Quarta-feira, 3 de outubro de 2012 - 05h13
A parábola bíblica ensina a “não jogar pérolas aos porcos”, o ditado popular adverte para não usar vela boa com defunto ruim. Pode-se dizer que em ambos há muitos significados, mas um desses sentidos nos adverte que o mundo nos oferta boa parte das oportunidades que estamos prontos para receber: “quem planta erva-daninha, colherá erva-daninha”. Neste sentido, a prudência nos diria que “porcos só merecem receber milhos, e nada mais sofisticado”. Burro daquele que insistir em querer que os porcos identifiquem as pérolas da vida. O inteligente sabe que “não se dá bom dia a cavalo”.
Nesse caso, estamos diante de uma bifurcação: “aos porcos, o que é dos porcos; aos inteligentes, o que é dos inteligentes”. Ou seja, de modo bem simples e direto: azar de quem se contenta em ser tratado como porco, sendo privado do que há de melhor, porque se mostrou desidioso, preguiçoso, inconsequente. O indivíduo aqui referendado como porco é incapaz, incompetente para receber o que lhe seria de direito.
Ao contrário disso, o sujeito inteligente – sábio em se mover em suas próprias condições – é capaz de se aproveitar das oportunidades quando estas lhe surgem. E faz isso porque se prepara constante, diariamente, livrando-se da inércia; por estar preparado, bem informado, articulado com o que é realmente importante consegue agarrar as oportunidades. Isso é tão importante para o ser humano que até o direito deve lhe dar guarida, protegendo-o: cabe ação de indenização por “perda da chance”, se o indivíduo que se preparou para o certame for impedido de realizá-lo.
E os outros? Ficam reclamando da sorte, invejando os demais, porque quando tiveram suas oportunidades não estavam aptos para usufruir. Os sujeitos que rejeitam a sina dos porcos querem “montar o cavalo encilhado assim que ele passar, porque não passará duas vezes”. Certos de que a chance é única e que deverão estar conscientes quando forem premiados, sempre estudarão, aprimorando-se no que puderem, porque não se sabe qual é a porta que será aberta pela “cornucópia”: os antigos acreditavam na benção da sorte. Os antigos nos ensinaram que “cavalo dado não se olha os dentes”, você agarra a oportunidade e agradece aos deuses.
O método de trabalho dos não-porcos é a serendipidade: significa simplesmente não rejeitar nenhum conhecimento ou informação válida, não brigar com o conhecimento. “Não gosto disso porque não gosto da pessoa que fala sobre isso”, “não gosto disso porque não sei onde utilizar de modo imediato”. Quem briga com o conhecimento se recusa a deixar de ser seguidor dos porcos da parábola. O sujeito esperto logo será experto: como seu campo de metas é maior, o raio de ação mais amplo, com a mente aberta, o “pensamento abstrato flui normalmente”.
Nem precisava dizer, mas é claro que a educação não pode ser tratada como porcaria, quando deveria ser referendada como assunto de gente inteligente, importante para si e para os demais. Como escreveu Umberto Eco, em Cinco Escritos Morais, só podemos educar os que não querem ser porcos: “Educar para a tolerância adultos que atiram uns nos outros por motivos étnicos e religiosos é tempo perdido. Tarde demais”.
Portanto, o não-porco é senhor do seu destino; já o porco é escravo da ignorância, incompetência. O não-porco sabe o que é pensamento abstrato; o porco não entende a leitura que faz da própria vida. Na Revolução dos Bichos, literatura de George Orwell escrita em 1945, os animais submissos querem se livrar das injustiças. Mas, dominados pela ignorância, desinformação acabam vítimas da concentração de poder e da opressão. Quem eram os animais dominados? Os porcos. Pobres porcos! Antes analfabetos políticos, os porcos acabaram com a dignidade obesa. Os porcos dormem, mordidos pela mosca tsé-tsé.
Para quem ainda possa duvidar, vejamos outra menção que não é fantasia: “As autoridades americanas estão investigando a morte de um fazendeiro que foi devorado pelos próprios porcos que criava em seu rancho.” (em: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2012/10/02/fazendeiro-e-devorado-por-porcos-nos-eua.htm). Os porcos devoram a dignidade, a carne da condição humana, não distinguem o que é para comer e o que é para viver.
Para Bertolt Brecht (1898-1956): “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio, depende das decisões políticas. O Analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o lacaio das empresas nacionais e multinacionais”.
O analfabeto político, como porco insolente, é quem mais agride a humanidade, porque retira a oportunidade de muitos se efetivarem como “animais políticos”: zoon politikón. O porco é um atentado permanente contra a humanização, voltando-se sempre contra a condição humana indicada na realização política do homem livre, atuante.
O porco, como analfabeto político, não consegue pensar adequadamente, tem a mente e a consciência sempre nubladas – o pensamento abstrato lhe é inalcançável. Lembremos que o pensamento abstrato é o aprendizado que adquirimos ao longo da vida e nos impulsiona a usar os sentidos para fugir do nosso próprio circunstanciamento, das limitações impostas e das imperfeições adquiridas.
Para o não-porco, dotado do pensamento abstrato, o olhar adiante, por vezes distante, diletante, procura para além do alcance das mãos; do aqui para o acolá – este é o movimento que amplia nossos horizontes, fazendo ver melhor e mais longe. É um pensamento abstrato (de efeito concreto) porque somos capazes de ver o Outro, de estudar e aprender sobre o que é necessário para a vida individual e social. E é tão obvio que os porcos não são capazes de pensar abstratamente, quanto é certo que lamentarão as pérolas e as chances perdidas.
Para esses que se recusam a crescer, aprender com as diversidades, mais tarde terão de se ver com as adversidades. A lição da vida é simples, ou se aprende o que necessário e pronto ou se abre os olhos para o futuro. Mas, o que é esse futuro? Quando chegar sua vez, e se estiver preparado, você saberá, porque seu presente terá se transformado neste futuro que tanto anseia; os porcos só poderão ver o tempo passar, sem presente e ignorantes do futuro. Por isso, quando alguém fica dando milho aos pombos, olhando o tempo passar, acabará brigando com os porcos por um punhado de milho.
O sujeito que tem a mente aberta, livre da viseira que se usa em cavalos, é claro, encontrará as oportunidades muito mais facilmente do que os dormentes – e não há o que fazer, pois “o direito não socorre a quem dorme”. A crônica de hoje, portanto, é dirigida aos que tem os olhos abertos para si e para a vida, para os outros. Escrevo para os não-porcos – até porque os porcos têm preguiça de ler. Enfim, aos não-porcos, desejo-lhes muita sorte e a riqueza das pérolas.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
Todos os golpes no Brasil são racistas. Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas. É a nossa história, da nossa formação
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
O que o terrorista faz, primordialmente?Provoca terror - que se manifesta nos sentimentos primordiais, os mais antigos e soterrados da humanidade q
Os direitos fundamentais têm esse título porque são a base de outros direitos e das garantias necessárias (também fundamentais) à sua ocorrência, fr