Quinta-feira, 8 de novembro de 2012 - 05h05
Para se sagrar soberano e fazer frente aos poderes rivais (no Brasil, um verdadeiro Estado Paralelo, em comoção de guerra civil), o Estado se atribuí o direitode declarar guerra contra alguns segmentos sociais, por julgar que sua existênciadesestabiliza a paz social. Conforma-se um Estado de Costumes, regulador tanto da vida pública quanto da vida privada. Em São Paulo, a chamada “bancada da bala”, formada por militares que se elegeram vereadores, tras como alternativa a repressão cultural nos bairros de periferia, isto é, reprimindo o baile funk nas perferias, acreditam conter a criminalidade:
Os três oficiais da Polícia Militar eleitos vereadores articulam mudar o Programa de Silêncio Urbano (Psiu) para autorizar o uso de policiais militares da Operação Delegada no combate a bailes funk e ao consumo de álcool nas lojas de conveniência dos postos de gasolina, a partir de 2013. O novo projeto já é defendido dentro do Legislativo pela chamada "bancada da bala", que inclui o coronel Álvaro Batista Camilo, ex-comandante da PM, e o coronel Paulo Adriano Telhada e o capitão Conte Lopes, ex-comandantes da Rota (a tropa de elite da PM) [...] "É isso que queremos mudar na legislação. Precisamos autorizar a presença imediata do agente público no local da denúncia, sem a necessidade de perícia ou de testemunha", acrescenta Camilo[1].
Esta atitude que vê na cultura o motivo da desobediencia e da desordem, como se sabe, é outra característica do direito nazi-fascista. Assim, inaugura-se uma nova fase do Estado de Direito, o que especialistas em criminologia e sociologia criminal têm chamado de Estado Penal. É um tipo de Estado baseado no avanço crescente da privatização da segurança, tendo nascido nos EUA, migrou para a Europa e há tempos chegou ao Brasil. Porém, sua real origem, “totalitária”, como sabemos, provém do modelo pré-nazista apelidado sarcasticamente de Estado de Justiça:
Disso deriva a ambiguidade da expressão Estado de Direito [...] ou de um “Estado de Justiça”, tomada a justiça como um conceito absoluto, abstrato, idealista, espiritualista, que no fundo encontra sua matriz no conceito hegeliano do “Estado Ético”, que fundamenta a concepção do Estado fascista [...] Diga-se, desde logo, que o “Estado de Justiça”, na formulação indicada, nada tem a ver com Estado submetido ao Poder Judiciário, que é um elemento importante do Estado de Direito (SILVA, 2003, p. 100).
Veremos que esse “novo tipo de Estado”(assim designado porque substituiu as “políticas sociais do Estado Providência” pela “política do enrijecimento de medidas punitivas à criminalidade”), ironicamente se viu vítima e aprisionado, sitiado e isolado da sociedade, ao distanciar-se da prática eficaz das políticas públicas. Entretanto, são longevas as “ameaças” ou estranhamentos às modificações por dentro do sistema, com capacidade efetiva de oxigenação de todas as formas de “compressão”, seja do trabalhador alienado da consciência do próprio fazer, seja do sitiado, em seu país ou cultura:
Foi bastante dramática a mudança que solapou o poder da política de consenso, da limitada institucionalização e integração do protesto social, da exportação fácil da violência interna, através de sua transferência ao planos dos conflitos internacionais mistificantes etc [...] A sociedade “afluente transformou-se na sociedade de efluência asfixiante, e a alegada onipotência tecnológica sequer foi capaz de debelar a invasão dos ratos nas deprimentes favelas dos guetos negros [...] (Enquanto prevalecer o poder do capital, o ‘governo mundial’ está fadado a permanecer em devaneio futurológico). A ‘crise de hegemonia ou do Estado em todas as esferas’ (Gramsci) tornou-se um fenômeno verdadeiramente internacional [...] O status quo de pouco tempo atrás vem se desintegrando rápida e dramaticamente diante de nossos próprios olhos — basta querer ver. A distância entre a ‘Cabana do Pai Tomás’ e os bairros sitiados da militância negra é astronômica” (MÉSZAROS,1989, pp. 15-20-25-26- grifos nossos).
