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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

A guerra civil na luta de classes


O que leva alguém a atirar no rosto de uma grávida de nove meses e decretar sua morte? São inúmeras as possibilidades, as avaliações e os juízos de entendimento. Pode-se dizer que este indivíduo tem um perfil de psicopata, que o Poder Judiciário omisso o soltou por duas vezes antes do ocorrido, que obedeceu a uma regra do mundo do crime, a de que a reação leva à morte. Pode ser tudo isso e mais alguma coisa ou nada disso. O que importa realmente é entender o porquê de vivermos em um quadro de violência crescente e que não poupa a ninguém, ricos e pobres. Este quadro corresponde integralmente a uma guerra civil que transbordou da luta de classes. Com características diferentes, hoje pertencentes a uma realidade muito mais integrada, diversificada, globalizada, a luta de classes tem contornos distintos da época em que se notabilizou pela análise da sociologia de Karl Marx. Por exemplo, a Multidão é um fenômeno que, se estava presente no século XIX, não atuava como atualmente; do mesmo modo que o proletariado era uma classe social em ascensão e com grande impacto na internacionalização da luta política e hoje, quando consegue, luta apenas por salário. Contudo, menores ou não, as classes sociais ainda jogam um jogo decisivo na sociedade da violência. Talvez joguem sempre, enquanto estivermos tratando de sociedades capitalistas, mas com a violência bestial que nos cerca e elimina com a morte violenta há um componente social que ganha projeção e merece nossa melhor atenção. Nesse estado de violência generalizada e de extrema crueldade, uma fração de classe exponencial em sua atuação é o lumpem-proletariado. Seus membros são todo tipo de bandidos, escroques, miseráveis, excluídos, expurgados, renegados, violentados e violentadores, desempregados crônicos e inimpregáveis, vagabundos e partícipes do crime organizado e do crime banal. Resultante da hostilidade social, econômica e jurídica, secular, a que foi submetido, de certo modo, o lumpem se apodera dos bens materiais e da vida de outras pessoas como uma espécie de vingança social. O lumpem não tem essa consciência, nem formula com total lógica, mas poderia ser uma voz no inconsciente da massa dizendo: “nunca pude viver com respeito, agora você vai sofrer”. Aprendemos, bem ou mal, a conquistar o que queremos; o lumpem simplesmente apodera-se do que lhe interessa. O Estado de Direito e seu poder extroverso, a racionalização do controle social, a legalidade e a legitimidade não alcançam esses milhões de brasileiros porque já foram criados fora do sistema. Obedecem a regras muito diferentes das que nós, os incluídos no sistema de produção, conhecemos e supostamente praticamos. Mas, têm aspirações semelhantes em vários aspectos: têm carreiras, mas são marcadas pela dor sofrida e infligida (assim como nossos heróis de guerra); não admitem não ter as posses que todos almejam (não têm sonhos na vida, só desejos); a reação ao roubo é outra rejeição (como as milhares sofridas ao longo da vida) que não deve se repetir e por isso matam sem dó; não conhecem o romantismo, só o puro realismo (não teme a morte quem não tem o prazer de viver); o mundo não lhes concedeu a utopia, vivem cada dia em meio à desilusão; não se arrependem do ato (violento, cruel) apenas das conseqüências do ato (privação da liberdade, falência social). Por isso, é urgente uma revolução social burguesa que faça o Estado de Direito chegar às duas extremidades da pirâmide social, distribuindo Justiça. O tempo das revoluções monumentais, construtoras de civilizações, como foi a de 1917 na Rússia, parece emparedado na história. Porém, se não fizermos grandes e profundas mudanças nas estruturas sociais, corremos o risco de ver todo o lumpem ser guiado pelo CV, PCC e outras facções ainda mais nefastas.

Vinício Carrilho Martinez – Doutor pela USP
Professor Adjunto II do Departamento de Ciências Jurídicas
Universidade Federal de Rondônia - UFRO

 

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