Sábado, 30 de junho de 2012 - 00h01
Poucas assertivas e princípios jurídicos foram mais debatidos e consagrados do que a segurança jurídica. Sem a segurança de que o direito deveria se pautar por regras conhecidas e desse modo repetir seus atos deliberativos, não haveria segurança de que as decisões de hoje seriam a base das de amanhã. Esta normalidade, quer dizer, seria normal, esperado, que em casos semelhantes não caberiam decisões disparatas, forneceu a base de regularidade que amparava a segurança jurídica.
A maior característica racional da segurança jurídica não está exatamente em garantir o conhecido direito líquido e certo; isto seria mera consequência se as decisões mantivessem regularidade no tempo. Os indivíduos teriam segurança de que não haveria surpresas desagradáveis na decisão de seus pedidos, visto que a aplicação das regras não obedeceria a critérios desconhecidos. Estariam convencidos de que a mesma regra não geraria decisões diferentes, opostas, contraditórias, antagônicas.
A segurança jurídica, como estabilidade no andamento e nas decisões jurídicas, pautava-se na certeza de que o direito que atingia a sociedade também abarcava o Estado. O século XX foi marcado juridicamente pela “regra da bilateralidade da norma jurídica”. Esta regra de contenção do poder seria um super direito social, um vigoroso remédio jurídico contra os distúrbios do poder, um remédio contra as doenças da política que dominam o Estado.
Em um nível mais sofisticado, nas décadas de 1970-80, outra parte desses remédios jurídicos, como o mandado de segurança coletivo, foi articulada para obrigar o Estado a reparar danos ocasionados à sociedade, por sua ação ou omissão. Na era do pós-modernismo jurídico, em que se destaca o individualismo jurídico, em sentido oposto ao avanço histórico, criou-se uma espécie de super regra para desobrigar o Estado de suas responsabilidades sociais.
Dá-se o nome de “reserva do possível”, ou seja, quando for possível ao Estado agir em benefício ou reparar o que provocou, então, será feito. Mas, somente quando for possível e será possível quando os interesses deletérios permitirem. Quando os recursos forem em abundância, quando sobrarem dinheiros públicos, aí haverá investimentos sociais ou reparos aos danos sociais provocados por desídia ou incapacidade, incompetência pública.
Desse modo, o Estado Democrático de Direito se defende, para não ser obrigado a ser social e democrático. Se o direito é social, por definição, porque deriva das atribulações sociais, do entrechoque da sociedade com o Estado, quando se vê o direito desvinculado de suas atribuições sociais, é óbvio que perde a real substância democrática. Não há direito democrático que não esteja vinculado às tarefas sociais, porque só é democrático o direito que deriva e atende ao pluralismo social e cultural.
O Estado de Direito já estava refém das injunções do poder ou das ideologias liberais de seus julgadores, a normalidade das decisões já estava vencida, com ampla exposição de ideias (deletérias) de quem agia em nome do direito. Agora, o Estado Democrático está imune à democracia social, pois o social será atendido quando for possível, quer dizer, quando for interessante aos recursos políticos.
Portanto, o Estado Democrático de Direito que se definia pela capacidade de incursão social, que derivava seu direito da ânsia social e assim se promulgava democraticamente, agora se consigna pelo direito individual do Estado. O individual direito do Estado de não ser democrático é assim garantido – e contrariando-se a própria Constituição –, pois só depende das forças políticas dominantes do Estado provocar, promover ou não a satisfação das necessidades sociais. Trata-se de uma aberração histórica, porque os direitos individuais ou civis foram conquistados à força, como contenção dos abusos de poder.
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