Quarta-feira, 24 de setembro de 2014 - 11h18
Silvio Persivo(*)
Há certas pessoas que nasceram para ser protagonistas, que fazem seus caminhos sem perder a alegria nem a esperança. Que são somente em nascer. São, por assim dizer, figuras. E quando digo figuras, pretendo dizer mesmo que são meio surreais, quase mitos, na medida em que não podem ser julgados pelos comuns sem um viés de pequenez. Porto Velho, assim como é um lugar de monstros não sagrados, também é um jardim fértil destas figuras. E, hoje, pretendo falar de uma delas. Poderia ser de duas, de vez que são meio siameses: o Saldanha e o Dadá, o Adaídes. Costumo dizer que são, efetivamente, os artistas de Porto Velho, os mais genuínos, seja pelo nascimento, pelo tempo, pela trajetória e pela poesia e vida que criaram. Limito-me ao Saldanha, o popular “Pereca” em virtude de uma fatalidade recente que foi tê-lo abordado inesperadamente um ataque cardíaco que, felizmente, não o levou.
É impossível falar do Saldanha sem lembrar de sua emblemática canção “Olha menino/ eu sou moleque atrevido/ sou pior que bandido. /Eu me criei no areal…” é a cara dele. Uma música fantástica que remete a uma Porto Velho romântica e perdida. Porém, ele tem uma produção excelente e, como acontece com grandes talentos locais, muito ainda desconhecida. Saldanha, que foi um cantor pioneiro de bandas e bares, tem histórias memoráveis que não podem ser perdidas e, mostrou que, com força de vontade e a determinação, se pode alcançar o que se deseja, se alçando de menino pobre a economista, professor de economia e presidente do Conselho de Economia da 24 ª Região e fez um trabalho meritório à frente da merenda escolar, afora ter criado uma saúdavel família (se bem que, em geral, são nossas mulheres as grandes artesãs desses méritos) na qual a filha se destaca como doutora em Quimica, se não me engano numa universidade alemã. Na última sexta-feira, dia 19, mesmo não podendo ir receber sua homenagem como ex-presidente do Corecon RO, esteve espiritualmente ( e citado) na festa de 30 anos da entidade. Tenho, entre meus orgulhos, além do fato de ser amigo dele, a realização conjunta de uma noite musical literária, no Debate Bar, em que recitei poesias minhas e ele cantou, com maestria, diversas músicas, em especial as de Alceu Valença (e algumas melhor do que o próprio autor). Fui visitá-lo, com os também amigos e professores, grandes mestres da Unir, Maurilio Galvão e José Aldenor Neves e encontramos o Saldanha com sequelas, é claro, do golpe que sofreu, porém, mais Saldanha do que nunca. Rimos muito de como contou que, sem conseguir falar, na UTI, via com apreensão, os que morriam ao seu lado e que até se viu, ou sonhou, cercado de anciões com batas brancas ( possívelmente já fazendo o seu julgamento). Resistente ele se recusou (graças da Deus) a ir. E conseguimos rir juntos de seus problemas e ver que se trata de um cavaleiro da esperança. Ser otimista é uma opção. E espero ainda que o Saldanha possa, num dia não muito distante, voltar a cantar. É verdade que ele é um sobrevivente. Nem precisa disto para ser feliz, mas, precisamos dele para tornar a vida mais feliz e melhor. Avóe! Saldanha!
(*) É Doutor em Desenvolvimento Sustentável pelo NAEA/UFPª.
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