Domingo, 25 de agosto de 2019 - 09h30
Material Didático
VINÍCIO CARRILHO MARTINEZ (Dr.)
PPGCTS/DEd – UFSCAR
Ian Rittmeister Mazzeu
Doutorando em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Mestre e bacharel em
Imagem e Som. Produtor audiovisual SEaD/UFSCar.
São Carlos/SP
2019
O QUE É POLÍTICA
Política ou política?
Docente Responsável: Vinício Carrilho Martinez
Professor associado da UFSCar/DEd. Pós-Doutor em
Educação e em Ciências Políticas. Doutor em Educação e em Ciências Sociais.
Mestre em Educação e em Direito. Bacharel em Ciências Sociais e em Direito.
RESUMO:
O texto a seguir tem por objetivo trazer alguns sentidos e significados acerca
do verbete política e de alguns correlacionados: Poder Político; políticos
profissionais; realismo político e outros. Veremos, portanto, que política
(minúscula), a qual temos em abundância na realidade da vida comum do homem
médio, não se equipara como sinônimo de Política (maiúscula), esta como ideal
de Pólis e de emancipação humana. No
entanto, o intuito deste texto é meramente didático, visto que nesta forma
adotada não se propõe como artigo científico – ainda que traga discussões com
amparo em autores considerados como clássicos da Ciência Política e das Teorias
do Estado. No conjunto, o texto revela a coletânea de vários pequenos textos
produzidos para efeito didático, mas com a incumbência de serem publicados em
jornais diários e em sites de
consulta popular ou de debate político-jurídico. Portanto, o texto se dedica a
iniciantes.
Objetivos específicos: 1º. Recuperar o período clássico – da Grécia
antiga e do Renascimento –, a ideia de modernidade política com destaque
especial para os clássicos de Maquiavel e de Hobbes (Estado Moderno); 2º.
Apontar as principais diferenciações advindas com o período das grandes
transformações, em que se destacam a Liberdade, a Emancipação, a Cidadania, o
Poder, a Democracia e o Estado de Direito; 3º. Fundamentar alguns pontos de
regularização e de funcionamento da República – em que pese a constância da
violência no cenário político – e do Estado Democrático.
Justificativa e breve introdução
Observando-se
as bases clássicas de formação do pensamento político ocidental, podemos
avaliar com mais prudência a formação/organização (centralização) do poder,
especialmente do Estado (Poder Político), do Direito – enquanto ciência e
pressuposto da racionalidade (Princípio Civilizatório) –, bem como das
principais instituições de gestão desse poder organizado, a exemplo da Política
(Pólis), da Democracia (participação, sociabilidade), da República (o bom senso
da coisa pública), da Cidadania (isonomia, inclusão), da Liberdade Negativa
(autocontenção do poder/emancipação). O papel desempenhado pela educação, no
sentido de função social – a essa altura de plena fundamentação política, pois
não há neutralidade – é essencial desde as bases da Ética a Nicômaco até a
Educação Pública, como universalidade da razão que viria com a Revolução
Francesa e como sustentação da universalidade (objetividade, previsibilidade)
do direito requerido desde então. Para efeito didático estará dividido em duas
grandes partes: a 1ª mais conceitual, a 2ª mais ideológica.
1ª PARTE
Esta parte, iniciante, tem por
objetivo apresentar um sentido bastante amplo do que se pode entender por
política. Não há, por assim dizer, questões muitos controversas ou provocativas.
Política para crianças
Crianças
aprendem política quando são educadas para respeitar o espaço de outras
crianças ou a não falarem com a boca cheia. Crianças também aprendem política
quando ouvem "não" de seus pais porque faziam birra querendo alguma
coisa indevida naquele momento. Mais crescidas, as crianças são avaliadas, na
escola, a partir de seu desempenho, se fizeram as lições, se estudaram. Por
isso, a avaliação ainda demonstra o empenho (ou não) das crianças. As crianças,
de várias idades e mesmo em tom de brincadeira, aprendem política tanto em
jogos e atividades coletivas quando exercitam as regras, como quando entendem o
porquê de pôr o seu lixo no cesto, por exemplo.
Por
vezes, em campanhas educativas propositalmente inseridas, como as que ensinam
noções básicas de trânsito em carrinhos e pequenos percursos controlados, as
crianças são levadas a conhecer regras propriamente públicas, estatais, além do
convívio direto com as regras formais de respeito e de bom senso. Com essas
noções de trânsito aprendem a necessidade do respeito aos outros, mas
igualmente exercitam o cuidado consigo.
Esses
são apenas alguns exemplos e se referem, logicamente, às crianças escolarizadas
e que têm algum suporte em casa – entretanto, há crianças, muitas crianças, que
nem conhecem seus pais – mas, no geral, esse jogo de regras básicas ajuda no
amadurecimento delas. O "não" de hoje pode fazer, sim, toda a
diferença amanhã, haja vista as crianças serem capazes de muitas coisas, se
educarmos bem. No fundo, faz tanta diferença que explicaria porque temos tantos
adultos mal-educados (mal-intencionados) abusando e ferindo a política. É
provável que esses adultos abusadores da política não foram educados em jogos e
práticas políticas na infância, o que teria lhes elevado o padrão moral.
Em
outras palavras, é como se o adulto corrupto não passasse de uma criança
mal-educada, mimada, que nunca teve limites para suas vontades. A criança
egoísta de hoje, se não for bem tratada e educada, certamente, será o adulto
egocêntrico de amanhã. Daí o extremo egoísmo, o cinismo, a atitude psicótica
com que lidam com a coisa pública (a corrupção também é um problema de saúde
mental).
O
dilema, então, é que a má educação desses adultos acaba por degradar a vida de
milhões de outros adultos e crianças. Por fim, são exemplos simples de que não
há instância da vida sem política e de que toda educação – boa ou má – é
extremamente politizada. Até as crianças sabem disso.
A política é cotidiana
1.
A
política é a arte do humano, do “fazer-se humano”.
2.
Somente
se é, ao "fazer-se política". Porque só nos tornamos humanos, fazendo
política.
Desde
quando os homens discutiam entre si as melhores condições para assentar seu
grupo social (onde haveria o melhor campo de caça e água limpa e abundante, por
exemplo) até a definição de regras para a propaganda político-eleitoral nas
redes sociais (algo primordial em tempos de Fake
News), somos resultado da política.
A
sociabilidade, pré-requisito da Interação Social, assim como a empatia,
inicia-se quando se debate politicamente se haverá um agrupamento humano, em
que condições, para que fins: contornando, negociando o melhor caminho a
seguir. Essa dialética entre meios e fins é, obviamente, política, não só
porque impõe escolhas, mas também porque estabelece limites à divergência de
interesses.
Então, o Homem se constitui como ser social;
porém, somente após ter firmado a opção de se constituir como animal político: zoonpolitikón. A definição dos fins e a
escolha dos meios eficazes para sua construção destacam tanto a opção política
quanto a racionalidade, maior ou menor, no manejo das escolhas – diante das
opções/possibilidades – e na operacionalização dos recursos para a consecução
dos objetivos propostos.
Quando
o estudante indaga a seu professor ou orientador sobre os critérios de
avaliação, ele aborda duas questões ou dimensões políticas: seu julgamento é
racional, “qual a razão de tal nota ou conceito?”. Porém, também acentua sua
preocupação com a legitimidade do resultado: “os meios foram bem empregados? O
combinado foi cumprido? A aferição é justa?”.
A
dona de casa, a mulher, a senhora que pechincha ou reclama dos preços, que não
compra itens encarecidos, que os troca por outros que estão no tempo da safra,
elas fazem política. Trata-se da racionalidade da economia: “não é racional –
nada razoável – permitir que me explorem se tenho a capacidade de evitar”.
Essas
mesmas mulheres fazem política quando se aliam contra a cultura do
machismo. E os homens que se engajam na luta contra o machismo e contra a
misoginia fazem política para si, porque atuam em prol do(a) Outro(a).
As
trabalhadoras e os trabalhadores que lutam por direitos, evidentemente, fazem
política. Por isso fazem greves – algumas vezes são enrolados pelos
empregadores, em locautes ou blecautes.
A
política se faz dentro e fora dos partidos políticos, por cidadãos motivados ou
indiferentes às objetivações sociais. Há política com mais, ou menos militância,
quando se luta a favor ou contra essa ou aquela lei.
Faz
política quem diz que ela é a “arte do exercício do acúmulo de poder” tanto
quanto quem a defende como a forma humanizada de se prover recursos a uma
determinada organização social
Há
política na fome. Há política na seca. Há política no desenvolvimento. Há
política na qualidade do ar que se respira ou na cor e na saúde da água que se
bebe (ou não se bebe). Há política na quantidade de bebês que nascem,
(sobre)vivem ou morrem. Há política nos direitos reprodutivos e há política no
aborto.
Na prática, na luta pelo controle do
espaço público e pela requisição de direitos e de legitimidade, os adjetivos
são incorporados: Política Social; Política Econômica; Política Cultural;
políticas (im)populares; Política Financista; Política Trabalhista; Política
Judicial; Política Ambiental; Política Educacional; Política de Estado.
Nesse
sentido, o homem é um animal político que se torna um ser social, pois tanto
fazemos política para garantir uma organização social quanto para modificar ou
revolucionar o status quo.
Assim,
há política quando se constroem escolas ou hospícios, ainda que os últimos não
sejam edificados rotineiramente. Até porque muitos de seus idealizadores há
muito não vão às escolas e, talvez, se tornassem clientes assíduos dos
hospícios.
Contudo,
a pior forma de se "fazer-política" é própria daquele ou daquela que
fala com "convicção" que detesta a política. Isso porque promove
entropia desagregadora, caos social, uma vez que a luta pela democracia promove
energia social positiva.
Tanto
o apático quanto aqueles interessados na apatia (os cínicos) são os piores
atores da política, porque sua forma de “fazer-política” compactua com a
desumanização – se lembrarmos que o Homem é um animal político.
Concluindo,
o melhor político é o cidadão que emprega suas forças para que o pior
indivíduo, aquele que se diz "apolítico" (ser humano despolitizado,
dessocializado) não prospere em suas intenções mentirosas e desumanizadoras.
O que é política, afinal?
Comumente
se diz que política é a arte de governar, e está também relacionada à nossa
capacidade de fazer escolhas a partir dos conceitos que temos das coisas que
nos cercam, ou ainda, das coisas que nos são impostas pela própria condição que
a política nos apresenta. Porque a política está diretamente relacionada à vida
em sociedade, no sentido de que cada pessoa possa expressar suas ideias,
diferenças, escolhas e conflitos – sem, contudo, criar um caos social.
O
ideal seria que, ao fazer suas escolhas, nenhum cidadão pudesse com isso
prejudicar as escolhas do outro. Daí se afirmar que o surgimento da política
aconteceu para assegurar uma determinada estabilidade social. Depois,
historicamente, essa estabilidade se desenvolveu como “status” e, por fim, solidificou-se
como Estado.
