Quinta-feira, 30 de agosto de 2012 - 11h37
As eleições de 2012 têm demonstrado os truques de sempre, mas também revelam os piores problemas nacionais: da miséria que alimenta a compra e a venda de votos ao famigerado caixa-dois de campanha. É preciso lembrar que todo caixa-dois esconde algum tipo nefasto de mensalão ou de mesadinha, além de que a barganha de votos traz a perversidade em que o poder econômico estipula que o comprador dos votos tenha o direito político de se sobrepor e negar aquele que vende sua intenção política.
É fácil perceber que aquele que vende seu voto, muitas vezes movido pela miséria econômica – e sem que seja uma justificativa –, coloca-se como refém político daquele que compra, uma vez que será tutelado porque abdica de sua consciência. Quem vende o voto auxilia na degeneração da relação política, tanto quanto o comprador. Contudo, a relação entre ambos é definida, em última instância, por quem compra, porque o comprador tem o dinheiro (poder econômico) para finalizar a relação econômica.
Quem vende o voto perde o direito político, temporariamente, e assim se coloca à disposição de outrem. Quem se vende no processo eleitoral coloca-se na condição de objeto da política, pois ele próprio é negociado – sendo a negociação o objeto da política. O original sujeito da política, o eleitor, também se nega enquanto sujeito, sujeitando-se à vontade de outrem e assim se reduz a um objeto – sendo a imposição da vontade o objeto da política. A dominação é o objeto do poder.
Agora, o principal alerta diz respeito a um fenômeno relativamente novo no Brasil: o fim da oposição política. O Partido dos Trabalhadores forjou-se na defesa da democracia, na oposição ao regime político negociado com a ditadura, nos sindicatos e nos movimentos sociais. Depois virou situação, com vitórias consecutivas ao comando central do Executivo e se espalhou pelo país em mandatos menores.
Boa parte da configuração política do PT deve-se a esta fase inicial em que foi oposição, pois muito foi revelado do banditismo político e da promoção do terrorismo social. Contudo, passados dez anos de domínio politico, as forças que poderiam lhe fazer oposição foram sucumbindo. Alguns dos representantes da ditadura, como Paulo Maluf, agora ajustam fileiras. O PSDB, partido que melhor simbolizou a oposição ao predomínio petista, agora se vê combaleante.
Em São Paulo, reduto do PSDB, é possível que o candidato José Serra não chegue ao segundo turno. Em Minas Gerais, para agravar a crise da legitimidade política, chegou a se articular uma aliança PT-PSDB. O (e)leitor se perguntará: como assim, fundiu-se situação e oposição? Isso mesmo, haveria esta fusão política não fossem quimeras e vaidades a atrapalhar o andar das coisas. Como o (e)leitor, lembro-me de Nelson Rodrigues ao nos precaver: “a unanimidade é burra”. É burra porque sempre fazemos as mesmas coisas, do mesmo modo; com perguntas novas avançamos na solução dos problemas, com respostas também inovadoras.
Em política, entretanto, a questão é muito mais grave. Sem oposição, forma-se uma relação de dominação baseada na hegemonia e isto é ainda mais grave do que a unanimidade. No México, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) ficou 70 anos no poder. É claro que não se quer isto para o Brasil, mas é preocupante o fato de que a falência da oposição está criando as entranhas da hegemonia política.
Por hegemonia devemos entender que uma determinada forma de dominação (hoje política), gradativamente, torna-se predominante nas demais relações sociais: na economia, cultura, sociabilidade, visão de mundo. Na verdade, os mais variados âmbitos e setores do “mundo da vida” sofrem centrifugações, pasteurizações a fim de se tornarem todos equivalentes, condensados sob um modelo-padrão: popularmente, fala-se em “patrulhamento ideológico”. Em casos mais graves, as esferas pública e privada se confundem, com grande predomínio de uma perspectiva de estatização e de ideologias consumidoras dos direitos e das garantias individuais.
Não se trata somente da regulação dos direitos individuais, como o lucro, em modelo econômico em que se esperaria uma melhor distribuição da riqueza social – o próprio PT tem projetos nesta linha. No caso da hegemonia, teríamos de volta a regulação, por exemplo, da liberdade de pensamento e do controle ou negação da livre-expressão. Na economia, o que vimos historicamente não foi a autogestão – a não ser em exceções que confirmam a regra, como da ex-Iugoslávia – mas sim a construção de castas sociais discrepantes e segregadoras. Em um exemplo concreto, o poder econômico centralizado, em parte, acabou sob o comando da atual Máfia Russa (ex-KGB: polícia secreta soviética).
É evidente que não se afirmou no artigo que isto ocorrerá no Brasil, mas as formas de controle do Estado Ético, como Estado de Justiça ou Judicial, quando o Estado professa toda a verdade – nada além do que seja a sua verdade – é uma ameaça que não vale a pena correr. É preciso reinventar as oposições para que desempenhem o inestimável autocontrole político; em uma frase, é a oposição que nos garante que o poder seja público e não privatizado por mensalões e mesadinhas.
Sem que a oposição seja garantida, os mecanismos de autocontrole do poder se afrouxam e, juridicamente, corre-se o risco de se fundir decisão monocrática, de acordo com a vontade emanada da cabeça de um só, com “poder discricionário”: que é o agir conforme a lei. Essa mistura de impurezas gera um tipo de Estado Ético, uma formação política que se apresenta ao mesmo tempo como resultado e provedor do “espírito político universal”. Por isso, sob efeito da hegemonia, no Estado Ético, a vontade soberana/suprema se confunde com a legalidade e não é difícil perceber que o direito válido passaria a se confundir com as hostes do poder. Também é fácil de notar que as barreiras e as diferenças entre Estado e governo seriam depostas: o governo provisório tende a se tornar permanente.
Em uma analogia, a falta de autocontrole imposto obrigatoriamente pela oposição equivale à falta de limites que transforma uma criança egocêntrica em um ser egoísta.
Se a unanimidade é burra, a hegemonia é letal!
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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