Quinta-feira, 15 de janeiro de 2015 - 14h02
Adotei o lema “Sou Charlie”, após o massacre no jornal francês Charlie Hebdo. E escreverei sempre que a liberdade for assassinada. Não gosto do humor praticado pelo pasquim, com escárnio e pura violência contra ideias e crenças divergentes. Essa intolerância também ameaça a liberdade. Mas, daí a autorizar o que vimos vai uma enorme distância. Como escrevi tantas vezes, repito mais uma: “deploro o sionismo, tanto quanto o antissemitismo”. Alguns alegam mil razões para os ataques, invocando todas as guerras santas – antes de Cristo – e as atuais guerras pelo petróleo. Seria uma reação às ações agressivas do passado e do presente. Conheço todas essas ações. O que não reconheço é a lógica empregada no raciocínio. Porque, se seguisse o pensamento maquínico, teria de concordar com o PCC e a violência imposta contra o povo paulista.
O PCC (Primeiro Comando da Capital) foi criado em 1992, após o massacre de 111 pessoas no Carandiru – alguns trancados nas celas –, como organismo informal de defesa dos presos. Depois se tornou um sindicato e um partido do crime, organizados nacional e internacionalmente. Em 2006 houve um levante que paralisou o Estado, com verdadeira caça a policiais, bombeiros e agentes penitenciários. Novamente, em 2012, 112 policiais teriam sido “encomendados” pela facção criminosa – era um lembrete ao ocorrido em 1992. Uma comemoração mórbida e revoltosa. Contudo, lembremo-nos de que as masmorras, a total desídia e o terror do Poder Público criaram uma medusa do Mal. Aliás, o Mal sempre nasce assim, quando os “de bem” nada fazem. Pois bem, aplicando-se a lei de ação e de reação, cegamente, teríamos de atribuir legitimidade ao crime organizado que, diga-se de passagem, só se organizou porque o Estado foi corrupto e seletivo, enclausurando e condenando à morte alguns cidadãos considerados indesejáveis. Ação e reação: o Estado me condena à morte, na masmorra medieval que é o presídio, e me vingo matando seus policiais.
Além do PCC, será que mais alguém concorda com isso? É de se supor que não. Então, por que devemos achar normal decretar a morte de jornalistas e de cartunistas? A ditadura militar de 1964, na caça aos comunistas e democratas, fez o mesmo no Brasil. Não podemos entortar a lógica, se queremos manter a coerência, para satisfazer um determinado pensamento político ou ideológico. Por mais que seja racista, antiquado, estúpido e virulento, o humor do Charlie Hebdo não pode ser calado como fizeram os universitários nazistas na queima de 20 mil livros “judeus”, em 1933. Sobretudo na universidade e dentre formadores de opinião, a defesa do povo palestino, por exemplo, não nos dá o direito de eliminar a opinião contrária. Para isso existe o Judiciário.
O PCC não representa o Povo, de Michelet, mas sim a Ralé, de Máximo Gorki. Porém, sabedores disso, não estamos autorizados a atacar qualquer povo. O combate ao crime organizado não aprova o preconceito, a discriminação e a perseguição violenta do Estado contra as populações pobres. O fato de haver jihadistas ensandecidos não nos permite concluir que o islamismo é “psiquicamente violento”. Esse racismo com ares de psiquiatria forense definiria os jesuítas como colecionadores de ossos. O que nos compete é combater o fundamentalismo, seja ele qual for. E isto leva a concluir que a premissa precisa ser corrigida, para que o caráter não seja corroído.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de