No entanto, a origem do termo vem do
grego antigo politeia que significa
tudo aquilo que é relativo ao cidadão e ao Estado; de, para, ou relacionado a
grupos que integram a Pólis e que,
por sua vez, designa tudo aquilo que é público e pertencente à cidade.
Diz-se, ainda, que a palavra política
decorre da união de duas palavras gregas Pólis,
que significa cidade, e tikós, que
significa boa coisa pública – boa no sentido de ética pública. A partir dessa
conjunção etimológica é que se pode dizer que, quando se fala de política
fala-se, automaticamente, em relação de poder.
O
Poder Popular, conforme a Constituição Federal de 1988, artigo 1°, parágrafo
único, emana do povo e em um processo de escolha é atribuído a algumas pessoas
que, em seu nome, o representa para cuidar das coisas públicas. Portanto, o
poder legitimamente emana do povo e a ele deve se dirigir visando às coisas
públicas, dos Estados da Federação, do país e de todos os cidadãos.
Nesse sentido, política refere-se a
tudo aquilo que diz respeito ao espaço público, à organização, direção e
administração da Nação ou do Estado, tendo por finalidade o exercício do poder
público para a coisa pública.
Para Aristóteles, um dos maiores
filósofos da Grécia clássica, a política é a ciência que tem por objetivo
trazer felicidade ao homem e divide-se em ética e em política propriamente
dita. No sentido ético, a política deve trazer felicidade ao cidadão/indivíduo,
habitante da Pólis; em termos
políticos, essa felicidade seria atribuída a toda coletividade, ao bem-estar da
Pólis.
Em suma, pode-se dizer que a Política
é o exercício ético do poder, da organização, do gerenciamento da coisa pública
em razão do “bem público”, da felicidade individual e coletiva dos habitantes
do Estado e da Nação.
Sendo assim, perguntemo-nos: quem terá
essas qualidades na eleição nacional de 2018? Quem tem noção e compromisso
efetivo com as pautas da saúde e da educação pública? Quem seria capaz de
desenvolver a economia, gerar empregos, mas sem retirar ainda mais direitos dos
trabalhadores? Quem tem um programa de recuperação do bem-estar, sem aniquilar
o meio ambiente? Quem prefere distribuir renda a liberar a venda de armas de
fogo? Quem defende as minorias, especialmente os pobres, as mulheres e os
negros? Quem sabe que, sem bem-estar e gestão pública (não privada) do dinheiro
do povo, não se enfrenta a violência social?
Na política não há impunidade
Às vezes, os acertos têm mais custo do
que benefício. Por isso também se diz, muito apropriadamente, que “o inferno
está cheio de boas intenções”. Afinal, ao contrário da (in)justiça e do Poder
Judiciário, nas atribulações políticas não há impunidade. De um modo ou de
outro paga-se o custo – e pode ser bem alto. No direito há um brocardo - um princípio ou axioma jurídico, em maior
parte escrito em latim, e que expressa concisamente um conceito ou regra
jurídica maior - bem claro: “o direito não socorre a quem dorme”. Ou,
como diz o ditado popular, “não há almoço grátis”.
Ao
agir ou deixar de fazer, sempre haverá consequências – e um alto preço no final
das contas. A escolha de um vice, para compor uma chapa eleitoral, por exemplo,
pode resultar na criação de um opositor dentro de casa, e muito interessado em
que haja impeachment.
Se na política pode-se dizer que
sempre há ônus e bônus, custo e benefício – para qualquer um dos lados
envolvidos – também podemos supor que tanto vamos à frente, quanto retroagimos. Se por um lado há os Donos do Poder cobrando
por mais privilégios, igualmente há que se ponderar que na Política (Pólis) há uma força histórica guiada
pela perfectibilidade e pela teleologia. É isso que resume o “fazer-política”
no tocante ao processo civilizatório; ao contrário do senso comum e do poder
instaurado que se movem pela “política de resultados”.
É verdade que ambas as formas trarão
resultados: bons e maus para alguns, bons e maus para outros. A diferença é que
os Donos do Poder querem os bons resultados somente para si, via de regra,
socializando os prejuízos da própria história.
No processo civilizatório, em que se
olha sobre os ombros da Humanidade – num esforço teleológico para se ver mais
longe – os ganhos é que são socializados. Assim se deu com o Direito, com a
Ciência e com a própria Política, se entendermos que a República moderna tem
melhores substratos e resultados do que o pensamento republicano na sua origem
romana.
Ainda
que idealmente, pode-se dizer que a República moderna dispõe de mecanismos de
autocontrole – “freios e contrapesos” – e que a instituição romana só contava
com o dictator. Todavia, como há
fluxo e refluxo no organismo político da atualidade, as ditaduras
constitucionais são muito piores (porque são mais elaboradas) do que a
existência do dictator.
Desse modo, se na República e na
Democracia – resguardadas pelo Estado de Direito – ganham destaque a
perfectibilidade (melhorar sempre que possível) e a teleologia (a razão que
guia a humanização), na falta de ambas ocorrem corrupções, abusos, exceções.
Se
o processo civilizatório transcorre pela condução de “regras claras e
reconhecíveis”, pela maioria, no seu retrocesso vigoram as “regras de exceção”.
E mesmo as exceções são boas e más: há as que incluem (políticas afirmativas) e
as que excluem: “tratar com isonomia os que são desiguais”.
De todo modo, há custo envolvido. E,
por isso, quer seja o “fazer-política” inerente à política de resultados (Realpolitik), quer seja na Política –
diante do ideário de que a Humanidade é formada por “animais políticos” (Pólis) que se afirmam na racionalidade
de suas escolhas, incluídos e emancipados do jugo externo à sua consciência –
não há impunidade.
Basta-nos pensar quanto custa – não
apenas financeiramente – manter o processo democrático, o direito à justiça, ou
seja, manter o “fazer-política” sob as mínimas condições éticas. Se houvesse
melhor educação – popular, de qualidade, democrática, laica – o “custo
judicial/penal” não seria menor?
Por
outro lado, sabe-se que apenas a elevação dos investimentos (gastos em
dinheiro) em educação não modifica positivamente os ganhos gerais. Escolas mais
pobres podem ter melhores resultados do que outras com grande aporte
financeiro. No entanto, tal fato revela que as circunstâncias sociais e
culturais são determinantes – e não que se deve reduzir os investimentos em
educação.
Cada
real aplicado na preservação/conservação do meio ambiente não traz economia
para o combalido sistema público de saúde?
Agindo na melhor das condições, para
acertar ou errar (ocasionalmente ou de forma proposital), há custos que todos
pagarão em cotas – ainda que não iguais. E mais uma vez pode-se indagar: a
reforma trabalhista aqueceu o mercado, o consumo, a geração de mais empregos ou
estimulou a informalidade, reduzindo a arrecadação de tributos para a
previdência pública, elevando-se o próprio endividamento público?
O
custo, entre bônus e ônus, portanto, de alguma forma será repartido. Daí que
ninguém escapa e, por isso, não há impunidade. Mais cedo ou mais tarde a
história faz seu preço e nos acerta enquanto grupo, sociedade, povo ou
Humanidade.
Vê-se isso no meio ambiente, na
concentração de capitais que nos afoga em miséria, tanto quanto no
aprofundamento da consciência política frente à necessidade imperiosa de se
concretizar os direitos humanos como valor e “realidade” universal.
Ainda
que concordemos, os direitos humanos – como instrumental civilizatório – têm
uma apreciação no Ocidente e enfrenta entrechoques culturais no Oriente. Assim,
até onde é legítimo que queiramos para os outros o que queremos (ou não) para
nós?
Ou seja, para frente e para trás, os
autores das ações políticas certas e justas ou equivocadas e indefensáveis, bem
como seus filhos e netos, terão um acerto de contas que comprovará a premissa
de que “na política não há impunidade”.
Para
o bem e para o mal, o “fazer-política” não é indefeso, muito menos seus gestos
e intenções são neutros. Quando se aponta o extremo individualismo, em que os
atores políticos sequer pensam na família – na forma de um “dane-se” geral –
isolado da Política, como Tio Patinhas, se diz que essa pessoa é incompleta
como animal político.
O
custo a ser revelado dimensiona o seguinte: o sujeito que é só um “meio” animal
político, que faz a política “só para si” é, também, incompleto como ser social
diante da indiferença que esbarra na psicopatia. Todavia, requer para si a
condição de sujeito de direitos. Curiosamente, é o mesmo sujeito antipolítico,
o animal político incompleto (e socialmente indefensável) quem requisita os
mesmíssimos direitos que nega aos demais, com suas ações de descrédito social.
No difícil equilíbrio entre autoridade e alteridade, quanto mais “ordem”
(heteronomia) menos autonomia; quanto mais segurança, menor a liberdade.
Ainda
que alguns efeitos possam ser “neutralizados” – especialmente quanto aos
resultados mais graves – estaremos aqui, ainda que geneticamente presentes nas
próximas gerações, para ter consciência de que não sairemos impunes.
Em
muitas situações, tamanha a volúpia dos envolvidos por poder, ocorre uma perda
constante. Chama-se de “soma-zero” o resultado em que todos perdem, porque
todos querem muito o mesmo, sendo que isso não pode ser dividido. Exemplos
claros são a Democracia, a República, o Estado de Direito que se esfacela
quando os atores investem contra a Política.
Quem
ganha num país em que a corrupção é sistêmica e sistemática? Os mais corruptos?
Porém, mesmo os mais corruptos não corrompem uns aos outros, não tiram uns dos
outros? Equivale ao “roto falando do rasgado”.
Quem
pode conter uma peste avassaladora, se os médicos são os primeiros a serem
empesteados? Também é o retrato de quem toma o poder sem ter com o que
governar. É como chegar ao “mais” sem ter o mínimo a oferecer. Nessa tática de
“fogo contra fogo” todos saem queimados. Ou seja, em política não há
impunidade.
Trata-se
de uma das lições clássicas da Teoria Política, mas muito bem apreendida pela
cultura política nacional. Uma história de golpes e de contragolpes. Uma longa
jornada de quem tenta “levar vantagem em tudo”, sabendo-se que tudo se perde na
porta de saída – na primeira ação de quem corrompe a Pólis.
Nessa
arte política de “soma-zero” somos especialistas, por isso dormimos gigantes e
acordamos anímicos. Quando crescemos, alguém acha que devemos diminuir o
custo-país. O pior é que muitos acreditam que, politicamente, o “menos é mais”.
Os acertos acabam prejudicados pelos erros, bem como os “pequenos erros podem
ser agigantados”, especialmente se o lado que acertou (ou errou) não for o mais
forte.
Um
exemplo simples ao final: uma multinacional do setor de medicamentos compra uma
das gigantes do ramo de agrotóxico; em conglomerado, investem e elegem poderosa
bancada legislativa. Aprova-se o uso de agrotóxico a granel, elevam-se os casos
de abalo na saúde pública, crescem indubitavelmente as vendas de remédios.
O
ciclo de soma-zero está fechado, contudo, só não o desprezo com a saúde pública
e com a República. Pois, desse modo, o capital financia a doença e o Estado
legitima a morte lenta do povo – afinal, quanto mais lenta for a morte (mantida
a vida por medicamentos que não “saram”) mais lucrativa é a medicina do
agrotóxico e outras que tais.
