Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

×
Gente de Opinião

Vinício Carrilho

O golpe institucional


Sem garantir a segurança institucional ao próprio Estado de Direito, assistimos atordoados, em meio à incompreensão jurídica que aflora como regra de poder, a uma nova modalidade de subversão do direito: o golpe institucional.

O caso clássico de Honduras, com um golpe de Estado dentro de um golpe institucional, seguido pelo Egito – em que o Judiciário dissolveu o Parlamento – e culminando com a deposição do presidente do Paraguai, trazem à tona dois temas da moderna teoria política: o parlamentarismo e os golpes de Estado.

Na verdade, os dois estão intrinsecamente ligados, haja vista que o parlamentarismo como sistema de governo impede que as crises políticas se transformem em golpes. Ao invés do Golpe de Estado, destitui-se o primeiro ministro ou, em crises mais agudas, dissolve-se o Parlamento e, em seguida, convocam-se novas eleições. O que lhe daria considerável substância política de regularidade institucional superior ao presidencialismo.

No artigo, entretanto, o tema será o golpe de Estado, agora intitulado de “golpe institucional”. No fundo, há algumas diferenças formais: o golpe de Estado, via de regra, atropela os institutos democráticos e pode conduzir a uma ditadura – como em 1964, no Brasil, ou no Chile de Pinochet; o golpe institucional procura agir dentro do espaço jurídico – impeachment – sem modificar direitos fundamentais – a exemplo de “não-suspender” os direitos civis e políticos.

No golpe institucional, vale a pena acompanhar os desdobramentos no Paraguai, o governante deposto costuma ser combatido ideologicamente e penalizado de acordo com as leis existentes, por exemplo, condenando-o a alguns anos de perda dos direitos políticos.

Os manuais de direito constitucional, inclusive, recomendam que não se utilize a expressão “perda de direitos políticos”, para esses casos, porque o termo “perda” remonta aos regimes de exceção. Os inimigos de Estado perdem a cidadania, a nacionalidade; devem ser afastados da vida política.

Tudo corre como se no golpe de Estado houvesse perda de direitos, mas no golpe institucional apenas suspensão. A suspensão é temporária, como um criminoso que pode ser ressocializado, adota-se uma pena transitória. A perda de direitos é significativa, denota a força política brutal, tem caráter irreversível; não-raramente, perde-se a vida.

O golpe de Estado costuma vir seguido de caça às bruxas, com condenações em tribunais de exceção, prendendo-se desafetos, desterrando-se inimigos políticos. Nos casos mais tradicionais, o antigo adversário político – mantido nesta condição pela democracia política liberal – converte-se em inimigo político. Nesta condição, não é inimigo do novo imperador, mas sim inimigo do Estado. Por isso, constrói-se um discurso político – com justificativas legais – para que seja expurgado, eliminado.

Para os dois casos vale a mesma justificativa, a crise de desgoverno ameaça a sociedade e isto legitima o uso de recursos extraordinários na sua contenção. Se bem que, no golpe institucional, alega-se a plenitude do Estado de Direito, a permanência da própria democracia.

No golpe institucional, somente se há ou pode haver reação mais intensa, os meios de exceção são acionados. No golpe de Estado, o uso da exceção é imediato, instaurando-se o Estado de Sítio, porque se alega exatamente a gravidade da situação política.

Todavia, ambos conduzem a regimes de exceção, ainda que o golpe de Estado seja mais refinado, cuidadoso, sobretudo quanto ao direito internacional; procurando-se demonstrar que se seguiu à risca o que a legislação constitucional permitia; preservando-se a essência do Estado de Direito, não há porquê haver retaliação político-jurídica internacional.

Na prática, o golpe institucional obedece à formalidade jurídica – com vistas à opinião pública internacional – que não descaracteriza o golpe de Estado. Pois, o resultado político nas duas formas de destituição do poder estabelecido é o mesmo: a democracia cede ao poder. O que pode mudar, entretanto, é o tom do discurso político em que se procura demonstrar como tudo foi feito em prol da segurança social.

Em suma, em comum, há o fato de ambos utilizarem de institutos democráticos para, em nome da defesa da democracia, suspender as garantias democráticas ou, pelo menos, subvertê-las em razão do novo bloco de poder. Na prática, demonstra-se a fragilidade da democracia formal-liberal. Da maneira como se tem conduzido, em ambos, há um golpe no Estado de Direito.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

Gente de OpiniãoSexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)

VOCÊ PODE GOSTAR

 Toda tese é uma antítese

Toda tese é uma antítese

A ciência que não muda só se repete, na mesmice, na cópia, no óbvio e no mercadológico – e parece inadequado, por definição, falar-se em ciência nes

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

A Educação Constitucional do Prof. Vinício Carrilho Martinez

Introdução Neste texto é realizada uma leitura do livro “Educação constitucional: educação pela Constituição de 1988” de autoria do Prof. Dr. Viníci

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes são racistas

Todos os golpes no Brasil são racistas.          Sejam grandes ou pequenos, os golpes são racistas.          É a nossa história, da nossa formação

Emancipação e Autonomia

Emancipação e Autonomia

Veremos de modo mais extensivo que entre a emancipação e a autonomia se apresentam realidades e conceitos – igualmente impositivos – que suportam a

Gente de Opinião Sexta-feira, 27 de dezembro de 2024 | Porto Velho (RO)