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Vinício Carrilho

ARISTOCRACIA BRANCA - Por Vinício Martinez


                                            

Nossa aristocracia não é como a Ku Klux Klan, a extrema direita estadunidense, mas é racista, machista, elitista. Por outro lado, com a terceirização total[1] – o fim do trabalhado regulado –, o futuro inexistente da previdência pública, outras reformas trabalhistas no pior estilo neoliberal (já abolido em parte do mundo civilizado) e a reforma política da lista pré-ordenada, empossando caciques e raposas conhecidas da Lava Jato, entramos na rota de retorno direto ao século XIX.

No que também é mera reinvenção do passado do Navio Negreiro: “Fomos surpreendidos com o desengavetar dessa proposta, que foi apresentada pelo governo FHC em 1998", diz Magda Barros Biavaschi, desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.       Trata-se, no conjunto, das apólices do escravismo no século XXI.

Os grilhões do passado colonialista foram transformados nas celas que aprisionam milhares de jovens negros e pobres, bem como no facão que retirará qualquer garantia social aos trabalhadores empobrecidos: brancos e negros. Nossa aristocracia branca é menos seletiva do que nos EUA, não mais queima negros vivos publicamente, nem exorta ao expurgo de imigrantes. Mas, não é porque seja melhor, mas sim porque queimam na miséria nacional homens e mulheres, adultos e crianças, brancos e negros, que dependem da venda da força de trabalho para sobreviver.

Com a terceirização completa – escolas poderão terceirizar professores –, mais uma vez o país absorve técnicas jurídicas pré-capitalistas. Se somarmos o fim da previdência pública e a reforma política, o resultado é a constitucionalidade do Estado Patrimonial, patriarcal, no século XXI. Como o mercado de consumo está no exterior – ainda que estejam podres as commodities de carnes, cervejas e paçocas (!?) –, ainda é um ótimo país para rentistas e abusadores. A diferença é que para abusar de pessoas não mais será preciso abusar do direito, porque está tudo legalizado.

Outrossim, lembremo-nos de que o nazismo também foi legalizado. Também não esqueçamos de pensar e de dizer que esse é o modelo societal da dobradinha PSDB/pmdb. Minúsculo como é sua dimensão moral. Com o que também se pode imaginar o que virá em 2018...

O líder do Partido Comunista italiano, nos anos 1930-40, Antonio Gramsci, definiu o que vemos no país atualmente de Cesarismo Regressivo, mas o apoio dado pela polícia à repressão social parece fortificar um “bonapartismo policial”. Algo como o capital mais devastador apoderando-se totalmente do Estado para criminalizar e reprimir as relações sociais e enclausurar os desafetos do poder de ocasião. Também pode-se ver um tipo de “nato-fascismo”, obediente às forças congregadas na OTAN pelos EUA.

Sem dúvida, é ação do Estado mínimo, mas sem condição moral, portanto, com incapacidade cognitiva. Essa lógica é positivista, desde o Iluminismo de Kant, e também consta do contratualismo de Rousseau. Sendo recuperada pela filosofia alemã de Habermas. Portanto, não é uma lógica esquerdista. Digamos que se trata de uma análise da direita inteligente que não se aplica ao país.

Não se aplica por razões óbvias. Por exemplo, é a mesma direita fora do “esclarecimento” que pretende associar terceirização com meritocracia: “mais méritos, melhores condições”. Ora, discutir meritocracia no reino da miséria é o ápice da redução mental: moral e cognitiva. Porque se desconhece até mesmo a lógica aristotélica. Como é que se pode, em sã consciência, associar e comparar senhor e escravo? Sabemos há dois milênios, pelo menos, que a comparação exige a equiparação. No caso, sem igualdade, não há isonomia.

Como se vê, nossa base moral é da cordialidade, do jeitinho até na lógica abissal, ou seja, no sentido de Sérgio Buarque de Holanda, como parte entranhada na cultura da torpeza e de tortura. Torpeza porque praticamos crimes todos os dias, maiores ou menores, como se fosse algo natural, normal. Tortura porque só punimos os inimigos: “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei”[2].

Qual a diferença entre um e um milhão, quando se sabe do mal feito? Quando, por engano, dá-se um real a mais no pagamento e, em seguida, você vê, o cobrador também vê que você viu, tão logo o erro é cometido, e apenas guarda o troco errado, há algo muito errado. Nesse caso, olha-se e agradece, com os olhos apertados, em exclamação. Não é o valor, mas sim o anti-gesto. Em caso conexo, agora mesmo há um carro estacionado na vaga preferencial para deficientes físicos – e o motorista não tem nenhuma deficiência física. Mas sim moral.

Os desfiles de nudismo a favor do golpe de 2016, no centro nervoso da Avenida Paulista, a atuação do ator pornô Alexandre Frota como guru da educação, o Brasil sendo acusado na ONU por não divulgar a lista aristocrática do trabalho escravo, são meros clássicos contemporâneos em grau elevado do que foi descrito acima.
 

Vinício Carrilho Martinez

Professor Adjunto IV da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH

Marcos Del Roio

Professor Titular de Ciências Políticas da UNESP/Marília

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