Outros
casos podem/devem ser colecionados, como o desembargador que profere uma
decisão em base insustentável – ainda que em seu direito – e que não é cumprida
por um juiz singular (comum). No primeiro momento, o desembargador feriu
decisão de um colegiado (de outros desembargadores) em que ele mesmo se vincula
ocasionalmente. No segundo momento, o juiz feriu de morte o Princípio da
Hierarquia.
O
resultado disso é que a disputa se revelou provinciana, pessoal/política (nada
jurídica) e a instituição do Judiciário acumulou descrédito. E, como o alto
custo é o primeiro a ser cobrado, a culpa maior pelo imbróglio vem de cima, das
cortes políticas e dos tribunais superiores que se empenham em decidir pela
“exceção que faz as regras”.
A
última consideração assinala que a assim chamada “arte da política” não se
esgota na capacidade de liderança, organização, composição ou negociação, ainda
que nisso incida grande virtude; pois, avaliar conexões, consequências,
desdobramentos, presentes e futuros é o que interliga projeto e esperança,
utopia e realidade, teleologia e pragmatismo.
Somente
quando a realidade não permite sonhar (projetar) é que advém a desilusão. E,
muito pior do que a ilusão é ser desiludido das tarefas políticas que devemos
implementar. Esse também é o momento que enfrentamos, no mundo e no Brasil,
entre pragmatismo e ontologia.
A Política no Direito
Não
há direito que não nasça da política!
A
realidade que nos é apresentada, infelizmente, transformou a política em
sinônimo de politicagem, malandragem, degeneração, desagregação, quando deveria
nos aproximar da Pólis, da liberdade,
do direito justo e da emancipação humana.
Nesse
contexto, o ano de 2018 será lembrado por muitos aspectos, mas dois chamam a
atenção: i) os policiais fazem muita política; ii) nunca se viu o Direito tão
reduzido, quando deveria ser elevado pela condição da politeia.
Sobre
o primeiro aspecto, os policiais fazem política quando são candidatos a cargos
legislativos ou executivos – ou quando reprimem movimentos populares (ou se
alinham com Milícias) ou, inversamente, quando se aliam à comunidade na
construção de níveis mais confiáveis de sociabilidade.
O
exemplo das Polícias Comunitárias, em países desenvolvidos, é esclarecedor: o
policial que vive a rotina social e é reconhecido pelo grupo tem possibilidade
de agir preventivamente com maior margem de sucesso. Promove-se empatia. A
presença do policial comunitário não será exclusivamente ostensiva. Também será
ostensiva, mas o lastro principal é o reconhecimento e não a coerção. Essa é
uma ideia da política como Potência, como força aglutinadora (preventiva) e não
temerária (exclusivamente repressiva).
De
certo modo, essa ideia moderna de força é uma herança da Grécia clássica, uma
vez que políticos e policiais alternavam-se em suas funções. A Politia (polícia) também derivou de politeia (ordenamento
político-constitucional da vida social) e de Pólis: o espaço público em que se desenvolve a racionalidade
política.
Já,
em relação ao segundo aspecto pelo qual o ano de 2018 será lembrado – a redução
do Direito – vemos que o Direito está nos jornais, na voz rouca das ruas, no
senso comum ou ocupa o discurso dos mais equilibrados. Entretanto, poucas vezes
o Direito se apresentou tão claramente imerso na política, vale dizer, na
disputa por poder. Isso vale tanto para quem defende a liberdade e as garantias
fundamentais (dos próprios direitos) quanto para os embalados pela
“judicialização da política”.
Assim,
há políticas públicas e há políticos profissionais que degradam as políticas
sociais. Faz-se política dentro e fora do país; faz-se política dentro e
fora do direito. Fazemos política a favor ou contra determinado direito.
Mas, não há Política sem Direito.
Tanto
faz política quem defende a tese de que "os fins justificam os meios"
quanto quem vive para defender o princípio da inocência, da ressocialização
como princípio civilizatório, da humanização da pena. Juízes e juízas que
decidem pela lei (ou contra a lei) ou em favor da justiça social (nesse caso,
até em desacato à lei) estão fazendo política. Faz-se política contra o
punitivismo, do mesmo modo quando se fecha os olhos para a existência de presos
políticos. Há política dentro e fora do apartheid
social ou dos regimes de exceção.
Vê-se,
então, que a melhor forma de se "fazer-política" é lutar para que
prevaleçam as formas mais humanizadoras de se "fazer-política", com
menos irracionalidade e violência, com mais virtuosidade e pacificação social.
Nesse ponto, haveria um encontro entre a virtù
– a capacidade de influenciar o mo(vi)mento político: as objetivas
condições em que o sujeito “faz-política” – e a teleologia: o olhar futuro que
o direito permite. “Ademais, O príncipe de
Maquiavel é uma obra em que o realismo político encontra sua realização na
necessidade de um Estado nacional unitário, para a conquista do qual se coloca
o problema da educação do povo” (LIGUORI, G.; VOZA, P., 2017, p. 593). Pode-se
dizer que, idealmente, esse é o encontro entre o direito e a política. Afinal,
não há direito (pacificação, por oposição à violência: vendeta) sem uma previsibilidade, uma constância, e essa
previsibilidade (recorrência) é o presente que se quer ver prolongar no tempo.
O
Direito (directum) é um projeto político, como Ciência da
Justiça, se conterá uma previsão libertária ou conservadora, isso depende da
política. No entanto, historicamente, é possível verificar que no curto prazo o
direito (prática judicial) é refém do status
quo; mas, no longo prazo, o Direito é emancipador. O que promove tal
dialética é, exatamente, a Luta Política que diferencia, inexoravelmente, o
Direito (emancipador, civilizador) da Lei, como mera ressonância do poder.
Portanto,
há política quando se sonha, assim como há política quando já se abateu à
desilusão. Porque há política no processo civilizatório e há política no
fascismo.
O animal político e o analfabeto político
No
dia a dia, além da confusão preordenada entre Direito – Lei – Constituição,
ainda se confunde propositalmente Política com política: a primeira sendo a
matriz da condição de sermos humanos – “animais políticos”, logo, seres sociais
–, e a política minúscula: o toma lá, dá cá, ao sabor dos interesses mais mesquinhos
dos chamados “políticos profissionais”.
Do
mesmo modo, imiscui-se o Político com o Poder Político: que é sinônimo do
próprio Estado. Como instância da Política, é no Político que se desenvolvem as
instituições políticas: o habeas corpus é
a garantia ofertada à liberdade pelo Poder Judiciário. No Político, enquanto
percurso histórico, demarca-se a relação espaço-tempo em que surgem as
representações políticas, como o voto livre e a cidadania e, assim, também se
afirmam as instituições em que a representação política afirmar-se-á:
Parlamento, Estado-Juiz, Poder Executivo (onde ocorre), Administração Pública.
Nessa
incidência ainda se apregoa o Estado (enquanto referência das demais
instituições) com a Razão de Estado; essa que, em síntese, é a razão de o
Estado existir. A justificativa deve ser plausível, sobretudo, porque o Estado
representa o poder político centralizado. O poder político (minúsculo) indica a
existência de outras formas de poder além ou aquém do Estado: Poder Político
por excelência. O poder político de uma liderança indígena, por exemplo, é
destacado e decisivo – ainda que não se organize como estrutura estatal, no
máximo como nação.
De
quebra, os mais inusitados atores políticos, da formação de opinião pública
(como os cientistas da política) aos gerentes dos partidos políticos, dizem que
tudo ocorre como se fosse uma naturalidade decorrente do realismo político.
Querem dizer, em outras palavras, que o “fazer-política” (a essencialidade da
Política: Pólis) invariavelmente,
está submetido aos desejos dos políticos profissionais, aqueles que manipulam e
mascaram a realidade da política. Ou seja, o povo só verá nas relações
políticas aquilo que os mandantes consentirem. Afinal, os donos da seara
política são os profissionais e nós somos amadores(as).
Por
realismo político subentende-se que, para sermos alçados à condição de animais
políticos, somos obrigados a comprar ou ganhar uma carteirinha ou diploma de
iniciado nas artimanhas e nos escaninhos do poder.
Diante
desse falso profissionalismo, a assim chamada “política de resultados”, entre
tantas, desde a década de 1990 vem mitigando, negando a convivência dos
direitos sociais no interior da República. O que se chamou de neoliberalismo da
Era FHC, na década de 1990. Todavia, a partir do Golpe de 2016 os direitos
fundamentais foram dissolvidos. No primeiro momento os direitos foram negados
(neoliberalismo), no segundo fluxo os direitos seriam simplesmente destruídos:
neocolonialismo.
E
sem que todos possam entrar nesse seleto clube do poder, a maioria do povo
brasileiro deveria se contentar em apreciar o espetáculo de desmoralização e de
desmanche da própria Política e da coisa pública.
Por
seu turno, sem que todos(as) possam se realizar mediante as relações políticas
(sic), apenas os invitados ao poder gozam do prestígio de “fazer-política”.
Aliás, o que em si é outro absurdo, pois não há um instante da vida social em
que não façamos política: com filhos, com empregadores, com amigos e familiares
– ou contra inimigos e adversários.
Mesmo
sabedores disso, é fato que muitos dos alijados do conhecimento inerente e
óbvio ao “fazer-política” – o primeiro deles é ter a consciência do “animal
político” – manifestam-se como “analfabetos políticos”.
Desconhecedores
de que todos devem conhecer a Política – esmiuçando-se os planos sóbrios e
sórdidos da política minúscula – o “animal político” que não reconhece a si
mesmo faz o jogo do contente, reproduz a primeira impressão dos fatos
importantes das relações políticas e, por fim, agrada aos profissionais da
política.
Isso
é, evidentemente, “fazer-política”. Só que às avessas, uma vez que os
resultados favorecem apenas os políticos profissionais que impõem a dureza da
alienação, no realismo político, aos analfabetos da política.
