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Vinício Carrilho

A violência no Estado de São Paulo: A trivialidade virou naturalidade


Vinício Carrilho Martinez - Professor Adjunto II (Dr.)
Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas

O subtítulo sugere claramente uma inversão nos termos, pois é natural o que tem ocorrência regular, trivial. Mas o mundo moderno se nos apresenta meio invertido. Tanto na vida quanto na morte, temos visto a naturalização, regularização, repetição do que deveria ser muito ocasional. Aliás, muito ocasional já indica outra contradição, mas é uma forma de exprimir com força o que não deveria ocorrer.

Por exemplo, desconfio que desde o século XVI, com o pensamento do filósofo político inglês Thomas Hobbes, o Mal se tornou natural. Com a expressão “o homem é o lobo do homem” alertava que a violência e o medo à violência seriam os móveis da ação humana. Mas, vejamos que entre o natural e o trivial há profunda diferença. Para Hobbes, a violência não poderia ser algo trivial, corriqueiro, sob pena de a sociedade sucumbir. Assim, a figura do Estado soberano assumiria a segurança para evitar que os conflitos degenerassem em barbaridades.

De lá para cá, também desconfio que o Mal mudou um pouco e que hoje se tornou muito mais banal, trivial, do que eventual. Assim, vemos que há grande diferença entre algo ser natural e suportável como ocasional, afinal o trivial não deveria ser obrigatório. Contudo, o Mal na forma da violência se tornou não apenas natural, como fato incessante; muito mais do que cotidiana, a violência se tornou regra, impondo-se como diretiva a ser seguida.

A violência também se institucionalizou, ou seja, assim como a própria segurança pública, a violência se constituiu em instituição resoluta, predominante. Neste sentido, como instituição, a violência ganhou novas fendas no interior do próprio Estado de Direito. Na verdade, o Estado sempre deteve o monopólio da violência. O que difere o passado do presente, entretanto, é que este monopólio era garantido pela suposta legitimidade de suas ações. Hoje, sem legitimidade alguma, o Estado espalha a violência e anima o Mal que deveria combater.

Nesta lógica se consegue entender como o Estado criou o PCC, em São Paulo. A violência, desleixo, sadismo, obtusidade do poder público levaram a uma situação de vida ou morte para os presos. Em seu estatuto de formação, o PCC já alertava: “A prioridade do Comando no montante é pressionar o Governador do Estado à desativar aquele Campo de Concentração "anexo" à Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, de onde surgiu a semente e as raízes do comando, no meio de tantas lutas inglórias e a tantos sofrimentos atrozes”.

Está dito de modo muito claro que do sistema prisional surgiu a semente que gerou a raiz do comando do Mal. O pior é que, não bastasse o Estado ter exterminado os grupos concorrentes, eliminando-os fisicamente ou permitindo que o PCC o fizesse, ainda se recriaram (se é que um dia acabaram) os grupos de extermínio.

Tais grupos são formados por oficiais funcionais (corruptos ou não), matadores de aluguel, justiceiros, policiais desligados das forças públicas, mercenários e tantos outros tipos que associam o Bem à morte. A história mais antiga e a mais próxima nos dizem a mesma coisa, ainda que vejamos apenas o que interessa, e não vemos que esta banalização da violência pelo poder público só alimenta o Mal que se deveria combater. A violência institucional não produz nenhum bem social – esta é outra lição da teoria social clássica –, mas muita violência será produzida até entendermos isso.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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