Domingo, 23 de setembro de 2012 - 16h08
Silvio Persivo (*)
Hoje em dia é meio ultrapassado demonstrar algum tipo de conhecimento, mas, para começar, tenho que me valer de Platão quando escreveu que “A tirania se forma graças aos abusos do regime democrático”. E, depois da ditadura de 64, quando nos retiraram as liberdades, como se funcionasse alguma teoria do pêndulo, enfrentamos, nos tempos atuais, o seu oposto, o democratismo. Ou seja, a falsa teoria de que a democracia deve se estender a todos os campos sociais quando, ao pé da letra, a igualdade somente se justifica perante as oportunidades e as leis. A liberdade tem sentido pleno, mas, quando se fala em igualdade deve-se esclarecer onde na medida em que todos nós somos profundamente diferentes.
Muitas vezes, a democracia, e ainda mais a igualdade, é brandida como sinônimo de justiça, quando o princípio da igualdade é um instrumento, conforme os preceitos constitucionais, muito mais aceitável para medir desigualdades aceitáveis do que impor igualdades desejadas por alguns grupos, na medida em que a validade de uma relação de igualdade, ou de desigualdade, reside no fato dela ser, ou não, justa. Para sermos modernos, atualizados, a rigor, o binômio que deve regular a vida democrática, ao contrário do que muito se prega e se pensa, não é o de liberdade e igualdade, mas, sim o de liberdade e justiça, como nos ensina Norberto Bobbio. Em suma, igualdade não é um valor absoluto. E quando, como em diversos aspectos da vida social, como se faz no presente, se acredita e se utiliza isto para fazer leis, se acaba por criar injustiças sociais. É o que acontece, por exemplo, com a imposição do regime de cotas nas universidades.
Procura-se compensar o fato de se julgar alguém vítima da sociedade dando acesso a um patamar para o qual, por mérito, não conseguiria, o que, na prática, retira vagas de quem teria este direito e submete o “agraciado” a condições em que, talvez, não consiga se adaptar ou ser vitorioso. Em suma, invés de se dar uma boa educação se tenta compensar políticamente a falta de educação.
A grande verdade é que, quando, como agora, se tenta, de qualquer modo, impor a igualdade na democracia, somente se consegue aumentar a mediocridade. Isto, aliás, tem por base mesmo a ideia de que todos somos iguais. Felizmente, não é verdade. Não somos. Há pessoas que não podem , e não devem ir para uma universidade, e a seleção, a meritocracia é a forma correta de verificar quem deve ir, ou não. È esta venda da ilusão de que todos somos iguais que leva, hoje, todo mundo a pensar, que mesmo sem o menor estudo, sem saber de nada, pode dar opinião em tudo. A televisão, por exemplo, se tornou um palco de indivíduos vaidosos que não param de falar sobre tudo a pretexto de qualquer coisa. Pessoas que tem seus 15 minutos de fama, sem conhecimento e sem acesso à educação, dão conselhos de como governar sem a menor cerimônia e tratam, com a simplicidade de barbeiros e motoristas, de problemas complexos; atrizes despreparadas dizem como tratar a Amazônia ou o Código Florestal, sob palmas de pessoas que não enxergam um palmo adiante do nariz.
O Brasil do analfabetismo gritante se gaba de conquistas tolas, enquanto esquece que estamos na era da informação. Só os países com maior alfabetização e maior acesso às novas tecnologias são os mais desenvolvidos do mundo. Nações que há 20 anos compartilhavam de uma situação igual a do Brasil, como Chile, Irlanda e Coréia do Sul, se desenvolveram e erradicaram a pobreza, justamente, por seus esforços na universalização do ensino. O Brasil ainda vive a ilusão de que pode melhorar a distribuição de renda e diminuir as desigualdades sociais legislando e mantendo seu povo sem educação. E vende a ilusão de que todos somos classe alta com rendimento acima de R$ 1.019,00 (Hum mil e dezenove reais). É a chamada “pauperização” da elite que, para desmentir as mentiras oficiais, continua a comprar empresas e ações no exterior, passear pela Europa nos melhores hotéis e beber vinhos finos que custam dez vezes este valor. Mas, pela novilíngua oficial, não há diferença ente Eike Batista e um professor de nível superior: ambos são classe alta. O professor, porém, é taxado na fonte e Batista tem incentivos do BNDES e paraísos fiscais para escapar da fúria do Leão. É a mesma igualdade do Imposto de Renda e da carga tributária recheada de impostos indiretos: a igualdade da injustiça.
(*) É doutor em desenvolvimento sustentável e professor de Economia Internacional da UNIR.
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