Há
várias formas de se aprender a aprender a arte (ciência) da política, mas é
sabido, historicamente, que os resultados são melhores quando aliamos um estudo
mais aprofundado (conceitual) com alguma atividade de organização e de
manifestação política. Nesse sentido, além dos termos já destacados alguns
outros deveriam ser levados em consideração, especialmente para uma leitura
acadêmica, de formação de massa crítica em Teoria Política – tanto quanto são
teses/regramentos que acolhem a essência da Carta Política. Assim, o ideal
seria que analisássemos, tanto na prática quanto na teoria, os verbetes que
seguem:
●
Ciência
Política (e Teoria Política)
●
Teoria
Geral do Estado
●
Filosofia
Política
●
Sociologia
Política
●
Antropologia
Política
●
História
Política (ontologia)
●
Literatura
Política
●
Arte
politizada
●
Ética
(na) Política
●
A
Constituição como Carta Política
●
Definições
e tipologias de Estado
●
Estado
de Direito[1] Democrático[2] de Terceira Geração
●
Instituições
políticas
●
Sistema(s)
Político(s)
●
Regime(s)
político(s)
●
Governos,
governança, governabilidade e governantes (x
governados)
●
Partido(s)
Político(s)
●
Programa
Político
●
Campanha
política
●
Força(s)
política(s)
●
Movimentos
políticos e/ou lobbies
●
Políticas
Públicas
●
Política
de Estado
●
Política
educacional
●
Política
econômica
●
Direitos
políticos
●
Democracia
Política
●
Liberdade
política (isonomia e equidade)
●
Emancipação
política
●
Autonomia
política
●
Consciência
política
●
Idealismo
político
●
Horizonte
político
●
Cidadania
política
●
Altruísmo
político
●
Ativismo
político
●
Devir
político
●
Entropia
ou distopia política
●
Sectarismo
Político
●
Terrorismo
político
●
Terrorismo
de Estado
●
Grupos
Hegemônicos de Poder
●
“Iminência
parda” (x Kybernets: o
timoneiro da Pólis)
●
Coronelismo
político
●
Estamentos
políticos (“os Donos do Poder”)
●
Fisiologismo
e nepotismo político
●
Autoritarismo
e autocracia política
●
Ditaduras
políticas (e militares)
●
Fascismo
●
Guerra
(x diplomacia)
●
Totalitarismo
político (cesarismo político regressivo e bonapartismo)
●
Regras
do jogo político
●
Bom
senso político
●
Política
republicana (coisa pública)
●
Espaço
público
●
Política
representativa
●
Política
participativa
●
Política
emancipatória
●
Ideologia
política (e/ou partidária)
●
Liberalismo
político
●
Anarquismo
●
Socialismo
●
Comunismo
À
parte, de forma complementar, pode-se/deve-se elaborar resenhas sobre:
1.
O que
é Política?
2.
O que
é poder?
3.
O que
é Estado?
4.
O que
é Direito?
5.
O que
é Constituição?
6.
O que
é Educação Política?
Por
fim, mas não menos importante, há muitos dicionários especializados em Política
ou Filosofia Política que devem ser consultados para completar o leque de
entendimento inicial, como o Dicionário de Política, organizado por Norberto
Bobbio (2000).
Nesse
sentido, podemos avançar sobre a análise de aspectos especiais ou
especialidades da política, a exemplo da Educação Política e de nuances da
política como ciência ou de uma “política científica”.
2ª PARTE
Nesta segunda parte a política que investe
contra qualquer ideia razoável e exequível de Política (República) receberá
algumas considerações mais provocativas, ideológicas.
A
política antirracismo
Assim como viver sem ter amor não é viver
Não há você sem mim, eu não existo sem você
Vinícius de
Moraes
O
racismo NÃO é um "pensamento diferente"; pode ser um pensamento
mágico, no sentido de ser indefeso à racionalidade elementar. Em essência,
trata-se de um pensamento excludente; donde se exclui a própria racionalidade.
Portanto, toda atitude excludente deve ser expurgada da democracia; pois,
estaríamos submetidos ao domínio das irracionalidades, ou seja, à negação do
ser humano como ser racional.
Do
contrário, motivados por esse revisionismo imoral – insuportável sob qualquer
análise minimamente racional, quer dizer, crível – logo dirão que não houve
escravidão no país. Ou que é um debate esquerdista denunciar o crime de
ódio racial e a prática cotidiana do racismo.
Há
poucas referências na humanidade piores do que o racismo. Por isso se qualifica
como crime contra a humanidade. Não é apenas crime hediondo, é uma negação da
Ontologia. E, como tal (irracional sem substância), logra êxito ideológico
montado sobre aporias mitológicas, irascíveis (da máxima ira): a começar do
Mito da Superioridade Ariana.
A
Ontologia é averiguação, análise, decifração do “fazer-se humano” e esse
“fazer-se humano” se faz através da política. Não “por meio”, mas “através”, no
sentido exato de que a política atravessa, perpassa, a todos(as). O(a) racista
não leva em conta que só existe o Eu, especialmente quando aciona o obituário
da negação dos demais, se e quando existe o(a) Outro(a) – e em condição
equivalente para todos(as).
O
melhor remédio político-jurídico contra o racismo é a isonomia, aliada à
equidade: “tratar os desiguais, desigualmente”. Tanto para recuperar a
injustiça – histórica, por exemplo, praticada contra negros e indígenas –
quanto para agravar quem patrocina crimes de racismo e/ou análogos à
escravidão.
E
sabemos sobre isso por um entendimento óbvio, considerando-se que somos animais
sociais. Então, não há um(a) sem o(a) Outro(a). O que faz o racista, numa
atitude imoral e sem lógica – mas que lhe serve enquanto se apega à
irracionalidade – é agregar a ideia de raça.
Assim,
se temos “raças” diferentes, brancos, negros, vermelhos e amarelos, basta
acreditar que um pode ser mais do que os demais. Como não há apego à
racionalidade – e nesse caso quer dizer apreço pela Ontologia, pela história,
pela consciência científica da sociabilidade – as “raças” humanas vão brotando
da ignorância.
O racista não sabe ou despreza o fato
de que somos uma espécie – Homo Sapiens Sapiens (o homem capaz de pensar que é
um pensador) – e não um amontoado de raças. Não somos, como espécie humana, uma
coleção de raças nobres e impuras, do tipo cães de raça e vira-latas.
Sob a condição de sermos animais
políticos, porque sem política não há sociabilidade e não seríamos seres
sociais, o racismo – ao designar raças entre humanos – tende a se colocar mais
como animal (de raça diferente) do que como humano. É de sua inteira
deliberação desligar-se do preceito de pertencer à espécie humana: o “fazer-se
humano” através da política.
O
pregador do racismo ignora a (onto)lógica de que são interdependentes o senhor
e o escravo: nessa dialética de dependência e de nulidade, o escravo obedece
sob o açoite e o senhor sobrevive graças à obediência do chicote. O que é um
senhor de escravos sem escravos?
O
racismo, na prática, começa com a negação de que haja preconceito racial,
desigualdade, opressão, e evolui como metástase para a xenofobia, a limpeza
étnica, o genocídio. Também por isso é um acerto histórico dizer que
todo(a) racista é nazista. O nazismo figura como o ápice da ideologia de
negação do humano, foi um Estado de Exceção racista, excludente, eliminador,
morticida ao extremo. É o símbolo maior da barbárie institucionalizada na
forma-Estado e acolhido na cultura da irracionalidade. Quem não
desqualifica o racismo está a um passo desse caminho.
No
caso de nossa miscigenação (estupro seletivo) a relação se deu entre o senhor e
suas escravas – ou entre homens brancos e mulheres negras e indígenas. Não
haveria miscigenação se a elas fosse dada a livre-escolha sobre “deitar-se” ou
não com o senhor branco e responsável por sua opressão.
Concluindo:
não são palavras duras, é uma consequência analítica (onto)lógica. Ademais, o
racismo e os(as) racistas não merecem palavras doces. Porque são virtualmente
nazistas.
Fazer Ciência é fazer Política
Em tudo na vida, no trabalho, nas
relações pessoais, na escolha pelo apoio político-partidário, na definição dos
grupos sociais e de amizade, até mesmo na torcida esportiva, é preciso ter
motivação e emoção. Mas, o coração (cordis:
cordialidade) não é algo desmedido, tem seu ritmo próprio ou está em
taquicardia. A escolha do nome dos filhos pode ser assertiva, forçando a quem
pronuncia manter um mínimo de impostação ou, ao contrário, leva ao uso de
diminutivos, gerando-se constrangimentos ou ridículos.
Na
ciência não é diferente: a racionalidade oferece “meios” para escolhas mais
acertadas visando chegar ao “fim” perseguido e a objetividade nos leva a não
cedermos a cada tentação para descer de um bonde e pegar outro (WEBER, 1993).
Isso, todavia, não garante que haja “isenção” e menos ainda neutralidade. Há
pesquisas tão refinadas que o simples toque humano na pipeta pode alterar
alguns resultados. Daí, é necessário ter sensibilidade, mais ainda se exige
prudência e certo distanciamento: “o tempo é o senhor da razão” (leia-se
história).
Não
há nada neutro na vida social (vale dizer, política). Todas as escolhas têm um
custo, a exemplo da escolha profissional – quando esta for possível. A
definição em algum momento para seguir a carreira do magistério (ou da
política) tem seus bônus e ônus. Na verdade, para todos que enveredam pelo
caminho da educação, as escolhas políticas serão uma rotina: quem ensina, leva
e traz conteúdos, bagagens, experiências e isso leva ao pensamento; pois bem,
não há pensamento neutro, puro de intenções. Veja-se que o verbo “enveredar”
indica tomar um caminho: “por entre veredas”. Nada se dá por acaso na
etimologia da vida pessoal, profissional ou acadêmica, como na lição do
inesquecível cronista Otto Lara Rezende. Aliás, cabem aqui duas lições:
evite-se ao máximo o uso de adjetivos, bem como o gerundismo. A ciência requer
substantivos e não apelidos.
O
homem é crítico por natureza e sem essa capacidade não faria ciência e muito
menos participaria da “arte da negociação e do convencimento”: a Política. O
cientista é um político, em essência, na medida em que intenta convencer seus
interlocutores acerca da validade de suas proposições e argumentos. A retórica
do cientista, além de acalorados debates, tem dados empíricos, construções
filosóficas (teoremas), modelos matemáticos ou avaliações históricas a serem
confrontadas.
Entretanto,
antes disso, o cientista já tem clara inquietação (política) quando avalia que
sua proposta de pesquisa é a mais correta, em relação ao que já fora
diagnosticado. De outro modo, se fosse para repetir e apenas comprovar a
veracidade integral da afirmação de seus pares, seria um burocrata e não um
cientista.
Portanto,
a escolha do objeto de pesquisa denota uma opção política, porque as perguntas
iniciais – “toda pergunta traz uma resposta” – se forem comprovadas, trarão
desconfortos e provocarão deformidades nos modelos, nas escolas e nas teorias
preponderantes até aquele momento. No dia a dia, o cientista não valida e, sim,
refuta.
O
cientista de fato e de direito, seja em que área for, está sempre lutando
contra o status quo: em revés ao
sendo comum nada se altera, “deixar como está pra ver como fica”, se não se
discorda até com certa violência. Todo cientista que tenha essa mínima
perspectiva sobre sua importância na produção do conhecimento será crítico e
atuante. Produtor do “saber militante” (FERNANDES, 1989) terá
embates sucessivos (e incertos) contra a mistificação. A ciência, descolada dos
desafios do real, não passa de um mito.
Sempre
é bom relembrar Einstein (1994) por ter-nos recobrado a lucidez nesse ponto.
Nesse sentido, em boa parte, a inquietação diante do status quo é o que difere um cientista social do assim chamado
“Operador do Direito”. Uma vez que o cientista está em luta constante pela
verdade e o Direito se destaca pela apreciação de uma causa – não exatamente
dos fatos sociais (DURKHEIM, 1999). Ainda que seja uma verdade passageira e
incompleta – dado que a “realidade muda” ao avançarmos o conhecimento acumulado
– essa é a meta do cientista social e do Direito.
