Sexta-feira, 14 de março de 2014 - 19h11
Na linguagem antiga, nos idos de nossos pais na frente da TV com chiado, dizia-se que “o sinal caiu” e que “a TV estava fora do ar”. Nunca entendi muito bem o sentido empregado, porque a TV evidentemente não deveria estar no ar ou fora dele...fora do ar é quem está com asfixia ou, no caso mais estático: o vácuo. Enfim, estar fora do ar refere-se ao sujeito que perdeu os sentidos, que não tem mais significados para trocar com os outros.
Hoje, pensa-se erroneamente que ninguém está fora do ar por escolha pessoal, que só não se liga com o mundo quem não quer: realmente, conheço pessoas que não tem celular. Eu mesmo tenho um perfil no “face” que não acesso há anos: vi tanta besteira que desisti. Nas últimas, um estudante postava uma foto sua ao lado de um modelo de cera de Hitler. Não dá, também não tenho tempo para idiotices.
Enfim, há 25 anos a Internet era inventada e desde então, como “aldeia global” (McLuhan), o mundo nunca mais seria o mesmo. Muita coisa foi adicionada, a exemplo do Windows e das tecnologias Wiki, os softwares livres - aliás, ainda não temos um Marco Civil para a Internet. Nos anos de 1990 os grupos políticos descobriram o uso combinado dos celulares e dos e-mails: em Chiapas, México, os zapatistas liderados pelo subcomandante Marcos enfrentaram o exército mexicano e mobilizaram toda a opinião pública internacional. Era o primeiro caso registrado do que hoje chamamos de redes sociais (sic...o SUS também é uma rede social).
Os movimentos de enfrentamento ao capital especulativo – a partir de Davos/Suíça – rapidamente criaram redes de contato massivo que reuniam milhares de jovens que não se conheciam, mas com ideais em comum: lutar contra o capital que condena milhões a morrer de fome e de exclusão total. Hoje, no Brasil, vemos os rolezinhos, a comunicação instantânea que movimenta os Black Blocs. Tudo na base de msn e das tais redes sociais de comunicação.
No entanto, quando olhamos os números de acesso e de inclusão digital no país, vemos que uma multidão de brasileiros (pobres, evidentemente) estão totalmente fora do ar. Estão fora do ar, fora da economia, fora da política, fora do direito, fora da sociedade de comunicação. Pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revela dados assustadores: 70% dos domicílios das regiões Norte/Nordeste não têm acesso à Internet; 60% de todas as famílias do Brasil não tem pc (computador pessoal) em casa. No século XXI, não há absurdo maior do que o fato de que 60% das famílias, quase 100 milhões de pessoas, não ter sequer um computador em casa, como este que uso para escrever o texto. Cem milhões de pessoas seguem sem-direito à comunicação. Não têm direito à voz, são sitiados no próprio país.
Essa pesquisa nos prova que o país está fora do ar; como também dizia-se antigamente, o país não está com nada. Para quem acredita em justiça, pense no que se reduz a vida desses 100 milhões de pessoas. Sem acessar o mundo, não há como se informar com qualidade. Ficam no ouvi dizer, precisam de outros para trocar mensagens. Dependentes na comunicação, não conhecem o alcance da autonomia.
Os gregos antigos diziam que sem isegoria (capacidade de se expressar, da livre-comunicação) os indivíduos não se completam como cidadãos, limitam-se como idiotes. O cidadão (ídion) que perdia sua singularidade - por exemplo, por não se comunicar livremente - tornava-se algo parecido com o idiota que conhecemos atualmente. O escravo da vontade dos outros, ontem e hoje, são tratados como idiotas. Toda vez que lhe sussurrarem sobre censura, lembre-se dos idiotas que sugerem tal situação.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto III da Universidade Federal de Rondônia – UFRO, junto ao Departamento de Ciências Jurídicas/DCJ. Pós-Doutor em Educação e em Ciências Sociais e Doutor pela Universidade de São Paulo. Bacharel em Ciências Sociais. Jornalista.
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Vinício Carrilho Martinez (Dr.) Cientista Social e professor da UFSCar Márlon Pessanha Doutor em Ensino de CiênciasDocente da Universidade Federal de