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Vinício Carrilho

A ordem jurídica


Uma das principais atribuições da ordem jurídica, no sentido moderno de que se trata incessantemente de proteger e aprofundar a cidadania como prática social e democrática, é regulamentar o direito político. Como se sabe, a primeira geração de direitos humanos foi “negativa”, pois era uma imposição de regra obrigatória ao Estado de não-fazer; proibindo-se, portanto, o próprio Estado de legislar contra a prática política popular. Além de se ter no Estado uma proteção à democracia. Neste sentido, a ordem jurídica é uma regra de proteção e deve assegurar o aprofundamento da cidadania democrática. Ocorre, porém, que é preciso proteger os cidadãos de ingerências irregulares em sua manifestação política: uma dessas restrições deve evitar que haja uma pressão desmedida sobre o direito de livre expressão política. Assim, vejamos quando para a lei “o menos vale mais”, quando a lei atende à liberdade:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

(...)

§ 2º - Não podem alistar-se como eleitores os estrangeiros e, durante o período do serviço militar obrigatório, os conscritos[1](grifos nossos).

 

A proibição dos militares conscritos de se alistarem estaria nessa abordagem dos direitos políticos, porém, receberia duas orientações diferentes: 1) restringir o direito do militar conscrito alistar-se eleitoralmente é uma proteção de consciência, a fim de que não sejam influenciados por seus superiores, em claro voto de cabresto; 2):

No cumprimento dos deveres constitucionais, o processo eleitoral exige que os membros das Forças Armadas, submetidos aos rígidos preceitos de obediência, hierarquia e disciplina, fiquem em relativa prontidão com o escopo de exercer as atribuições relativas à defesa nacional e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem (artigo 142, caput, CF), inclusive para atender a requisição do Tribunal Superior Eleitoral por intermédio do Supremo Tribunal Federal. Em decorrência, os militares deverão, no dia das eleições, permanecer aquartelados e, de antemão, são dispensados do serviço na Justiça Eleitoral conforme prescreve o artigo 75 do Estatuto dos Militares[2](grifos nossos).

 

            Em todo caso, nas duas hipóteses, trata-se de restringir os direitos políticos de alguns, temporariamente, a fim de que todo o processo eleitoral receba a melhor condecoração político-eleitoral. Ou seja, é necessário proteger o direito de voto como essência da liberdade política e, neste caso, trata-se de algo congênere esta restrição ao militar conscrito de exercer o direito de voto. Porque, mais ainda do que a ingerência exercida pelos pais sobre os filhos, será a possibilidade de o superior cobrar/influenciar a livre escolha política do soldado. Nesta convivência entre direito e política, ainda é necessário ressaltar as gerações de direitos políticos (geração positiva). Vejamos:

1. direito de resistência(no caso de o soberano atentar contra o povo);

2.direito de petição(para inquirir abuso de poder ou requerer novos direitos junto ao poder soberano);

3.direito de participação e de reunião (além das corporações de ofícios);

4.direito de voto (para não ser censitário);

5.direito de associação (em partidos, sindicatos);

6.sufrágio universal (em que entre 80 e 90% da população têm condições de intervir nos rumos do Estado);

7. direito de assembleia (democracia plebiscitária: decisão política, com aceitação ou reprovação popular, sobre políticas públicas por meio de referendos e plebiscitos);

8.direitos da democracia radical (exercício vigoroso da soberania popular como controle do poder político).

 

Assim, a restrição do direito de voto do soldado se alinha à natureza dos direitos (civis) de primeira geração. É um direito negativo, como impedimento de que o agente que representa o Estado (o militar) execute ações negativas à cidadania e aos direitos humanos. A ordem jurídica democrática protege a cidadania e impede a grave violação contra os direitos humanos, a começar da defesa do direito à liberdade.

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia - UFRO

Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ

Pós-Doutor pela UNESP/SP

Doutor pela Universidade de São Paulo

 



[1]Item 5 do Art. 3° do Regulamento da Lei do Serviço Militar, Decreto n.º 57.654 (20/01/1966): conscritos são os brasileiros que compõem a classe chamada para a seleção, tendo em vista a prestação do Serviço Militar inicial. Conscritos são todos aqueles que estejam prestando o serviço militar obrigatório, os alunos dos órgãos de formação da reserva, os médicos, odontólogos, farmacêuticos e veterinários que estejam prestando serviço militar inicial obrigatório, enquanto durar, ainda que tenham sido alistados antes da matrícula ou convocação (Resolução TSE Nº 15.850/89).

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