A
passividade quando em contato com as contradições do real – muitas vezes por
força da ideologia (“não ver”) – é o que diferencia a ciência de qualquer outra
disciplina axiológica, tão ao sabor de outros tantos apoiadores do status quo. O establishment tem grande apoio de ideólogos (do status quo) e da intelligentsia.
De modo ainda mais específico, há a
Ciência Política – ou seriam ciências políticas? – em que a junção entre
“ciência e política” é obrigatória, como decurso natural da lógica, desde
Maquiavel (1979). Ou seja, para o cientista da política – mesmo conhecedor do
fato de que suas análises não podem ser reféns dos partidos políticos – o
objeto da pesquisa é o poder (LEBRUN, 1984).
Porém,
também aí há a obviedade de que, sem optar pelo partido A ou B, suas escolhas
(desde o objetivo da pesquisa) serão partidárias. Porque ao escolher entre um ou
outro objeto de investigação, o cientista da política toma partido na causa a
ser analisada.
“Animais políticos são um desdobramento dos
animais sociais?”.
A
resposta seria: não exatamente, pois os animais políticos estão numa fase
distinta dos demais animais sociais. Não se trata de um estágio evolutivo.
O mais indicado é pensarmos, agora, que lidamos com categorias diferentes:
gênero x espécie. O político não é um gênero diferente do social, como se fosse
um degrau a subir, é uma espécie inovadora, em tudo diferenciada.
A
política é de natureza diversa da sociabilidade, podendo inclusive ser
contraditória, agindo como contrários (antagônicos, excludentes) entre si:
“vita mea, mors tua”.
A
política pode ser, por exemplo, degenerativa à interação social, como visto na
servidão, no fascismo ou nas políticas econômicas que condenam milhões a passar
fome e morrer de desnutrição. No entanto, a prova definitiva de que
animais sociais não são um tipo, uma fase inicial e obrigatória à formação dos
animais políticos, com exceção do homem, está no fato de que as formigas não
promovem desobediência civil (a oposição de escravidão a outros grupos de
formigas não é um ato político, mas social, como incremento dos seus meios de
subsistência: o desfile de escravos conquistados na Roma antiga era um fato
político).
Formigas,
portanto, podem promover a escravização de sua própria espécie; porém, não
conhecem o fenômeno do “aprisionamento político”, nem do banimento ou do
ostracismo: como faziam referências os povos antigos. Uma ostra, ao condenado,
para cada ano de exclusão social na nação de origem.
As
abelhas também se resignam às suas formas sociais originárias, não questionam o
matriarcado em sua dinastia. Abelhas e formigas guerreiras obedecem à
Estratocracia e assim sua estratificação social não é questionada por
“ideologias políticas” divergentes.
Além
do mais, para que haja manifestação de algum ato político, é preciso que se
dispute o poder. Formigas escravagistas – ao contrário de Júlio César – não disputam
poder, e não se formam grupos ou partidos dissidentes.
E
aqui está um elemento essencial da política, em discordância de ser a política
um elemento do ser social; pois, tanto não há manifestação da política que não
seja em disputa pelo poder, quanto somente o “animal político” é capaz da
dissidência. O que também é lógico, uma vez que sem dissidência não há disputa
pelo poder. Ou seja, a diferença entre o social e o político reside na ação
(política) que interroga e decide sobre as formações sociais.
Mas,
o poder em si não é o indicativo de que a sociabilidade estaria a um passo da
politicidade. Veja-se o caso dos macacos. Animais sociais como são, não
desconhecem o poder; pelo contrário, são territoriais e conquistadores.
Então,
apesar de praticarem o exercício do poder sobre outras colônias de macacos, por
exemplo, diferentemente do Homem, não conhecem a monetarização das relações
humanas e nem a tem como lastro de suas escolhas.
Sobre
isso, então, vê-se que a política é uma racionalidade, uma análise, ou escolhas
e decisões sobre a sociabilidade: sendo esta, a sociabilidade, uma imposição da
natureza sobre todos os animais sociais.
O
“como” e de que forma (aristocracia, democracia) dar-se-á essa sociabilidade
será uma decisão política, para nós Humanos, e uma condicionante natural de
sobrevivência para os demais animais sociais.
O
homem, por fim, é um animal social que ascendeu à política porque aprimorou a
racionalidade: a necessidade de encontrar respostas lógicas e verossímeis às
suas condições sociais. Daí, encontrou respostas diferentes, conflitantes, a
partir de regimes jurídicos e políticos contrários entre si.
Em
analogia, podemos dizer que os animais sociais estão para o direito natural
(uma racionalidade improvável) assim como os animais políticos estão para o
direito positivo: a "ratio"
do direito ocorre quando o animal político decide sobre a forma – Estado que
deverá dirigir sua sociabilidade primeira.
Por
isso, a Política é extraordinária. A Política é a revisão (intencional) da ordem
social ordinária, primária. Parte dessa revisão (e que impõe outras decisões)
transformou, exatamente, a ordem social em ordem jurídica. É a Política (o
espaço público) que cria o direito, posto que é uma resposta jurídica a uma
necessidade social. A Política, nesse caso, transforma a condição social em
ordem jurídica: uma maneira mais ou menos racional (depende do regime político)
de equilibrar as divergências e as disputas. Esse exemplo, por fim, é mais um
caso de investigação e de reflexão em ciências sociais e na filosofia política,
às quais o direito é eterno devedor.
A
revisão conceitual, a leitura de novos títulos e a releitura dos clássicos,
portanto, sempre trazem novas pontuações acerca do que já conhecíamos em
profundidade.
E,
quando aplicamos tudo isso, em termos de conhecimento que se renova, mas que se
garante na essência, chamamos de Massa Crítica; porque esse conhecimento é
capaz de modificar a nós mesmos e ao nosso entorno.
Porém,
se nada disso convenceu, imagine a vaidade, o tamanho do ego, quando alguém
disser que viu seu trabalho publicado. De um modo ou de outro, levando a
Ética em sua pesquisa, terá contribuído com a Humanidade.
Da política à Política – da Pólis ao Direito
O
entremeio da realidade que conforma o “animal político” revela ou subjuga, por
exemplo, as virtudes republicanas. Maquiavel (1979), por exemplo, assegura-nos
– na esteira da filosofia do Renascimento – que “a virtude deve prosperar
diante da força”, “a virtude tomará forças contra o furor”. E nessa prescrição,
de certo modo, encontra-se a referência da Prudência que se observa no direito
romano:
●
A felicidade está
na perfeita Constituição Política.
●
Na República
predomina a Justiça.
●
A maior
necessidade é a virtude.
●
O trabalho e a
virtude levam à glória.
●
Governar a
República é converter a teoria em prática.
●
O Governo com
justiça eleva a “herança da humanidade”.
●
A virtude está em
combater as injúrias e a iniquidade.
●
O governo
virtuoso se prepara com audácia e competência.
●
Não se governa a
República, mesmo em perigo, com improvisos.
●
O povo deve
seguir o exemplo dos melhores.
●
Os líderes de
Estado devem ter autoridade, prudência, eloquência.
●
Para o
republicano, a felicidade está em combater a ignorância.
●
O homem digno da
República reúne os atributos da humanidade.
●
A sabedoria
política está em não querer o que não se pode ter.
●
Na República,
cada um sabe o que é seu. (Cícero, s/d)
Porém,
quando observamos apenas a luta pelo poder – e não a Política em si, enquanto Pólis – deixando amorfo o espaço
público, é mais provável observarmos uma guerra desnivelada, disputas nem
sempre reguladas ou lícitas. Mais como uma política – zona de guerra – em que
forças se embatem até à eliminação. Ou seja, abreviando-se em conclusão
inicial, pode-se dizer que na política
há violência.
Ao contrário do que se quer acreditar,
o poder não busca conformidade, mas, sim, obediência. E há, obviamente, quem
não queira obedecer, preferindo suas próprias regras. Portanto, em sentido
frio, a política é o quente reino da violência. Ninguém faz o jogo da política
para participar. Não cabe Fair Play
numa relação em que ou há vencedores ou perdedores, vivos ou mortos. “Por
perdedores” entenda-se quem está fora do jogo, sem direito a outra partida. Daí
que as disputas são ferozes, ao contrário de quem supõe haver alguma
possibilidade para a “ética na política”.
A
ética do poder prevê o uso da força e da convicção para vencer, e tanto faz o
uso específico ou combinado dos meios; desde que se vença e se imponha a ética
do vencedor. O perdedor, via de regra, reclama da falta de ética; mas, assim o
faz porque sua ética ou predileção saiu derrotada. Se vencesse, sua ética seria
outra: como a ética de quem precisa manter o poder e, assim, faria uso de tais
meios.
A política não é uma relação jurídica.
Obedece às regras do poder, regras práticas de quem decide e de quem sobrevive.
Vigoram as regras do realismo político, da realidade governada por quem tem
poder. Por isso, só há regras ou procrastinação quando é de interesse de quem
governa, ou seja, exerce o poder. Pode-se chamar de uma definição cínica do
poder e da sua gerência (da política). Entretanto, é a própria definição da
realidade do poder: na política não há esquecimento. Por isso, tanto não há
realidade fora do poder quanto não há "ausência de poder". E não
havendo lapso de poder, sempre haverá disputas, porém, em oposição ao direito,
na política não há impunidade. Bateu, levou.
Essa é a principal lição que tiramos
de nossa experiência no pós-2016. E é o cenário que se apresenta no processo
eleitoral de 2018. Se já sabíamos que a política não é uma prática social para
amadores, ao menos não na realidade da política nacional – inclusive ou
especialmente porque o povo sempre foi convidado a se retirar – agora
aprendemos que amigos são bons até se tornarem inimigos. Também aprendemos que
forças políticas, antes natimortas por falta de poder, interesse ou
representação, hoje são mais do que ativas e seus objetivos são os mais
infensos à ética. De certo modo, esse é um relevo vivo do que se denominou de
Poder Nu, ou seja, sem as vestes ou as máscaras do direito e da contenção
institucional. Quem faz o Direito é quem faz a Política, então, tudo se resume
à manobrabilidade do poder.
De
forma direta, podemos dizer que experimentamos o realismo da política, com o
único objetivo da vitória, sem compensações para os derrotados, sem conclamação
ao segundo turno das esperanças. Isto é, mesmo que os príncipes sobrevivam, os
peões expostos serão derrotados e aniquilados – pela única razão de se
demonstrar quem é que manda e para que não haja reagrupamento posterior contra
os conquistadores do poder. Assim, não é à toa que se veja tal fenômeno e
cenário ocorrerem nos três poderes, de alto a baixo. Não se trata de uma
batalha do Brasil antigo contra o mundo novo, se é que isso ocorreu alguma vez
foi no enfrentamento aos regimes de exceção aqui instalados: com início no
combate à escravidão. Fora dessas circunstâncias predominam apenas as lutas
intestinas pelo Poder Nu, sem anjos (inocentados de crimes) e nem demônios
totalmente descaídos de representação. Em suma, não produzimos anjos e, por
isso, na política não há perdão. Mesmo a “vingança política” não é totalmente
pessoal, atendendo, a violência, muito mais à reconquista ou à manutenção do
poder.
