Sábado, 24 de novembro de 2012 - 09h25
Se o Ministro da Justiça diz que não sobreviveria nas prisões brasileiras[1], se os ministros da Suprema Corte concordam com ele, se lemos a notícia de que policiais venderam dados de seus colegas de farda a bandidos do PCC, para que fossem mortos, o que pensar do Estado de Direito no Brasil?
O que está por trás de toda essa onda de violência que abalou o país? Os fatores motivadores da violência são inúmeros, a começar de nosso histórico de banditismo social, movimentado pela corrupção pública, as imensas injustiças econômicas, o direito como reserva de poder das classes dominantes, a ação dos aparatos repressores do Estado na manutenção do status quo. No entanto, de modo mais direto, está a ação truculenta do próprio Estado, impondo-se por meio da violência no cárcere, como se negação dos direitos fundamentais fosse uma pena adicional a que os presos estivessem condenados e que o Estado aprovasse.
Uma vez que as prisões brasileiras são medievais, que a prisão não ressocializa ninguém – até porque o efeito normal é, realmente, dessocializar: tirar o pouco de sociabilidade que se tinha – é preciso encontrar uma saída para os condenados do Mensalão. Esse debate tomou conta do Supremo Tribunal Federal:
A discussão começou quando o ministro Antonio Dias Toffoli defendeu uma pena financeira mais grave no lugar da pena restritiva de liberdade para o réu José Roberto Salgado, ex-vice presidente do Banco Rural, alegando que esta tem resquícios do período medieval. “Já ouvi aqui que o pedagógico é colocar pessoas na cadeia, mas o pedagógico é recuperar valores desviados”, argumentou. O ministro Marco Aurélio concordou: “A parte mais sensível do corpo humano é o bolso”. Já o ministro Ricardo Lewandowski disse que pode reconsiderar seus votos sobre as multas, que estão sempre em patamares menores que as do relator Joaquim Barbosa. Responsável por ações voltadas à área carcerária quando era presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Gilmar Mendes disse “louvar” as críticas de Cardozo, mas lamentou que o assunto tenha sido abordado tardiamente. "Esse problema existe desde sempre, temos responsabilidade na temática. Temos um inferno nos presídios”[2].
Na mesma sequência, vemos empresas de telefonia que, para salvar lucros escorchantes, favorece o crime organizado, por que se recusam a instalar mecanismos de rastreamento das ligações.
Segundo o promotor João Santa Terra Júnior, do Gaeco ( Grupo Especializado de Combate ao Crime Organizado) de São José do Rio Preto, durante investigações contra grupos criminosos organizados, o MP identificou que várias linhas apresentavam o cadastro de CPFs inexistentes ou de pessoas sem nenhuma ligação com atividades ilegais. “É uma falha inequívoca. A facilidade de conseguir linhas sem ser identificado colabora para a organização desses grupos criminosos e até para os trotes de sequestro por telefone’, afirma o promotor”[3].
O problema da violência generalizada que se espalhou pelos Estados da Bahia, São Paulo e Santa Catarina revela que o próprio Ministério da Justiça não se dedica ao tema: utilizou-se menos de um terço das verbas disponíveis para investimentos em 2012.
Polícia bandida
O pior de tudo, entretanto, talvez esteja na traição perpetrada por policiais contra companheiros de farda, simplesmente porque ninguém espera ser traído, vendido para o inimigo. Além da corrupção que anima a cultura brasileira, o que levaria um policial a se desmoralizar tanto assim a ponto de entregar colegas de profissão à morte?
A Corregedoria da Polícia Militar suspeita que policiais entregaram a criminosos uma listagem com nomes completos, endereços residenciais e telefones de quase cem PMs que atuam na Grande SP. Segundo a apuração do órgão, a venda dos dados foi feita por R$ 8.000. A listagem teria sido retirada do 35º Batalhão da PM de Itaquaquecetuba, e as informações seriam usadas por membros da facção criminosa PCC para cometer atentados contra policiais e/ou seus familiares. Em agosto, agentes penitenciários apreenderam um celular usado por um detendo ligado ao PCC no qual havia uma listagem com as informações sobre policiais. Dias depois, a Corregedoria fez uma busca no batalhão de Itaquaquecetuba e recolheu três computadores de onde suspeita-se que a lista tenha sido vazada. Essa listagem, sigilosa, é utilizada para a convocação de PMs em situações de urgência[4].
Além disso, é óbvio que a corrupção faz sua parte. Porém, o que ainda se destaca é a utilização da tecnologia pelo crime organizado. Depois dos celulares, sem controle algum, sem recursos que impedissem seu uso nos presídios, agora utilizam as redes sociais. Ora, se uma determinada ferramenta permite a apologia do crime, não deveria ser investigada e igualmente reprimida neste ato? Se o cidadão é responsável por seus atos, por que as empresas de tecnologia não o são?
A lista foi distribuída, segundo a apuração, entre criminosos do PCC por meio da rede social Facebook em um "salve", nome dado a uma ordem dos chefes da facção. Em outubro, a Folha mostrou que o PCC incluía em livro-caixa pagamentos a policiais civis e acordos com PMs. Em um comunicado, os chefes pedem que outros criminosos busquem informações com os "PMs que roubam com a gente", porque só eles teriam os dados que eles precisavam. Não fica claro, porém, se o pedido se refere a endereços de policiais.
A onda da violência, portanto, tem a concordância do poder público. Ora porque fecha os olhos, ora porque estimula diretamente a criminalidade. Em Santa Catarina, depois que a esposa de um diretor de presídio foi morta, os presos passaram a ser espancados e torturados sistematicamente. Possivelmente em busca de informações da autoria do homicídio, o Estado Bandido gerou uma onda de represália dos criminosos soltos. Novamente, vemos o Estado como indutor do crime organizado[5]. Em São Paulo, como outra prova do descalabro, agora a Polícia Civil investiga a Militar e já se sabe que muitas das vítimas tiveram seus nomes acessados no sistema. O objetivo é identificar, por meio das senhas de acesso, o nome dos últimos policiais militares que procuraram registros de algumas vítimas assassinadas. Policiais Militares, com anuência dos seus superiores, rastrearam no banco de dados oficial os nomes e os endereços de alguns apenados para serem executados. Se seus superiores não sabiam disso, como foi que desconfiaram somente agora? Desse modo, institucional e juridicamente, vemos atuante o Estado de Direito que no Brasil sempre admitiu a negação de direitos fundamentais a determinados setores sociais, como negros, pobres, mestiços, não-proprietários, desempregados, favelados.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
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