Sexta-feira, 21 de setembro de 2012 - 11h37
Pensei que já tivesse visto tudo – ou quase tudo em termos de coisas estranhas acerca do capitalismo – mas ainda sou capaz de me surpreender. Por um lado é bom, pois revela que não estou indiferente, que ainda fico chocado, indignado; por outro, mostra que o sistema é capaz de gerar sucessivas doenças morais e sociais. Este foi o efeito produzido pela reportagem abaixo:
“Me sentia um lixo’, afirmou o microempresário Elcio Milczwski, 34, numa referência aos anos em que trabalhou na Ambev de Curitiba e era obrigado a ver garotas de programa tirarem a roupa, a esfregar óleo bronzeador no corpo delas e a assistir a filmes pornográficos em reuniões de ‘motivação’. A empresa foi condenada pelo TST (Tribunal Superior do Trabalho), mantendo condenação do TRT do Paraná, a pagar indenização de R$ 50 mil por ‘assédio moral decorrente de constrangimento”.
O mais estranho é que a doença para sempre ter mais, em um dado momento, aproxima-se demais da burrice. Este é o ponto em que, para aumentar os lucros, o indivíduo ou a empresa entram em colapso mental, moral e, totalmente dispersos do bom senso, cometem as maiores tolices. Ao afrontar o bom senso, invadem sem cautela os limites da lei, da sensatez.
Neste exemplo, é tão grande a distância entre o mínimo de inteligência e a ação institucional que se cometeu um crime grave, com lesão ao patrimônio da empresa. Isto é, além de não aumentar nenhum ganho, a empresa ainda teve prejuízo com advogados, com a indenização e, a mais grave de todas, teve a imagem totalmente chamuscada – e quanto a isso não há mais remédio, porque a decisão é de última instância.
Com a boca cheia, dizia-se que a Ambev foi a primeira multinacional brasileira. Como se o formato capitalista com base em multinacionais, com eliminação total da concorrência, fosse um fenômeno nacional. Ao contrário, o chamado Capitalismo Monopolista de Estado não traz benefício social, uma vez que, limitado à concentração de capitais não gera riqueza, trabalho ou segurança social.
Portanto, é fácil ver que, quando se diz que pelo lucro fácil se faz qualquer coisa, não é força de expressão. Há um apego quase insondável, inconfessável, invencível pelo dinheiro e pela acumulação de capital que muitos se comportam como doentes, obcecados.
O sujeito sabe que vai morrer e não usará nem um terço do que já tem, mas continua sua saga ensandecida por mais dinheiro. Do ponto de vista pessoal, é como se uma doença mental fortíssima se apoderasse dessa pessoa; uma loucura que não se vence nem com tarja preta.
Vendo-se pelo mercado, tem-se uma lógica em que, ou se vive desse modo, na base do tudo pelo dinheiro, ou não se realiza como cidadão, como pessoa humana. O cidadão completo é aquele que nem consegue contabilizar seu patrimônio, imortalizado na figura do Tio Patinhas. E se o sujeito conta os caraminguás e não enche a mão para descrever os bens valiosos – carro velho, casa de madeira, dois mil na poupança – esse não é de nada.
O patrimônio amarrado à força de trabalho, em que o trabalho é a garantia da sobrevivência, é próprio do trabalhador, de gente pobre, de segunda cidadania capitalista. Fala-se do lado fraco na luta de classes, longe do poder, distante do sucesso pessoal e social. Este sujeito não tem património, na verdade só conhece a força de trabalho que precisa vender todos os dias. Ele não vive contando dinheiro e vantagens, ele sobrevive do trabalho, contando as migalhas que caem do banquete das Ambevs da vida.
Cinicamente, ao invés de se reportar o humanismo na capacidade de solidificação das relações humanas, coloca-se o enriquecimento sem fim como condição humana. Logo, se o indivíduo é incapaz ou se está incapacitado para elevar suas próprias taxas de juros, é como se tivesse suspensos seus direitos fundamentais de pessoa humana.
Em 1832, o gênio alemão Johann W. Goethe publicou a versão definitiva de O Fausto, uma narrativa da tragédia humana baseada no acordo moral acertado com o diabo, com o capital. A lenda foi retomada no filme Motoqueiro Fantasma. Logo depois, em 1848, o pensador alemão Karl Marx publicou o Manifesto do Partido Comunista, em que descrevia em parábolas o avanço inarredável do capitalismo sob a regra do que “sagrado será profanado”. Só não imaginei que a inteligência devesse também ser profanada.
Pensando que atrás da Ambev há muitos outros bêbados pelo sucesso da riqueza, sinto que no Brasil há muita coisa de monstruosidade social que nem o Motoqueiro Fantasma explica.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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