Domingo, 9 de setembro de 2012 - 06h34
Licantropia é uma doença em que a pessoa pensa que é um lobo – no popular, o sujeito acredita em lobisomem. Em todo caso, pelo horário eleitoral gratuito, é fácil ver os lobisomens que açodam a política brasileira. Para entender bem este caso, prestemos atenção nos lobos vestidos em pele de cordeiro. Veremos que alguns acreditam em Lobo Mau, e são aqueles que esperam atacar chapeuzinho e assim roubar os sonhos da pureza e da ingenuidade, como o sonho de uma política sem corrupção. Foi-se o tempo em que Lobinho era um aprendiz de escoteiro.
Alguns desses lobinhos e licantropos que desfilam pela tela da TV, se ninguém conhecesse, já estariam colecionando os sonhos de chapeuzinho e de todos nós, porque parece que “nunca antes na história desse país” o verbo roubar foi tão atual e bem flexionado.
O filósofo grego Aristóteles descreveu o homem como zoon politikón ou animal político, mas duvido que tenha imaginado alguma coisa parecida com lobisomem. Já o pensador italiano Maquiavel descrevia a relação/ação política baseada na metáfora do Centauro, porque a política se resolveria no misto do consenso, bom senso e racionalidade – como as melhores marcas humanas – e, ao mesmo tempo e ao revés disso, na coerção, força, imposição – como se o político agisse com a força de um perverso animal. Sorte nossa que o Centauro já nos alertou para ter muito cuidado com os lobisomens.
Ao contrário da filosofia e da ciência política, o que nós ofertamos como contribuição da experiência brasileira à nobre arte da política é o desfazimento do mito, da metáfora e sua substituição por algo bastante eloquente, realista em termos do cinismo que expressa: a melhor conversa é aquela seguida do “sim, senhor”.
Pelo horário eleitoral, vestidos de lobos, vemos muitos cínicos da hora e suas mensagens ocultas. É como se estivessem dizendo para acabarmos logo com essa fantasia de que o argumento, o diálogo vale de alguma coisa e assim mostrar logo quem é que manda. Sem meias-palavras, vamos direto na jugular da vítima, porque política é coisa de gente grande, de lobisomem. Estão nos dizendo que a história do poder é contada pelo vencedor, porque o vencido foi comido pelo lobo.
Esse negócio de meio-homem, essa coisa de centauro, meio-homem e meio-cavalo está sempre enganando a todos, dissimulado. Vamos acabar logo com essa besteira – os antigos diziam que quem não pode não se estabelece. No popular também diz-se que: “quem pode manda; quem tem juízo, obedece”. Isso sim é coisa de lobo, nada de papo-furado. Vamos logo ao que interessa, chega de “qué-qué-qué”, afinal de contas a força só pode ser rebatida por uma força maior.
Enfim, esta é a lição da nobre política brasileira, sobretudo nos últimos anos. Como dizia o velho coronel, quando lhe perguntaram o que achava do Estado de Direito, em que a lei deve ser a mestra da vida comum: “A lei é como a cerca da fazenda, se é dura, passo por baixo; se é branda, passo por cima”.
Abaixo as sutilezas da política, fora com esse Centauro, que nem deve ter “macheza”. Política é coisa de macho, de lobisomem. Pense bem se vai assistir esse horário eleitoral gratuito, caso vá, não se esqueça de “guardar as cabras, porque os lobos estão soltos”.
Não é admirável, invejável essa cultura da licantropia política brasileira?
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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