Segunda-feira, 1 de outubro de 2012 - 06h08
A reforma do Código Penal trouxe muitas questões para o debate nacional, a mais importante diz respeito à configuração do próprio Estado. Há uma grave ameaça de que o poder público se incline para uma política generalizada de repressão e de criminalização das relações sociais.
Um caso bastante discutido faz referência, para alguns, à necessidade de se agravar atentados contra policiais e militares, pois deveriam ter penas ainda mais graves. Outro exemplo claro se refere à punição ampliada de crimes relativos a grupos de extermínio, milícias, organizações paramilitares e esquadrões da morte.
A lei foi sancionada pela presidência da República, no dia 28/09. O Artigo 288 tipifica em detalhes: “Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes [previstos no Código Penal]”. A explicação oficial relaciona o texto da lei aos trabalhos de uma CPI que investigou esses crimes na região Norte/Nordeste.
Ao contrário do que prega o oficial, entretanto, podemos ver aí a ação do Estado trazendo derivados a um preceito constitucional que, de certo modo, já abria as portas para a tomada de medidas de exceção, para situações em que não se aplica a regra. Como se vê no art. 5º da CF/88:
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (in verbis, grifos nossos).
Curioso notar, entretanto, que as ações armadas civis ou militares antidemocráticas são definidas como crimes imprescritíveis e inafiançáveis, ao passo que o terrorismo é tipificado como crime inafiançável, mas apenas insuscetível de graça ou anistia. Como se o terrorismo fosse um crime menor, sem a incidência da imprescritibilidade. O atentado à ordem constitucional é um crime contra a Razão de Estado e o terrorismo pode se voltar somente contra a sociedade, ou seja, preserva-se o Estado mais do que a sociedade.
Se a própria Constituição criminaliza as ações contra o Estado de maneira mais gravosa do que os atentados contra a sociedade e o mundo da vida, assim se dá porque os meios de exceção são voltados à proteção da Razão de Estado. Uma vez que uma agressão ao Congresso Nacional receberia uma punibilidade maior do que se o alvo fosse uma praça pública – o bem jurídico revela-se nas hostes do poder e mesmo que se tratasse de milhares de vítimas.
É a partir dessa reflexão que podemos dizer que uma abordagem acerca da dogmática jurídico-penal não pode ser feita sem uma relação entre o Direito Penal e o crime, além da política criminal de modo geral. Trata-se, portanto, de esclarecermos de que política criminal estar-se-ia falando; se de uma política criminal assente no Estado Democrático de Direito, pautada nas relações democráticas, nos princípios básicos do respeito à dignidade humana, da igualdade e da liberdade; ou se de uma política criminal baseada na manutenção do status quo da classe dominante, das desigualdades sociais gritantes, dos privilégios de uns poucos sobre a maioria dominada.
A principal meta do Estado Penal é a manutenção da “lei e da ordem”, com um suposto combate desmedido ao crime a qualquer custo. A política de “tolerância zero”, adotada e defendida pelo Estado Penal, é a sua maior campanha no combate à criminalidade, porque para este tipo de Estado coercitivo “o crime não passa de uma escolha feita pelo agente”. Deste modo, o crime sempre é de absoluta responsabilidade do delinquente, sem que haja uma relação que envolva o social, o político e o econômico no crescente avanço dessa mesma alegada “criminalidade social”.
Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo
Profª. Ms. Fátima Ferreira P. dos Santos
Centro Universitário/UNIVEM/Marilia-SP
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