Na
política não há um palco para crianças jogarem jogos que possam gerar empates e
se desafiarem em aprendizado, nem se mistura com rixas familiares. A política é
guerra total. E o que vemos como sinal vermelho entre 2016-2018 não é nada além
disso. Só causa estranheza a falta de regras a quem acreditou que haveria um
direito à política. Outra diferença é que usamos o direito para uns ou contra
alguns e ainda há outros que nem se preocupam com isso. Contudo, como visto na
pele e nos corações, na política vigoram as regras do vale tudo. Nesse jogo,
perder pode significar literalmente a morte. Não se trata de morte simbólica,
como se a legenda fosse abalada por tiros ideológicos fatais. Não, trata-se de
perder a vida em crimes de pistolagem como temos visto em 2018 – e como vimos
tantas vezes na história da República que luta pelo poder. Os Césares já
conhecemos, resta saber quem será o Brutus a dar o golpe derradeiro. Outra
conclusão é que, com César, o país pode ir para frente ou para trás; no
entanto, os meios empregados não são diferentes.
Tal
análise, que para alguns é cínica, não é falta de esperança, é realismo. Tanto
quanto dizer que na política não há salvação das almas. A política é apenas
sobrevivência e nisso se diferencia da condição do “ser social” – é um ato
deliberado (nem sempre calculado) para a conquista do poder, sem meias
intenções, sem outras conotações que não sejam afirmações dos interesses
diretos. Por isso, mesmo que os erros sejam culposos – como o poder é
premeditado – para quem perde, a imputação é sempre dolosa. Prender e soltar,
ou só punir (ou nunca punir, ou nunca soltar), tudo dá no mesmo. Afinal, na
história da política só conta a visão do vencedor. Na política não há meio
termo, ou seja, não existe equilíbrio, nem perdão. Na imagem da política só há
ufanismo ou “aqui jaz”. Não se conjuga o verbo perder. O poder não é
representado, ou se exerce soberanamente ou não. A equação é simples: a
soberania não recebe superlativo. Porque na política não há impunidade e o
custo é sempre alto.
Outra
conclusão inicial, diante do exposto, indica-nos que a passagem da política
(como relações de força) para o direito, e deste para a convivialidade e a
pacificação não é um ato contínuo, mas, sim, um longo (e penoso) fluxo do
processo civilizatório, e que as formas e as fases de mediação entre a política
(nua e crua) e o direito requerem procedimentos mediadores (medinum) para que a vontade humana se
expresse. A construção da democracia, do Estado de Direito e da própria
República são exemplos notáveis da racionalidade aplicada como contenção da
violência política e sua transformação em direito.
Ética na Política
Na assim chamada Nova República, um
dos embates políticos propunha discutir-se a ética na Política, como se
houvesse um chamado para que a cidadania formulasse novas lideranças e
proposituras de ação pautadas na ética. Essa foi uma terminologia construída e
utilizada em conjunto por movimentos sociais, representações sindicais e
partidos políticos ligados à esquerda. A Constituição Federal de 1988 era recém
surgida. Lutava-se contra o atavismo elitista, o atraso no pensamento, nas
relações sociais e no mundo do trabalho: daí também se fortaleceu a isonomia e
a equidade.
No
sentido clássico, no entanto, há um fundamento que aproxima tradição e
modernidade; mas, que no clássico há procura por maior radicalidade – no sentido
de se tocar a raiz do fenômeno político. Assim, a Política se avoluma na Pólis como espaço público, fórum de
civilidade, ou seja, politicidade e Ética – formulação de ethos – como princípios de sociabilidade, costumes, padrões de
comportamento admissíveis pelo agrupamento humano. A Pólis (a real ética na Política) é, portanto, a fonte do processo
civilizatório que desembocaria no Direito Ocidental, sendo que este é
representado pelo Princípio da Razoabilidade (racionalidade e
proporcionalidade).
A
Humanidade (ou o mundo) é um livro clássico, por assim dizer.
O mundo, segundo Mallarmé, existe para um livro;
segundo Bloy, somos versículos ou palavras ou letras de um livro mágico, e esse
livro incessante é a única coisa que há no mundo: melhor dizendo, é o mundo
[...] Clássico é aquele livro que uma nação ou um grupo de nações ou o longo
tempo decidiram ler como se em suas páginas tudo fosse deliberado, fatal,
profundo como o cosmos e capaz de interpretações sem fim [...] Clássico não é
um livro (repito) que necessariamente possui estes ou aqueles méritos; é um
livro que as gerações humanas, premidas por razoes diversas, leem com prévio
fervor e misteriosa lealdade (BORGES, 2007, p. 136-222).
Teremos
força para repetir e (re)ler os institutos da Política como um clássico
eternizado em nossa condição humana? Qual seria o Livro que se fez carne na
nossa cultura política? A Constituição alguma vez figurou como tal Livro? A
Carta Política foi um dia o Livro da identidade nacional? Será um livro perdido?
Investindo em seu resgate, em quantos anos nós a teríamos de volta?
Direitos
e princípios fundamentais são, sim, irremovíveis, pois sem isso não há
Política. Nesta exata ordem: liberdade, igualdade, vida. Sem liberdade não há
direitos ou garantias; sem igualdade não há cidadania: que diálogo há entre
senhor e escravo, que não seja a da dependência e subalternidade? Não há vida
social, mas somente sobrevivência individual, se não há liberdade e igualdade.
Portanto, esses três termos são um trinômio.
A
corrupção na/da política
Nossa premissa é esta: sem política,
boa ou má, resta apenas o fascismo – que é a negação do animal político. Desse
modo, corrompe-se o ser humano como ser social. Isto é, desnaturalizado –
isolado da política – o animal político é dessocializado e abatido como presa
dócil. Porém, analisemos em partes.
O
país vive em meio a uma onda de denúncias e de caça às bruxas na seara
política. A corrupção é tão grande, como é noticiado e como vemos ou ouvimos em
situações comuns do dia a dia que até pensamos que seja a normalidade da
política. Isso porque nós confundimos algumas coisas, ainda que acertemos em
outras.
Primeiro
o que acertamos: de fato, a cultura política nacional – outras também – é
recheada de corrupção. Tanto no Estado quanto na vida comum do homem médio. E,
por isso, sentimos e pensamos que a corrupção “na” política leva a uma espécie
de corrupção “da” política, isto é, como se por derivação de sua natureza (ou
de alguma morbidade intrínseca) a política, inevitavelmente, levasse à
corrupção do espaço público, do Estado, das leis, das pessoas e das
instituições.
Nesse
caso, o senso comum traz a legenda: “você é contra porque não está lá”;
“político é farinha do mesmo saco”; “quero ficar longe da política”. O que não
contabilizamos aqui é o fato de que, mesmo supostamente “longe da política”, no
trabalho, nas casas, na rua, o cidadão pratica muita corrupção.
Exemplo:
se o cidadão sonega impostos ou para seu carro em vaga especial destinada a
idosos ou deficientes físicos, ele não pratica aí uma corrupção do espaço
público, além de graves violações legais? Esse é o sentido do que se denomina
de cultura política: a corrupção como chaga ou endemia.
Portanto,
precisamos fazer desde já uma separação entre o joio e o trigo: a corrupção
“na” política é a que vemos diariamente, que retira recursos da saúde e da
educação pública, que desvia a merenda escolar, que mata e destrói a vida
pública. A corrupção “da” política começa com a (vã) suposição de que podemos
viver sem “fazer-política”, como se não fôssemos animais políticos, como se
houvesse um só dia em que mulheres e homens, jovens e idosos, não fizessem
política ao discutir, por exemplo, quem lavará a louça, o horário de retornar
para casa depois da balada, o conteúdo e a forma da aula praticada: quem fala e
quem (só) ouve.
A
ideia de que somos animais políticos, por essência e excelência, está baseada
na negociação e na atribuição de alguma modalidade de organização mínima e
obrigatória à sociabilidade, na fixação de regras e de normas de direcionamento
do espaço público – mas também da vida privada.
Desse
modo, uma vez que não há instância nenhuma de organização social que não seja
politizada – até mesmo partidarizada, no sentido de “tomar este ou aquele
partido das coisas” – equivale a dizer que a tal corrupção da política pode
gerar o pior dos regimes ou sistemas políticos; exatamente quando alguns poucos
incutem nos demais a pressuposição de que os melhores ou os escolhidos devem
cuidar da política, relegando aos demais a obrigação de meramente cumprir os
destinos traçados.
A
corrupção da política, nessa fase, ainda nos acomete de outra atrocidade quanto
à natureza da política e da condição humana: afinal, se somos todos animais
políticos, isso implica em que somos dotados de subjetividades, de atributos
“inerentes” à espécie humana – no caso, a dotação política – e que, ao nos
manifestarmos externalizando pretensões e vontades, politicamente interferimos
nos pensamentos, nos desejos e nas (re)ações dos outros. Os gregos da política
clássica denominavam essa participação como garantia de ingressar no Banquete
dos Deuses.
Então,
pode-se esperar que os demais façam o mesmo conosco: interferindo em nossa
subjetividade, ao externalizarem suas pretensões por meios de ações individuais
ou associadas repercutem em outras implicações políticas. Ou seja, a
objetividade, que é o resultado da expressão das subjetividades já expostas
através de ações políticas, resulta de uma conjunção de subjetividades
(vontades e determinações políticas independentes) que se chocam ou se
aglutinam. Mesmo sabendo que as pretensões políticas não são cópia e xerox umas
das outras.
A
essa confluência da política que existe em cada um(a), ao se aproximar de um
interesse ou valor relevante para todos (nem que seja um), além de ser a base
da cultura política, dá-se o nome de intersubjetividade, pois, já não somos um
só: inter = entre.
Ainda
que discordemos de alguns enlaces, afazeres, regras, valores ou interesses
políticos, experimentamos a mesma realidade da política. Basta lembrarmos,
também, que o legislador é uma expressão da política e que, bom ou mau,
produzirá a lei que atinge a todos – para o bem e para mal o direito é a
política (corrupta ou não).
Gostando
ou não da política que temos, dos políticos que formamos ou elegemos, estamos
todos no mesmo barco. Aliás, os gregos antigos chamavam esse barco de Pólis e seu condutor de Kybernets ou timoneiro.
Assim,
se é ruim a realidade política que criamos para nós mesmos, ao longo de muito
tempo, é preferível pensar que tivemos o direito de “fazer-política”
(autonomia) e que “sem-a-política” (como se fosse possível) só haveria o
caminho da heteronomia; basicamente quando um ou alguns poucos (de)mandam e a
imensa maioria obedece.
