Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

A desconfiança no direito


O Iluminismo, embalado pela Revolução Francesa, vendeu-nos a certeza na segurança jurídica, ou seja, a esperança de que o direito resolveria os conflitos individuais e sociais por si só. Tínhamos a crença de que nada abalaria a confiança na racionalidade jurídica, na capacidade racional de encontrar soluções jurídicas para resolver os problemas. Aliás, esta racionalidade nos levava a crer que todos os problemas seriam resolvidos pelo direito.

O que perdemos foi a capacidade de acreditar que o direito é racional e, por isso, se não é tão racional como pensamos, a solução encontrada para os conflitos pode não ser a mais adequada. Não sendo uma solução adequada, o direito perde valor.

Antes definido como direito-valor, pois o valor estava em si mesmo, agora a crise de confiança abala sua essência. Pensava-se que a máxima racionalidade humana estava desenvolvida no direito. Falava-se de um certo “maximin”, a extrema capacidade racional de o direito produzir o bem. A racionalidade jurídica nos levava a depositar todas as nossas fichas na aposta de que o direito, indubitavelmente, produziria justiça.

A crise atingiu exatamente este núcleo de confiança na racionalidade jurídica. É como se, repentinamente, fôssemos acordados e percebêssemos que a realidade mudou. Dormimos pensando que o direito estava à nossa esquerda, regulava o poder e acenava com a justiça social; acordados, vemos o direito do lado direito, abraçado ao poder e, o mais grave, com regras e institutos indefinidos as decisões não são racionais: derivam de interesses quase nunca confessáveis.

Para os mais céticos, acordamos de um sonho, mas vivendo diretamente um pesadelo; o pesadelo de que o direito líquido e certo depende de interpretações pessoais, ocasionais – muitas vezes as que mais agradam ao poder.

Antes, a racionalidade nos levava a crer que, se o direito era nosso por definição das tradições estabelecidas por regras racionais, a resposta jurídica não traria contrariedades, apenas seguiria a lógica das decisões já estabelecidas. Agora, sem as distinções lógicas, podemos esperar tudo, quase sempre o descumprimento da lógica fixada nas próprias regras.

O resultado é um atordoamento jurídico, todos esperam tudo de todos. As explicações lógicas do passado, isto leva aquilo, no presente, são apenas convenientes – e, como se sabe, as conveniências mudam, são instáveis, deletérias. Essas decisões deletérias, insalubres, são o próprio veneno do direito.

Fomos acostumados a ver no direito o caminho de escolhas racionais que seria amparado por remédios jurídicos, socorros imediatos que retomariam o curso normal das coisas, caso houvesse algum desvio ou destrato do direito. Este remédio, hoje, está na mesma estante dos venenos e, dependendo de quem o administra, pode matar. O remédio jurídico foi criado para defender o indivíduo do Estado, como o Habeas corpus, mas, invertendo a lógica, há quem veja nos remédios jurídicos a defesa do Estado.
Entres outras razões, muitas não muito racionais, é por isso que viceja a desconfiança no direito resolver nossos dilemas. Daí deriva a incerteza jurídica como regra – a incerteza que não se admitia nem mesmo como exceção, ocasional, agora é regra. A crise de civilização que experimentamos, no polo jurídico, pode assim ser resumida: há uma só regra, a regra de que as decisões políticas e ideológicas sobrepõem-se à regra original de que o direito é iminentemente social.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)