Segunda-feira, 9 de julho de 2012 - 11h24
As opções assistencialistas no Brasil não são adequadas. Às vezes refletem o colonial voto de cabresto, porque alimentam a troca de votos por ninharias sociais – a bolsa não alimenta um, quanto mais à família.
Um antigo ditado popular nos ensinava que “saco vazio não para em pé”. Quer nos dizer que para estar de pé, andar é preciso comer. Entretanto, isto não basta, pois para pensar é necessário um alimento existencial.
Em todo caso, há que se pensar que, em alguns casos, a ajuda material tem de ser imediata, porque o indivíduo assistido precisa se colocar de pé – a fraqueza existencial é proporcional à fome física.
No momento seguinte, cabe à sociedade e ao Estado cuidar para que este indivíduo não só se mantenha em pé; mas, para que já se permita colocar em movimento. É claro que deverá andar por suas próprias pernas, mas os primeiros passos ainda serão com o apoio de nossas mãos.
Para quem sempre esteve fora da história política, não é fácil sair de cima dos próprios joelhos, totalmente inerte, como se estivesse amarrado a uma condição primitiva, para depois se locomover pelos caminhos que a vida indica. Deixar a apatia, a ausência de significados, a inércia, a falta de vontade – até porque pouco se mexe –, para, em uma posição ereta, perceber-se como humano, não é um reles movimento mecânico de desdobrar as pernas.
Este movimento simples, de andarmos ao lado de alguém, quando comparamos a um bebê, que nem tem forças para manter os joelhos duros, é uma das metáforas que se aplicam a todos nós, especialmente os indivíduos que se tornaram pessoas.
Para quem está aprendendo a ficar em pé e depois a andar, os passos tímidos serão sentidos por algum tempo, mas serão seguidos por outros mais firmes e estes serão os nossos, quando andarmos a seu lado. No sentido não-metafórico, pode-se dizer que o indivíduo, como pessoa humana, está em processo de inclusão social.
É interessante pensar que antes andávamos ao seu encontro, porque este indivíduo nem se levantava; todavia, depois, já se podia ver a vontade de se mover, de sair do lugar onde estivera por muito tempo – um lugar de quase-nada, servindo de esconderijo para uma quase-pessoa.
Na fase seguinte, quando andamos a seu lado, mesmo que vez ou outra ainda conte com nosso apoio, aquele indivíduo, antes sem nome, agora podia olhar para além da altura dos joelhos. O indivíduo ajoelhado, limitado à meia altura, por sua condição de miséria humana, não pode ver o que a altura dos ombros pode lhe oferecer, quando se põe em pé. Para quem está de pé, o horizonte é bem mais amplo, está fora do alcance das mãos.
Aliás, sem se perceber como pessoa, porque era incapaz de erguer a cabeça para abrir os olhos, para todos, era apenas um indivíduo – desses que vemos nos jornais ou nas estatísticas de quem não vale nada para a sociedade.
Portanto, ao se levantar e olhar acima da altura dos ombros, observamos a descoberta do humano, pois aquele indivíduo que mal se somava a números desumanos, agora se transformou em pessoa. Essas pessoas, agora não curvadas pela opressão, são finalmente seres sociais.
E para ser de fato uma pessoa terá, por sua vez, de alcançar a mesma capacidade de se curvar para fazer com que outro, ainda ajoelhado, alquebrado – sem a esperança do futuro, como ele próprio o fora –, levante-se e, olhando – talvez pela primeira vez –, diretamente nos olhos de alguém, consiga dizer: “Quero ser um humano completo; como meus ancestrais mais remotos, preciso descobrir o significado de ficar de pé”.
Sua consciência de humano lhe dirá com precisão e de modo inflexível: “Preciso ver que sou capaz de estar, de ficar, permanecer de pé, porque não sou mais apenas um primata – e que, consciente de que nunca deixarei de ser um animal, sou do tipo que só sobrevive de pé, caminhando, falando, fazendo”.
Como nós, esta pessoa precisa ter a certeza de que outros, antes ajoelhados e dobrados ao meio, olhados com o desprezo que se dirige à metade de uma fruta, também se levantarão, e todos de pé, poderemos dizer: “A humanidade se fez completa, todos os homens e mulheres estão de pé, não há mais nenhum de joelhos, rastejando, como um bicho qualquer”.
Neste dia, teremos entendido como os outros se tornaram todos e todos nós entenderemos, perfeitamente, que se somente um homem ou mulher não estiver de pé, isto basta para sabermos que a humanidade ainda rasteja em sua evolução.
Prof. Dr. Vinício Carrilho Martinez
Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
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