Historicamente,
esse isentar-se da política (para negá-la)
é o caminho mais rápido e fácil para o Fascismo, uma forma política em
que mais se degenera a política, até que o “fazer-política” se ausente da
pretensão humana da imensa maioria. Para a política como extensão do humano, ao
contrário, cabe muito bem o ditado popular: “ruim com, pior sem”. Corrupta ou
não, a política determina a inclusão ou a exclusão, o acesso ou a negação. Por
isso, os mesmos gregos do Kybernets associavam a política à liberdade, porque,
por pior que fosse (ou seja), sem liberdade só existe a negação da política – e
sem a política há a negação do humano.
O
fascismo, o arbítrio, a heteronomia desnaturalizam aquilo que o ser humano (ser
social) tem de mais precioso, que é o “fazer-política”, dizendo o que quer (ou
não), sob a condição ou determinação de ser o único animal político conhecido
no Universo.
Enfim,
se até mesmo a luta entre os deuses (e demônios) pelos rumos da Humanidade é
uma luta política, sem a política não há deuses e muito menos banquete para o
povo. A negação à/da política, então, é a pior corrupção possível, uma vez que
corrompe o que há de fundamental ao ser humano: o “fazer-se, fazendo política”.
As cores da política
A política tem, sempre teve e sempre
terá cores. Pela única (e, por demais, óbvia) razão de que não há política
‘neutra’, ou seja, descolorida. Todos tomam um lado, um partido, fazem
escolhas, inclinam suas esperanças e frustrações neste ou naquele caminho. Até
os pais e mães têm filhos ou filhas de preferência.
Ainda
que alguém quisesse comparar a política a uma empresa – tipo: Partido S/A – a
obviedade chamaria nossa atenção. As empresas, toda criança sabe, lucram ‘com’
e ‘sobre’ alguém. Por gentileza, digamos que as empresas lucram com a
satisfação de seus clientes; no entanto, para fechar a equação, é preciso ter
claro que as empresas lucram sobre o trabalho dos outros: chama-se isso de
mais-valia ou sobrelucro – e também há várias formas.
Agora,
some-se ao Partido S/A o fato de que a expressão cliente deriva do latim
´cliens’ – e cliens significa
vassalo. E quem são os vassalos da Política S/A? Os consumidores que o marketing nocivo lhes incute o desejo, a
compulsão de consumir, ou até mesmo o vício incontestável? Ou são seus
empregados, trabalhadores e trabalhadoras que ali permanecem ao custo de sua
dignidade?
Pois
bem, o partido a ser tomado aqui seria do empregador, do empresário ou,
popularmente falando, do patrão. De modo que, onde está a neutralidade desse
caminho e dessas escolhas? Por isso é preciso muito cuidado com quem vende a
política a preço barato.
Em todo caso, quais são as cores da
política nacional em 2018? Há muitos tons e sobretons, mas, encurtando a
história, vemos três cores fortes: vermelho, azul e preto. E já nos desculpamos
com qualquer nação ou seleção que empunhe essas cores em sua bandeira ou
uniforme. Ninguém pode carregar nossa culpa, é passado o tempo de ‘comprar
indulgências’.
Enfim,
o vermelho simboliza a esquerda: os quilombolas; os trabalhadores que lutam por
direitos; a Vereadora Marielle brutalmente assassinada no Rio de Janeiro; os
ambientalistas e os defensores dos direitos humanos mortos todos os dias neste
país, os socialistas e os comunistas.
Os
azuis representam o capital, o mercado, as reformas trabalhista e
previdenciária, as privatizações dos Correios, das Universidades Federais, da
Petrobrás, Eletrobrás e outras. Conhecemos um pouco desse espectro
contabilizando o número de pedágios nas rodovias do Estado de São Paulo. Aliás,
um exemplo claro da Política S/A.
Contudo, ainda há o preto. Na verdade,
como ausência de luz e de cor, o preto era tido como habitante das catacumbas
da história. Até 2013-16, com o abuso do verde-amarelo e estampa da CBF a
honrar o peito gentil. Aí se encheram da cor de breu e, num dia como hoje, frio
de expectativa, eis que o cenário ficou bem borrado de preto.
Esses
‘camisas pretas’ defendem, entre outras mil, a liberação de agrotóxicos que
sabidamente matam, e de várias formas (loucura, intoxicação irreversível).
Também defendem a criminalização dos movimentos sociais, na moeda de troca em
que preveem a liberação da venda de armas de fogo. Some-se ainda a esse cenário
preto, sem luz que nos guie para fora do fundo do poço, inserções como estas:
“uso o apartamento funcional (público) para comer gente”; “negros não servem
para procriar”; “a indolência vem dos índios”; “a malandragem (corrupção) dos
negros”.
Que cor você quer para enfeitar seu
presente de Natal? Só não compare a política com religiões ou igrejas, porque
na política não há lugar para quem procura a salvação das almas. Não há anjos
brancos, a não ser os racistas.
A política é extensiva ou regressiva
A
política econômica pode ser expansiva; porém, no Brasil e em parte do mundo
globalizado tem-se revelada antipopular, quer dizer, gera-se mais miséria
humana e concentração de capitais do que desenvolvimento social, emprego,
melhoria na qualidade da saúde pública e eficácia da educação pública.
A
política social, por definição, tende a ser extensiva, inclusiva, agregadora de
outros sujeitos e formativa de “novos” direitos – às vezes, apenas recuperam-se
direitos sufragados, mas não cumpridos – ou, simplesmente, legitimados, porém,
anulados na prática pelo poder. Ou, então, luta-se por direitos revogados em
desconsideração ao povo.
Por
vezes, a política estende reivindicações de direitos de um grupo em direção a
outros. Quando se reivindica, politicamente ou judicialmente, determinada
equiparação salarial para setores “desnivelados” e que praticam funções
assemelhadas. Nesse caso, luta-se politicamente pelo direito à isonomia.
A
desigualdade de salários entre homens e mulheres é mais do que evidente, como
exemplo, observando-se a exceção do serviço público porque segue planos de
carreira definidos. Também há casos em que docentes com a mesma titulação,
atuando em cursos diferentes de uma mesma instituição, têm desnível absurdo em
seus vencimentos. Com isso, a luta pelo direito de um (judicialmente) se
converte em efeito cascata para os demais.
A
desídia por princípios e direitos básicos (isonomia, equidade), ao tratar seres
humanos como pessoas de 1ª e de 2ª categorias, acarretará contra si punições
financeiras – com tendência a se coletivizarem na instituição desordeira – e
outras funcionais ainda mais graves, se for bem motivado o Ministério Público
do Trabalho e o Ministério da Educação, por consequência.
Não
se trata, entretanto, de uma situação isolada de violação de direito
trabalhista, porque se agride sem responsabilidade os mais imediatos e
profundos princípios do Direito Ocidental. Então, por que fazem isso? Há muitas
possibilidades. No entanto, uma é geradora de todas as outras: a consciência do
direito na gestão dessa instituição é arcaica, mais precisamente
pré-capitalista, desumanizante, nos moldes de quem pretende aplicar-se às
regras da servidão ou criar bases do trabalho rebaixado à condição análoga à
escravidão.
A
saída desse caos, como se vê, não é jurídica. Porque, obedecendo a essa
limítrofe consciência escravista, o próprio setor jurídico da instituição não
tem força para mudar a política (escravista) que vem do alto. O caminho é
político: defenestração das hostes (escravistas) antes que o barco afunde em
falência total. Esse é um caso. Sim, só que é um caso que se multiplica quanto
mais nos distanciamos das lições preliminares dos cursos de direito.
1ª
Lição: o direito como dignidade humana começa na filosofia constitucional –
aportada na Constituição Federal de 1988 – e se ramifica ou se atrofia na ação
administrativa e em suas implicações políticas.
Alguns
gestores são republicanos e democratas – mesmo após 2016 e a reforma
capitalista de direitos, de 2017 – outros têm a visão escravocrata, retrógrada,
fascista. E é por estes que o país padece, que o desemprego é gerado e as mais
graves violações de direitos fundamentais são acolhidas com normalidade.
A
consciência (antiética, escravista), reduzida ao tamanho de uma insignificância
ética – mas de implacável resultado político e econômico – não lhes permite
ver/atuarem como seres humanos, mas apenas na forma de recolhos de uma história
escabrosa. São pessoas vivem no século XVIII, não conhecem a Lei Áurea. São
abutres da condição humana. São nefastos em seu nanismo ético e perniciosos ao
convívio humano. Por isso, deveriam estar presos por cometerem crimes contra o
legado da Humanidade. Infelizmente, esses fascistas passaram...
Se Maquiavel vivesse no Brasil, em 2018...
É uma complexa reflexão, que deixaria
Nicolau Maquiavel complexado: como seria o famoso livro O Príncipe – do criador
da Ciência Política nos anos 1500 – se vivesse no Brasil de 2018?
Antes do próprio Príncipe, é possível
que Maquiavel não escrevesse “A Mandrágora” – uma novela em verso em que prega
a Prudência. Talvez também não fizesse Discursos (outro livro) sobre a
República. Na Arte da Guerra é provável que investisse com mais virulência –
até pensando no fascismo renitente, em Trump e nas Fake News.
No cenário global da política, teria
de formular algumas recomendações do “que fazer” diante de empresas
multinacionais que já têm o valor nominal na casa de um trilhão de dólares. Que
soberania estatal resiste ao tamanho de tal capital?
Enfim, em seu Príncipe pós-moderno,
teria de se haver com a tal cordialidade e com o jeitinho brasileiro. Se fosse
emprestar a personagem Calímaco (de A Mandrágora) diria, por exemplo – como
ouvimos em grupos nazifascistas em periferias e grandes centros – “o racismo
foi inventando pelos negros”; “o escravo não trouxe nada para a cultura
brasileira”; “somos a herança branca, da cultura judaico-cristã”. Imaginemos um
João Grilo racista...
Porém, talvez por essas bandas
tupiniquins dissesse com todas as letras: “os fins justificam os meios”. Pode
ser que tenha dito ou ditado isso para alguém, mas o florentino não deixou
papel escrito com esses nobres dizeres a respeito da política.
Em contexto bem mais amplo, já imerso
nos séculos que lhe advieram, Maquiavel teria de se pautar, talvez ainda mais
incisivamente, sobre o “fazer política”. Mas, a tarefa não seria fácil.
Mesmo
definir o que é política, no contexto do século XXI – e especificamente no
Brasil de 2018 – requer elaborações mais sofisticadas do que no período do
Renascimento. O que ele diria do Golpe de 2016? Uma das possibilidades, com a
anuência de Maquiavel ("o objetivo da política é conquistar e manter o
poder"), seguiria a máxima do campeonato brasileiro: "é duro chegar à
liderança, mas é muito mais difícil manter-se por lá".
Em
exemplo mais conceitual, certamente perguntaria: onde andará a “virtù” no
século XXI? A nobre arte de dominar/governar com vigor – porque a política não
é para santos – astúcia e prudência parece perdida.
No
entanto, diferentemente do que se pode depreender das lições d’O Príncipe,
poderíamos pensar a política como a arte de dirigir, organizar e dominar.
Contudo, dependeria do fluxo histórico, se mais conservador ou revolucionário.
Assim, a política poderia implicar em dominação ou só administração/organização
da vida social.