Isto foi publicado pela primeira vez por Mészáros no início da década de 70 e é óbvio que a expressão “bairros sitiados” não se refere a nenhum recorte territorial imposto pelo Estado de Emergência Policial, mas não há como negar que hodiernamente vivemos “sitiados em condomínios”, casas fortificadas, com “células de sobrevivência” e muitos outros artífices de guerra. Portanto, não causa espanto dizer-se que nos defendemos, como podemos, nesta “guerra civil”, assim como a própria polícia teve de fazer no auge dos ataques do crime organizado em 2006, no Estado de São Paulo: “os policiais estavam sitiados pelo crime”.
Atualizando-se expressões antigas, “envelhecidas”, como guerra civil, agora especialistas chamam a isto de “guerra assimétrica nas ruas”. Estes são, no fundo, meros demonstrativos do que é se sentir sitiado, isolado, alienado, fragmentado. Mas, a esperança de todo sitiado é justamente trocar a cela pela sala, a heteronomia (tutela) pela autonomia (capacidade real de “dar normas a si mesmo”, “sentindo-se responsável pelo mundo”). Mas, há muito mais, há uma sufocação que nos cerca a todos, sitiados ou simplesmente isolados.
Desse modo, o Estado Penal é aquele que se baseia no sentido arraigado da coerção (tutoria) para afirmar a legitimidade e, principalmente, afirmar uma legalidade criminal, punitiva e repressora, obviamente, de outros direitos e liberdades. No Estado Penal o melhor slogan é “combater o crime” (tolerância zero), atualizando o típico discurso da “manutenção da lei e da ordem”, isto é, do status quo. Desse modo, uma ação típica do Estado Penal é criar tipos penais; mas, o mais evidente resultado desse Estado Penal é, justamente, lucrar com o “combate” à atividade criminosa[2], uma vez que a criminalidade acabou por se tornar altamente lucrativa. No Estado Penal, o encarceramento tornou-se uma verdadeira indústria e uma indústria bastante lucrativa. Para Wacquant (2003, pp. 31-32):
[...] a política do “tudo penal” estimulou o crescimento exponencial do setor das prisões privadas, para o qual as administrações públicas perpetuamente carentes de fundos se voltam para melhor rentabilizar os orçamentos consagrados à gestão das populações encarceradas. Elas eram 1.345 em 1985; serão 49.154 dez anos mais tarde, faturando dinheiro público contra a promessa de economias ridículas: alguns centavos por dia e por preso, mas que, multiplicados por centenas de milhares de cabeças, justificariam a privatização de fato de uma das funções régias do Estado. Um verdadeiro comércio de importação-exportação de prisioneiros prospera hoje entre os diferentes membros da União: a cada ano, o Texas “importa” vários milhares de detentos dos estados vizinhos, ao arrepio do direito de visita das famílias, para reenviá-los no fim da pena para suas cidades de origem, onde serão consignados sob liberdade condicional.
Trata-se de uma verificação acerca do chamado Estado Penal que, paulatinamente, substituiu as ações sociais do Estado Providência, em detrimento de um jus puniendi muito mais repressivo/punitivo. As malhas do Estado Penal atingem sobremaneira as classes desfavorecidas do sistema social e econômico, dando ênfase à criação de tipos penais que culminam com a aplicação desmedida da pena privativa de liberdade, o que ainda resulta na superpopulação carcerária e na desumanidade na execução da pena. O fim último deste Estado Penal é a privatização/terceirização dos presídios, numa demonstração de que, a partir da ascensão do sistema de produção capitalista até os dias atuais, o Direito Penal tem servido para a manutenção do status quo das classes mais abastadas, detentoras do poder em sua mais larga acepção.
Bibliografia
MÉSZÁROS, István. A necessidade do controle social. 2ª Ed. Editora Ensaio: São Paulo, 1989.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
LOIC, Wacquant. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2ª ed. – Rio de Janeiro: Revan, 2003.
______ As prisões da miséria. Tradução, André Telles. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2001.
Fátima Ferreira P. dos Santos
Professora de ética e noções de direito
Centro Universitário/UNIVEM/Marilia-SP
Mestre em direito
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
[1]http://portal-jj.jusbrasil.com.br/politica/103734677/policiais-querem-fim-de-funk. Acesso em: 02/11/2012.
[2]A ponta desse iceberg é exatamente a privatização dos presídios e ou a terceirização dos serviços.
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