Terça-feira, 3 de fevereiro de 2015 - 12h22
Meus alunos que, de fato, leram com alguma atenção os textos passados em sala – ou que foram alunos dedicados de outros professores ou cidadãos apenas interessados na cultura jurídica –, sabem perfeitamente que violar direitos fundamentais é prática fascista, confiável ao Estado de não-Direito. Como ensinava o jurista Roberto Lyra Filho, aplicando-se pela instrução do antidireito (na forma de ideologia dominante), a manipulação jurídica congrega o fascismo que vem rastejante.
Tempos atrás, supostamente envolvidos em manifestações (ou em apoio à greve das universidades públicas estaduais), professores e alunos da UNESP/Marília foram perseguidos, admoestados e intimidados por policiais militares. Deveriam ter feito um boletim de ocorrência; porém, entendo suas recusas: “Direito, data vênia ... direito?”. Tínhamos na cidade um Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania, e penso que seria o caso de uma atuação mais incisiva diante de fatos de natureza nitidamente repressiva. O coronelismo e o provincianismo renitente ainda propagam a ideologia de que “a política é caso de polícia”.
O caso mais emblemático, no entanto, envolve 23 manifestantes e professores presos, no Rio de Janeiro, porque tinham em suas casas camisetas pretas, cadernos e lápis. Um dos detidos levava na mochila uma garrafa de Pinho Sol (como assim?). Seus advogados foram grampeados em escutas nos celulares e o juiz da ação (Flávio Itabaiana) se gaba de nunca ter absolvido ninguém. Se nunca absolveu, é porque deve ter absorvido muito antidireito. “Operadores do direito” conhecem ou decoram muitas leis, mas raramente conhecem o Direito. E assim, o juiz Itabaiana acatou a denúncia do Ministério Público e revogou o habeas corpus concedido pelo juiz Siro Darlan. O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) foi inquirido como testemunha de defesa; contudo, será que suas prerrogativas serão asseguradas?
No geral, são acusados de organização criminosa, formação de quadrilha, danos ao patrimônio público, incitação à violência e ao cometimento de outros crimes. Suas casas foram invadidas e bens foram confiscados, mas, note-se, sem mandado judicial. Isso a Gestapo também fazia. Até o julgamento final, todos têm seus direitos políticos suspensos: para Itabaiana, os acusados têm “alta periculosidade” e não podem deixar a comarca do RJ e nem participar de qualquer manifestação política. Faltou dizer que eram subversivos, porque protestaram contra a realização da Copa do Mundo/2014. Nesse caso, eu também deveria estar preso.
Vendo-se o quadro completo, somando-se os dois episódios, de Marília e do RJ, é como se não houvesse Estado de Direito, sem conhecimento da própria Revolução Burguesa e dos direitos civis – estes, aliás, anunciados em 1215 pela Carta Magna inglesa. A Constituição Brasileira de 1988 serve de peso de papel na mesa do(s) magistrados(s), especialmente o art. 5º, X, XI, XII. Aí é fácil invadir a residência, grampear telefone, apreender e prender, ameaçar e bater. Por isso, os julgamentos de exceção não precisam recorrer à Lei de Segurança Nacional e nem pressionar pela aprovação da Lei Antiterror que tramita no Congresso Nacional. Só uma justiça bem cega não vê que se trata do Estado de Exceção (permanente, global, exemplar e hegemônico). Exceção, mesmo, é o bom senso. De senso comum e de “juízes de exceção”, a justiça está cheia.
Vinício Carrilho Martinez
Professor da Universidade Federal de São Carlos
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de