Terça-feira, 11 de setembro de 2012 - 13h31
Era uma vez uma prisão de segurança máxima no meio da selva amazônica, o engenheiro institucional daquela invenção era o próprio Secretário de Justiça, a mando do governador e apoiado por muita gente graúda e miúda. A invenção tinha alguns pontos novos e outros mais antigos: o mais antigo é que não respeitava a dignidade humana e basicamente nenhum princípio do direito penal. O que tinha de novo é a ideia de que não haveria fugas porque a mata fechada não estimularia ninguém, além do fato de que teriam tempo de sobra para recuperar a consciência ouvindo pássaros e sentindo insetos.
O projeto não era de todo novo, aliás, uma proposta semelhante vinha da época militar, quando presos políticos eram abatidos bem longe do Estado de Direito. Mas, trazia algo de novo, como a expectativa de que a consciência pudesse aflorar dentro do infinito espaço verde – provocando aquela conhecida sensação de pequenez, de ser menor do que as formigas que vão e vem da gigantesca floresta. Mais ou menos como se sentiria um preso num transatlântico em meio ao infinito oceano. Por isso, alguns chamam isto de consciência oceânica, aberta pela dimensão do quase infinito que nos cerca, diminuindo-nos, esmagando-nos em nossa fragilidade e finitude frente à incomensurável vida social.
O indivíduo que fosse capaz de se sentir assim, minúsculo diante da força da natureza, que pudesse ser levado a esta sensação, mas também à sua consciência, poderia ser reclassificado socialmente, porque seria um indivíduo capaz de perceber a grandeza da sociedade. Tal qual a natureza, a sociedade é a imensidão que cerca a todos nós e a ela devemos nos curvar. Este seria o novo tipo de sentimento de ressocialização proposto neste modelo de presídio na selva. Objetiva-se levar o indivíduo a introjetar a coerção e a se ver como parte orgânica do presídio natural. O preso deveria desejar sentir-se naturalmente preso à sociedade.
A sociabilidade, no entanto, não é algo natural e disso também se esqueceu o projetista social das prisões naturais. Esqueceu-se de avisar aos projetistas que a sociedade é fundamentalmente diversa da natureza; sendo a única coisa em comum a eterna luta pela sobrevivência e que também move os homens na sociedade capitalista – em que a sorte, a vida, a fortuna de alguns equivale à derrota, à morte de outros. O que o gênio social se esqueceu de colocar em seu projeto é que esta sensação de abandono, isolamento, esquecimento retiraria qualquer humanidade restante naqueles indivíduos presos. Os projetistas do futuro prisional esqueceram de pensar no “estado de natureza”, em que a vida obriga à morte. Ali, na natureza, cada preso logo se veria como caça ou caçador e, nesta condição, nem é preciso dizer qual lado escolheriam.
Este modelo acabou batizado de Estado Penal, uma fórmula mágica em que para controlar a agressividade social, eleva-se a agressividade institucional. O infrator, especialmente o ator dos chamados crimes mais graves, é reportado como inimigo social, à semelhança do tratamento dado ao inimigo de Estado, quando este é atingido por leis especiais – excepcionais. É curioso que se aplica uma lei especial aos “inimigos sociais”, sem que se reconheça o estado de guerra civil.
Em todo caso, presume-se que não haja ressocialização possível porque o objetivo é agredir a sociedade – o que leva à conclusão de que esses indivíduos já estariam vivendo, por livre escolha, numa espécie de estado de natureza. Pois bem, o gênio social esqueceu de pensar que colocar um suposto infrator/criminoso em condição de estado de natureza, só irá reforçar seu desejo de provocar ainda mais agressão e violência.
Victor Hugo, no romance O último dia de um condenado, já nos avisava: “Tudo é prisão à minha volta. Reconheço o cárcere sob todas as suas formas: sob a forma humana assim como sob a forma de grade ou de ferrolho. Esse muro é prisão de pedra; essa porta é prisão de madeira; esses carcereiros são prisão em carne e osso. A prisão é uma espécie de ser horribilíssimo, completo, indivisível, metade edifício, metade ser humano”. A prisão é corpo e alma, não há saída – a vida de todos que entram ali fica marcada, para o bem e para o mal. Difícil mesmo será tirar o ferrolho colocado às pressas, para satisfazer o desejo da vingança social, uma vez que este se grudará na alma do sujeito como uma tatuagem definitiva.
A prisão-natureza, portanto, só faz acirrar a “animalidade”, e equivale a reagir com mais violência quando se é exposto a alguma forma de negação de sua humanidade. Na selva social, na melhor das hipóteses, os animais lambem suas feridas; mas, as onças jamais se livram de suas pintas.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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