Quinta-feira, 31 de dezembro de 2015 - 18h26
Na virada para 2016, trarei um tema antigo – ou clássico – para a coluna: os mitos que nos comovem.
Por exemplo, é emocionante ver o Rogério Ceni falar, para 60 mil pessoas no Morumbi, que: “o passado precisa morrer, para o futuro nascer”. Porém, deve-se discordar. Porque somos, exatamente, o passado em metamorfose (ou mutação). Portanto, vivemos o passado como mito do tormento ou da liberdade.
Veja-se que a física clássica não foi subsumida pela física quântica. A demonstração da entropia continua clássica e atuante. A Lei da Gravidade está de pé – ou deitada – tanto no passado, quanto no presente.
E=MC2 não é uma fórmula pós-moderna. É uma descoberta tardia de uma realidade infinita no tempo. Com exceção da mutação, o passado é um carma íntegro. A genética não aboliu o darwinismo.
Hoje apenas entendemos melhor como e porque a mudança é fator essencial de assimilação e de acomodação. O mesmo valeria para as “leis sociais”. Sem mudança não há conhecimento, não há o novo, pois que vigora o retrocesso.
O mito da cordialidade, por exemplo, é em si um ajuste significativo – revelador e crítico – de outro mito nacional: da democracia racial. O brasileiro não é bonzinho, é racista, machista, elitista; é um cínico à espera de bons resultados.
Pelé é o maior dos mitos do futebol, um gênio inigualável: nele está incrustado o mito de que a criatividade ultrapassa as quatro linhas da opressão social. Gérson tinha uma precisão futebolística que só as máquinas modernas poderiam descrever.
No entanto, Pelé não é sinônimo de cidadania e Gérson sucumbiu na previsão de que “é preciso levar vantagem em tudo”. Pelé não reconhece alguns filhos e Gérson não quis dizer o que disse: era só um comercial de cigarros.
Como se vê, os mitos são corruptelas da verdade, suas metamorfoses revelam “coisas”, como dados embrutecidos das pessoas, que nem elas mesmas conheciam ou seriam capazes de formular em outros ambientes sociais recriados.
Mas, é preciso ter atenção para o fato de que o mito não corrompe o real; ao contrário, conta com realismo o que não se encontra na razão do homem médio em sua vida comum.
Sem o novo, não há o Outro. A cultura brasileira, desse modo, não reconhece a alteridade. E, por tudo isso, não há “novo” paradigma. Estamos atolados nos mesmos repertórios de quando fomos descobertos, no que é a lei mais severa do paradigma clássico.
Poderemos e deveremos falar de um novo paradigma quando as físicas forem unificadas, quando a política não servir à manipulação e se servir da mentira e da corrupção, quando a sociedade for liberta do capital, quando o direito ultrapassar a divisão de classes sociais, quando ciência e tecnologia não servirem à guerra da soberania de conquista (já dito por Einstein).
Até lá, cada um viverá seus próprios mitos, no gol ou na linha. E a maioria passará suas longevas vidas sem desconfiar de que por trás de cada mito há um enorme e invencível realismo político. Aliás, feliz daquele que tem mitos, porque assim não precisa invejar os(as) outros(as).
Certo mesmo é que: sem metamorfose ou mutação não há mudança e o mito se congela como se fosse um passado condenado a ser presente. Somos filhos das grandes viagens marítimas, mas estamos ancorados há séculos em velhas superstições.
Nosso maior e pior mito, enfim, é acreditar que já mudamos – sem fazer esforço algum. Mudamos pela inércia? Nossa força estará na geração espontânea? Não. Apenas cremos, como no mito do criacionismo, que nascemos para o bem. Independentemente de quanto Mal possamos fazer. Este, sim, é o mito do ser nacional bonzinho.
Tem mito da necessidade, do Estado, da criação ou da pobreza – dos que herdarão o reino dos céus. Mas, não tem mito da fraqueza. Só os fortes e os sobreviventes têm mitos. Porque mito não é dádiva, é construção social.
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
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