brasil fora desafiado”. Mas, desta feita, nós tínhamos um digno representante.
- Monteiro! (palmas). Monteiro! (palmas). Monteiro! (e muitas palmas e gritos). Uma histeria inebriava o nosso lutador maior e sacudia o ambiente.
Começa a luta. O Monteiro vai bem, avança sobre o adversário. O público grita, se incendeia, mas o Cabo é bloqueado de forma competente pelo outro. Um vacilo do Monteiro e um olho é fechado. Já estavam no segundo round. A galera grita, incentiva e ele retribui, meio tonto e levanta a mão saudando o povo de quem se tornou ídolo. Vencer é preciso! O supercílio já sangra; o cansaço fica maior ante a incapacidade de aspirar o ar normalmente; tinha levado um soco no fígado.
- Monteiro, Monteiro, Monteiro! E os gritos e as palmas chegavam aos seus ouvidos como suave música e enorme incentivo. A mão que levanta em saudação àquela torcida acaba produzindo um impacto.
O boliviano leva um direto e balança! Mas não cai! A torcida vem abaixo! A “soberania nacional” fica esperançosa. Por um breve momento. Eis que um sôco direto no outro olho do Monteiro o derruba; Mas ele é forte e levanta antes do árbitro concluir a contagem. O outro olho fica também fechado. Ambos inchados e sangrando! o nosso herói continua cambaleante, mas em pé. Aquela multidão, ligeiramente decepcionada, já antevia o pior; alguns gritos ainda se ouviam. O nosso Monteiro já não raciocinava com lógica. Apenas erguia a mão para a platéia, retribuindo, com um aceno, por conta dos antigos incentivos. Um silêncio já era percebido... Uma sensação de abandono já se observava com a saída apressada de alguns assistentes frustrados.
Até que o estrangeiro fez que socava na altura da barriga do nosso digno representante. Em cima de um reflexo, o Monteiro baixou a guarda, visando proteger o abdômen, tempo suficiente para que um murro no queixo o derrubasse em seguida. Frustração geral! O povo ingrato já maldizia a perda do dinheiro dos ingressos. “A mão que afaga é a mesma que apedreja”, diria Augusto dos Anjos.
Novamente a história se repetia. E o nosso herói ali estendido no piso, jazia desacordado. Mais uma vez a nacionalidade brasileira tinha, em tese, na cabeça de alguns, sido subjugada por um homem franzino, porém expert na arte de derrubar brasileiros “intrépidos”, “valentes” e “exímios” lutadores de boxe. O rosto meio desfigurado, as feições contraídas pelas dores e a ausência de cumprimentos por parte dos populares denunciavam o temporário esquecimento do nosso “ídolo”. Encerrada aquela temporada, nenhuma ata foi lavrada, mas para constar fiz, de forma irreverente, mas verdadeira, o devido registro. Que Deus me perdoe por ter ressuscitado esse assunto...
Fonte: Paulo Saldanha
Crônicas Guajaramirenses - O poder do m da palma da mão
O M que lembra a palavra Mãe é o mesmo M que, conforme o Cantador nos ensina: é onde na palma de nossa mão principia o nome Maria.M que se une a ou
Crônicas Guajaramirenses - Olha pro céu, minha gente!
Azul, o nosso céu é sempre azul... Diz uma estrofe do Hino de Rondônia. Será?Bem antes do nosso “Sob Os Céus de Rondônia”, tentaram nos ensinar que:
Crônicas guajaramirenses - Por quê?
Por quê os prédios públicos são tratados pelos homens e mulheres do meu tempo com tamanha indolência? Preguiça, ou será má vontade?Por quê o edifíc
Crônicas Guajaramirenses - As águas negras e as águas barrentas
Sempre me comovo ao observar o encontro das águas, que, no caso rondoniense, são os beijos gelados entre os rios Guaporé e Mamoré e deste com o rio