Quarta-feira, 24 de dezembro de 2014 - 11h24
Silvio Persivo
É mais um natal. Os natais passam na nossa vida quase sem nos darmos conta. E, só depois de muito tempo, passei a compreender que cada natal é um natal diferente. Não que o natal mude, pois, na verdade, quem muda somos nós, quem muda são as condições do mundo, da economia, da vida. Não desejo ficar nostálgico nem olhar para o passado, porém, não há jeito. Para quem, igual a mim, carrega muitos natais nas costas, um olhar retrô é imprescindível, inescapável, fatal mesmo. E, por menos que se deseje negar, o natal, realmente, não é mais o mesmo. Também pudera! Qual o natal de comparação? Falar que o natal mudou, como numa série histórica, é preciso que se fixe uma base, um natal que sirva de comparação, uma espécie de natal padrão.
Esta é a grande dificuldade. Se examino o passado, constato, sem muito problema, que, de fato, o natal era diferente. Havia, no passado, uma religiosidade, talvez exagerada, que cercava a data. O natal do passado, do passado dos meados dos anos 60, 70, era um natal que exigia um longo tempo de preparação. Havia todo um ritual de compra dos presentes, das roupas, das ceias. Era, numa má comparação, um carnaval religioso para o qual se passava longo tempo nos ensaios. E a missa do galo era o ápice e o fim de toda a festa. Depois dela já não havia o que fazer senão dormir e pensar no outro natal. Bem, é preciso acentuar que os natais do passado eram verdadeiros banquetes. Lembro-me que se comia e bebia de forma pantagruélica, abismal mesmo, no melhor estilo dos grandes abades, aqueles que apareciam nos rótulos sempre gordos, rútilos, eternos bebedores dos melhores vinhos, apreciadores dos melhores chocolates e bolos. Eram natais, por assim dizer, religiosos e, ao mesmo tempo, festivais de gula onde o comércio aparecia de forma secundária. Não se dava, como se dá, na atualidade, uma predominância para o faturamento, as vendas. Hoje Natal bom passa, invariavelmente, por lojas cheias, por consumo, pelo tilintar dos caixas.
A mudança foi imperceptível, mas, com um impacto estrepitoso. O mundo se acelerou. Foram as mensagens, os transportes, as mercadorias, as pessoas e o dinheiro ganhando velocidade. E, de repente, estamos num natal onde tudo parece, como o tempo, digital. As cartas, os cartões de natal, que, no passado, marcavam a chegada do período são, hoje, lembranças dos antigos. O natal, agora, tem uma versão tipicamente digital e nos chega por e-mails, por cartões digitais, por imagens de internet e de televisão. Não há, a rigor, mais preparação para nada. E os símbolos natalinos, como as árvores, como Papai Noel, a ceia, os presentes, as próprias compras ganharam outro ritmo, outra forma de ser. É tudo regido pela pressa e pelos preços. No entanto, hoje, me peguei pensando que, com tudo isto, com tudo que se diz do comercialismo, da falta de sentido do natal, não é que acordei, feito criança que espera por brinquedo, meio alegre, meio envolvido pelo ritmo de natal. Não sei se foi o show, um dos mais fracos que já vi de Roberto Carlos, que me lembrou que o natal existe ou a família, que uma parte está reunida, mas, apesar de não ser o mesmo, estou aqui escrevendo e já pensando na ceia, em beber uma taça de champanhe, em lembrar que ( e olha que nem acredito muito nisto) centenas de anos atrás um menino veio para nos salvar. Enfim, o que quero dizer mesmo, é que o natal mudou sim, todavia, devo confessar, quando chega está época continuo a ficar ensimesmado, pensativo, comovido mesmo. Talvez seja porque sejamos eternas crianças que estamos sempre esperando um presente de natal. De qualquer forma tenho que lhe dizer: Feliz Natal!
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