Sábado, 4 de julho de 2015 - 21h42
Se o capitalismo é uma fábrica, o Estado de Exceção é seu gestor e capataz; bem como a cultura da exceção retroalimenta aspirações de forma-Estado nazi-fascistas. Ao cristalizar o Político no Econômico, o capital abre espaços para que a vida civil (cada vez mais militarizada) seja colonizada (instrumentalizada) pelos aparatos de poder hegemônicos, e sem lastro algum para a ética que permitisse interpelar a ideologia da exceptio e suas manipulações variadas.
Trata-se da exceção sob o comando da globalização pelo alto: globalização do capitalismo com predomínio do neoliberalismo (Ianni, 2004, p. 331). Esta é a fábrica de tensões que não cessa de (re)produzir o terrorismo econômico, religioso, o Terrorismo de Estado e a mais vasta cultura da exceção: xenofobia, islamofobia, criminalização das relações sociais, etnicismos, racismos, fundamentalismos, sexismos, intolerâncias.
A gravidade da questão está no fato de que esta cultura de exceção – sob o mandamento nazi-fascista – está em curso desde a 1ª Guerra Mundial. O arianismo, portanto, é somente uma das facetas culturais da exceção, assim como a missão civilizadora presente no culto do Destino Manifesto: pregação estadunidense fundamentalista/funcionalista dos direitos humanos, mas que recusa se submeter ao Direito Internacional (a escusa ao Tribunal Penal Internacional é um exemplo isolado).
Se no século XIX o bonapartismo foi a religião da burguesia – e, no século XX, o nazi-fascismo –, no século XXI, com certeza, é o Estado de Exceção em suas múltiplas modalidades. Sob esse aspecto, a Guerra-Fria foi substituída pela guerra total com a característica de uma entropia militar de baixa intensidade e que autoriza, em conseqüência, novas medidas do Estado de Exceção.
O Kidon israelense (Frattini, 2014) ainda é pouco conhecido, mas o macartismo nos EUA foi a versão inicial, interna e experimental do Jus Puniendi Global. Desde então, sob esses auspícios, a cultura da exceção se alimenta da satanização do social, do socialista, do comunista ou simplesmente, do que não é ocidental e avidamente capitalista. A exceção – replicando-se no Princípio da Previsibilidade – será um lance decisivo na sistematização, normalização das relações sociais (e de suas entropias), agora racionalizadas como verdadeiros fluxos tecnocráticos.
Como observou Virilio (2005), ocorre uma crescente estetização da violência, uma superexposição da exceção para que se torne habitual, comum, rotineira ao poder e não cause estranheza na sua aplicação mais cruenta e aguda: as cenas mais chocantes da barbárie criminal e terrorista são irradiadas diuturnamente nas TVs e nas redes sociais, como fenômeno viral, antes que entre em cena o Estado Penal e seu arco tipológico. No mesmo cenário, o terrorismo religioso (ou de “lobos solitários”) será o patrocinador do Terrorismo de Estado (e vice-versa). Ou seja, a mesma racionalidade aplicada na administração privada foi publicizada e será duplicada na tutela da dominação e, na falha desta, no golpe constitucional.
Vê-se aí o desenho tipológico (não-ideal) que traria a ficção para a realidade (a redução da maioridade penal aos 16 anos, no Brasil, é o início de um longo processo de deslegitimação dos direitos fundamentais). O desencantamento do mundo vai se traduzindo em controle total de um mundo sem encantamento algum, coisificado, tornado áspero pela violência e reificado no modus operandi da exceptio. Em resposta – no círculo vicioso e vigoroso –, o terrorismo surge e se alastra e disso resultam medidas de antiterror (desde o Terrorismo de Estado) e, em conseqüência, mais e maior criminalização das relações sociais. O Estado de Exceção é vicioso.
Nesta guerra civil generalizada pela falência do Estado Gendarme (protetor), o mundo exterior é a zona potencial de extermínio. Esteira de rolagem que se segue ao moto-contínuo da exclusão, pauperização, violação dos direitos fundamentais – mais a violência sistêmica e sistemática – que retroalimentam as esperanças da cultura mitificada pelos mecanismos de controle total; daí mais inclusão da exclusão (a exceção, por excelência). Por fim, o nazi-fascismo se mostra difuso, permanente, alternado e evidente. Pode-se chamar de guerra civil, guerra suja, guerras irregulares, guerras assimétricas de rua, não importa, objetivos e resultados são os mesmos. O húmus da cultura de exceção substituiu o nomos da Terra (ou se revelou como a outra face, tal qual real e virtual).
Bibliografia
FRATTINI, Eric. Mossad: os carrascos do Kidon – a história do temível Grupo de Operações Especiais de Israel. São Paulo : Seomam, 2014.
IANNI, Octávio. Capitalismo, violência e terrorismo. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2004.
VIRILIO, P. Guerra e Cinema. São Paulo : Boitempo, 2005.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de