A
política como dominação é um evento histórico e implica na presença do Estado e
do direito positivo – e o Estado pode ser extinto. Por outro lado, a política
como administração das coisas, obviamente, é algo permanente na vida social
humana.
Enfim, mais para embaralhar as cartas
do jogo ou diante das imensas dificuldades atuais em se administrar o xadrez
político, entre reis e peões, ainda teria de enfrentar a apatia, o desinteresse
popular pela política, a começar pela confusão não ocasional entre política e
polícia.
Nesse
caso, como explicaria o fato de que tantos policiais, em 2018, enfileiram-se na
disputa política? Como iria avaliar a intervenção federal no Rio de Janeiro, e
a dominação territorial feita por milicianos – milícias essas formadas,
prioritariamente, por ex-policiais, ex-bombeiros, ex-militares?
O
que o florentino diria ao saber que o assassinato da Vereadora Marielle, no Rio
de Janeiro, obedeceu a ordens de influentes e poderosos políticos locais e que
esteve sob a execução de milicianos com treinamento de Forças Especiais?
Ironicamente,
em “A Arte da Guerra”, ao analisar a necessidade de organizar a milícia,
naquele momento um tipo de exército próprio e organizado, Maquiavel relaciona o
poder político ao poder militar. Aqui acertaria em cheio, ainda que na
contramão.
Maquiavel
ainda teria de enfrentar o desafio de explicar os Donos do Poder. Esses, aliás,
nem sabemos muito bem onde estão; pois, não é raro que deem lances decisivos na
política nacional bafejando suas vontades lá do exterior.
A Política é um Direito: O 11 de Agosto é o Dia
da Liberdade
O 11 de Agosto é mais do que o Dia do
Advogado, ainda que isso, por si, queira dizer muito. O Dia 11 de agosto é o
dia da Liberdade. Certamente que não há Direito sem a liberdade. E sem
Liberdade não há Isonomia, Autonomia, Emancipação – e não há Justiça, porque
não há Equidade.
Sem
Liberdade, na opressão, não há vida social. Na opressão, o indivíduo não se
torna cidadão. Na opressão não há cidadãos porque os indivíduos são engolidos
por uma forma absolutista, amorfa, tentacular de poder que faz sucumbir o
Direito.
Na
opressão não há Cidadania porque não há Direito – ou até há, mas não o direito
que conhecemos, como Direito que serve à Cidadania. Na opressão só há, das duas
uma, ou o Direito do Estado ou o Direito dos amigos do Estado. Por isso, sem
Liberdade não há Direito.
Sem a Liberdade não vigora o Princípio
do Contraditório que, em suma, é o Direito de contradizer, de dizer o
contrassenso, de desdizer o que foi dito. Juridicamente, equivale ao Direito de
Defesa – amplo e irrestrito, tanto quanto o Estado de Direito Democrático
permita, com os meios e mecanismos legítimos de se defender diante da acusação
de cometimento de ilícito.
Na ausência da Liberdade e do
Princípio do Contraditório, como temos visto no país – desde 2016, mas com
rebarba em 2013 – na ânsia de punir, seja como for, dentro e fora da lei
(punitivismo), nem mesmo o ato indignado de quem acusa o abuso de autoridade (e
de poder) escapa ileso.
Para
os desafetos do poder absolutista – na mesma moeda que se via no Estado Leviatã
de priscas eras – recairá outra investigação: como se alegar abuso de
autoridade (e de poder) equivalesse ao crime de calúnia. Isso, de certo modo, é
compreensível porque a autoridade investida da Razão dos Reis (majestas), como poder absoluto, não
admite o erro. E por que não admite? Porque se julga acima dos mortais (como
admitir que serei julgado pela plebe?) ou porque teme perder o emprego. Na
Democracia, o(a) autocrata conhece a exoneração.
Desde que os advogados se aglomeravam
nas portas do Fórum, na Roma antiga, procurando por clientes, até este breve
século XXI, muita coisa aconteceu. Por exemplo, a figura majestosa do
“dictator”, o César capaz de ditar o Direito dentro do cerco do Estado de
Exceção conferido pelo Senado romano, foi substituída pelos limites
constitucionais.
Muita coisa também aconteceu desde que
Ihering invocou a célebre Luta Pelo Direito e Carré de Malberg resumiu a
sentença obrigatória à autoridade, para agir secundum legem, ou seja, de acordo com a lei. No nosso caso, de
acordo com a Constituição, em obediência ao Princípio da Autocontenção do Poder
Político.
Fora ou aquém disso, ausente a
Liberdade, impera alguma forma de regime de exceção, em que não prosperam a
Cidadania e o Direito, e em que a verdade sequer chegará aos autos, quanto mais
aos fatos. Sem Liberdade, o poder (autoritas) cegará o Direito.
Portanto, o 11 de Agosto simboliza
todos os outros dias do ano em que os(as) advogados(as) lutam pelo
restabelecimento da Liberdade, a começar pela denúncia de todos os atentados às
próprias prerrogativas da advocacia.
Se você tem a oportunidade de ler isto
(e eu de escrever) é porque muita gente lutou e morreu (ou matou) para que a
Liberdade não fosse um mito. A importância de se denunciar toda e qualquer ação
regressiva e restritiva, de toda e qualquer autoridade (abuso), está em
assegurar que possamos continuar a escrever e ler sem medo da opressão.
Também não me canso de dizer, mas hoje
é dia de lembrar, para nunca esquecer, que Autoridade sem Auditoria é
Autocracia. Agora acrescentaria que “somente na Liberdade a autoridade age com
Alteridade”.
Portanto,
que todos possamos comemorar, celebrar o 11 de Agosto com a Liberdade que a
Democracia permite, especialmente para que no próximo ano possamos lembrar e
comemorar a presença do Direito Livre do jugo da opressão atual.
(IN)CONCLUSÕES
Revoluções
brasileiras: do status quo ao devir
Se
queremos algo melhor, o Brasil precisa de revoluções. Ao menos três. Uma
mais à direita ou liberal implicaria na formação efetiva, material, de um
Estado de Direito. Nesse caso, ou o crime famélico não existiria, por ausência
de miseráveis famintos que roem o próprio estômago, ou não seria julgado no STF
o furto de uma caixa de leite para alimentar um bebê, por exemplo. Assim como
quem leva um detergente na mochila jamais seria preso por atentado ao Estado.
Também
nessa forma-Estado o foro privilegiado não esconderia privilégios de corruptos,
nos três poderes. O assim chamado trânsito em julgado não mais seria confundido
com prisão em segunda instância; nem militantes políticos seriam condenados a
não fazer política: exemplar pena da Sininho (Black Bloc). Também os ideólogos
do Fascismo seriam condenados por crime hediondo, como prescreve a Constituição
Federal de 1988. Ideólogos do antidireito (Roberto Lyra Filho) seriam
enclausurados como medida protetiva contra o Não-Estado (Norberto Bobbio): seja
da máfia das organizações criminosas (Estado Paralelo), seja do patrimonialismo
coronelista dos Donos do Poder (Raymundo Faoro).
A
segunda revolução institucional, meio ao centro, levaria à desprivatização do
espaço público e do Poder Público. A tecnoburocracia seria desarticulada como
estafe do poder. Gradativamente, esse tipo de establishment seria substituído pela inteligência e expertise da
universidade pública: um desembargador, por exemplo, nunca seria secretário da
educação. Decisões legislativas importantes, como emendas à Constituição,
obrigatoriamente, passariam pelo crivo do referendo ou do plebiscito.
Obviamente, sem ferir as cláusulas pétreas. E mecanismos de controle do poder
discricionário (hoje autocrático) seriam incrementados, como o recall judicial
e o veto popular.
A
terceira revolução, bem à esquerda, traria um "verdadeiro Estado de
Exceção". Verdadeiro porque até hoje o uso/sistemático dos meios de
exceção só se verificou em favor do capital e dos Grupos Hegemônicos de Poder.
Então, invertendo-se a lógica do Poder Político, o povo passaria a ser
beneficiado pelas regras de Exceção; especialmente se entendermos que,
atualmente, a regra de ouro do direito não é a isonomia real (menos ainda a
Dignidade) e, sim, a defesa da propriedade privada. Algo bastante óbvio neste
"verdadeiro Estado de Exceção" (como diz Walter Benjamin) é o fato de
que a equidade – como discriminação positiva, afirmativa – teria superioridade,
superveniência, à igualdade formal. Lembremos que a lei proíbe ricos e pobres
de viverem embaixo da ponte; mas quem é punido pela violação desse dispositivo
legal?
Ao
contrário disso, no curso da Revolução Francesa experimentou-se de um Estado
Legal. Ali o Princípio da Legalidade era equivalente da República, ou
seja, com Estado e direito falando a linguagem popular. Em nosso modelo, a
Comuna de Paris seria revisitada, atualizada em seus princípios. Nesse momento,
o Fascismo não mais seria a fase superior do neocolonialismo (parafraseando
Lênin).
No
sentido clássico, um Cesarismo Progressista (que em Gramsci é a antítese de El
Duce) daria ao povo o que é do povo – e não a César como ocorre atualmente. O potestas in populo seria a garantia
ontológica para debelar todo e qualquer atentado do poder ex parte principis. Portanto, nunca mais diríamos ‘Fora
Temer’ simplesmente porque o ovo da serpente do 18 Brumário (na denúncia de
Marx) restaria como casca e pó no cesto da história.
O
principal remédio jurídico desse Estado de Direito seria a Força Normativa da
Constituição Democrática - como Carta Política interpretada por cidadãos emancipados
e democráticos. Isso nos diria Häberle, se viesse a conhecer este Brasil
convulsionado pela Pólis
popular.
Se
você duvida de tudo isso, convido para sonharmos o futuro, porque é bom,
combate o Mal pela raiz (radicalmente); e porque o sonho da utopia é o primeiro
movimento da realidade. Além do mais, só a utopia pode combater a distopia de
“exceptio” que nos massacra hoje.
Para
ter essa certeza, pergunte-se quantas pessoas morreram para que, neste exato
momento, pudéssemos conversar sobre isso.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto (org.). Dicionário de Política. 5ª ed.
Brasília: Editora da UNB, 2000.
BORGES, Jorge Luis. Outras inquisições. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. 2ª ed.
São Paulo: Martins Fontes, 1999.
EINSTEIN, Albert. O poder nu. São Paulo: Rotterdam
Editores Ltda, 1994.
FERNANDES, Florestan. A formação política e o trabalho do
professor. In: O Desafio Educacional, Cortez Editora: São Paulo, 1989.
LEBRUN, Gerard. O que é poder? 6ª ed. São Paulo:
Brasiliense, 1984.
LIGUORI, G.; VOZA, P. Dicionário Gramsciano. Boitempo, 2017.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe - Maquiavel: curso de introdução
à ciência política. Brasília-DF: Editora da Universidade de Brasília, 1979.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1993.
Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a
O que o terrorista faz, primordialmente?Provoca terror - que se manifesta nos sentimentos primordiais, os mais antigos e soterrados da humanidade q
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