Segunda-feira, 16 de abril de 2018 - 21h12
O escândalo do Facebook[1] é um exemplo, apenas um indicador de estilo pós-moderno de negação do mundo político, e simboliza a formação do Totalitarismo Econômico. É um caso concreto da forma como a economia invadiu a política: ao invés de ser um espaço público, as redes sociais converteram-se em shopping centers.
Há um claro movimento de colonização do Político pelo privado, invertendo-se a lógica que a Humanidade levou séculos a construir para si mesma. Não há apenas despolitização, no sentido tradicional de quem não se admira diante de assuntos políticos prosaicos ou controversos, nem mesmo dos achaques da ideologia (como meia-verdade) ou sequer dos casos afetados por Fake News (notícias falsas) de qualquer conteúdo, mas com evidente implicação política.
Hoje, visto como ponta do iceberg da colonização totalitária do público pelo privado, o caso Facebook revela que o Político está em vias de aniquilamento, atacado por valores e práticas de uma “nova” fase do capitalismo que, além de neocolonial, literalmente, exclui as relações políticas do cenário trivial do homem médio em sua vida comum. Juridicamente, foram negados direitos assentados em 1215.
Se já experimentávamos a dessocialização, a partir da observância de conteúdos fascistas e neo-nazistas que se multiplicam por meio de notícias falsas criadas por robôs virtuais (bots), agora temos um fenômeno claramente que caça os poucos espécimes restantes do chamado “animal político” (zoonpolitikón).
Quanto mais despolitizado o indivíduo, melhor é o consumidor de demandas quem nem o próprio sabe ser portador. Demanda induzida, compra certa, voto nulo ou perdido na preguiça de ler textos inteiros. Na contra-oferta do elitismo, o meme é massa pronta que assa no micro-ondas da desinformação.
Se o humano se formatou como ser notável na natureza, por intermédio do “fazer-política”, no século XXI vemos atônitos e sem poder de barganha o mercado monopolizado (Google, Facebook, Microsoft) excluir o humano do Político, a fim de se tornar cada vez mais um ser social obediente e ávido por consumidor. A Ágora, a praça pública em que os gregos faziam política na antiguidade, multiplicou-se na modernidade, só que na forma de um “aqui-agora” em que o devir não tem tempo de espera. Vivemos no instantâneo, como miojo pré-fabricado.
Esta talvez seja a única forma de se entender porque, deliberadamente, sabedores de que as redes sociais nos vasculham na intimidade e na troca de mensagens políticas, mesmo assim abrimos mão de nossas convicções e da privacidade. Aceita-se, calmamente, que o discurso da segurança tenha mais ocupação do que a liberdade; aceita-se, placidamente, que a vida pública seja exposta em gôndolas e expositores do shopping center virtual. Aceita-se, por fim, que o animal político se desfaça como uma bruma consumista, que a realidade se dissipe como “tudo que é sólido e que desmancha no ar”. Rarefeitos como descuidados políticos, agora nos descuidamos do mínimo que nos assegurava autonomia e independência.
O futuro é aberto, por óbvio, porém, se tomarmos o presente por referência – no que também seria óbvio (lógico) – podemos pensar que robôs virtuais seriam substituídos por robôs materializados em Inteligência Artificial e que, um dia, tenham a vontade própria (a que abandonamos no século XXI) de nos governarem.
O que, evidentemente, seria o máximo da contradição, se pensarmos que na base desse Golpe de Estado Virtual estaria a vontade atuante de uma Inteligência Política Artificial. Isso não existe? Existe na ficção de Isaac Asimov, do Eu Robô que já se atualizou como drones guerreiros. Além disso, quem sabe dizer ao certo o quanto somos vigiados, controlados por agências públicas de monitoramento? Quem tem atualizados os dados do Império da Vigilância, que nos reportou Ignácio Ramonet?
Até ontem ninguém sabia dos riscos do Facebook? É claro que muita gente sabia: governos, empresas terceirizadas, os criadores, cidadãos. Por que não se fez nada? Porque ainda não se faz nada ... essa é a questão. Não se faz nada porque o “fazer-política” já não depende mais de cada usuário e sim de vetores de poder político e econômico que suplantam toda e qualquer soberania. É o custo do capitalismo de vigilância, em que nacos gigantes de nossas vidas (“lagos de dados”) têm mais valor para os negócios do que para nós mesmos.
Nesta mesma sequência, se desde 2010 digitalizamos golpes de Fake News na política nacional, na eleição de 2018 a ocorrência deve ser grandiosa. A começar dos compartilhamentos imparáveis de notícias (ou notas) sobre intervenção militar, a série de Fake News por regimes de exceção tomou o modelo viral dos “memes”.
Por outro lado, as medidas supostas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), na espreita do desprezo pela liberdade na cidadania, oferecem legislatura e interpretação em que a base dos dados é a censura prévia. Neste mar de dados pós-modernos, em que o Político sucumbe ao Totalitarismo Econômico, nossas autoridades querem reinventar o Estado Moderno absoluto. Como se vê, o “ser-aí” não-está-sendo.
Até o final do século passado, muito se falou de um Estado Sedutor – com a TV formatando “consciências imagéticas” –, no entanto, hodiernamente, vocacionamos as redes sociais para que descrevam a sedução por um Admirável Mundo Novo desestatizado, mas financeirizado para o gosto dos que podem pagar. A conta, como se sabe, é salgada, vem em fast food com preço de escargot. Quem imaginou esse dia, sinceramente, que se descreveria o preço do Político, na bacia das almas do shopping center? – e que também não se sabe se é regulado pelo direito público ou privado.
A conclusão, em parte já iniciada por milhões de usuários que travaram suas contas no Facebook, é o da retomada do espaço público. Entretanto, como-forma pública e material – ou seja, desde recuperar as praças públicas (pelos governos locais) até mobilizações sociais que não-compartilhem o fascismo e todas as formas de segregação. Ao adotar o Político, de novo, adotaremos a nós mesmos.
Não se trata de reinventar a roda, a exemplo da Primavera Árabe que estatelou-se em solo estadunidense, nem de tomar uma legenda partidária. Trata-se, outrossim, de “tomar partido” contra tudo que mitigue nossa inteligência, liberdade, autonomia; de nos propormos uma pronta rebelião virtual e material contra as seletividades políticas da vida pública: desobediência civil. E um bom começo está em desligar sua página de Facebook. A minha está há anos “fora do ar” (antes ela do que eu).
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política)
Professor Associado da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/CECH
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