Domingo, 2 de março de 2014 - 19h45
Silvio Persivo (*)
Embora não possa negar a idade, de fato, pelas probabilidades estatísticas estou mais pra lá do que pra cá, com os meus próximos sessenta e quatro, não me considero um saudosista. Em termos, no carnaval e na música, reconhecidamente sou. E já tendo vivido os velhos carnavais do Rio de Janeiro, de Recife, Salvador e Porto Velho, certamente, tenho sólidas razões para ter saudades. Afinal quem conheceu os carnavais de outrora não pode olhar senão, com uma certa nostalgia, os carnavais atuais. A grande realidade é a de que, apesar da festa ter crescido em tamanho, perdeu em uma série de outros quesitos, entre eles, os mais sensíveis de paz, beleza e alegria.
Hoje, Porto Velho, por exemplo, estava um convite ao sono, como ontem, aliás, quando a Banda do Vai Quem Quer, uma tradição mantida duramente por Manelão, foi, por fim, interrompida. Não foi, efetivamente, a primeira tentativa. O carnaval de Porto Velho veio vindo, morrendo aos poucos, com intervenções de autoridades que impuseram regras e censuras a bailes, corsos, carros alegóricos, enfim, acabando com o desfile que já foi um dos pontos altos dos dias de Momo. Ultimamente nem mesmo a subvenção pública salvava os blocos de parecerem uma paródia dos velhos tempos, sem graça, sem samba, sem a alegria que, no passado, fazia o carnaval ser carnaval. Sem contar que sumiram muitos dos complementos que faziam sua beleza.
Se não me engano começou quando Jânio Quadros era presidente da República e proibiu o uso de lança-perfumes. Depois, mudaram o desfile, por razões diversas de um lugar para o outro, e sumiram as serpentinas, os confetes, as fantasias e até mesmo os bailes maravilhosos de outrora, como foram os do 5º BEC, do Ypiranga, Ferroviário e outros sempre muito prestigiados pelo povo até porque, agora, se cobra uma fortuna sobre direitos autorais, de forma que utilizar músicas se torna quase inviável. O que vemos, hoje, aqui em Porto Velho, é o que sobrou da resistência: poucas, modestas escolas de samba, que teimam em desfilar com enorme esforço pessoal de alguns abnegados. Eles lutam, mas, o carnaval não tem mais o mesmo encanto e não temos perspectivas de reviver os velhos tempos.
Não é muito diferente mesmo no Rio ou em Salvador. O carnaval, por lá, virou um grande negócio que engorda diretorias de escolas e blocos, hotéis, fazedores de abadás, e o que acontece de real mesmo é a aglomeração dos jovens, com roupas padronizadas, em torno de bares e casas noturnas. Ah! Tem o desfile da Sapucaí. Outro grande negócio que virou palco de desfile de celebridades enxertadas com silicone. Longe, bem longe, estamos dos sambas enredos de verdade, uma mistura de samba do crioulo doido e ingenuidade que tinha sabor. Hoje até o samba tem gosto de linguiça. Nem queira saber como se fabrica.
Não, por acaso, me vi revendo Capiba, Nelson Ferreira, as velhas marchinhas de carnavais passados, como a de Francisco Alves cantando “Ó pé de anjo! Pé de anjo/ és rezador, és rezador/ Tens o pé tão grande que é capaz de matar Nosso Senhor”. Neste domingo, pensativo, ponderei para mim mesmo, que Nosso Senhor, mesmo vítima do pezão pode ressuscitar. O carnaval brasileiro está difícil. Ingressou, definitivamente, no mar da mediocridade geral. Prefiro o sossego que assistir a maior festa nacional ter se transformado num imenso zumbi. Nós, brasileiros, estamos provando que chegaremos ao passado sem ter tido presente. O carnaval de hoje é um imenso velório disfarçado de alegria.
(*) É economista e doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo NAEA/UFPª.
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