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Vinício Carrilho

O PCC e a Razão de Estado


O PCC divide a regulamentação das atribuições nos presídios com o Poder Público do Estado de São Paulo, regula o cotidiano dos presos, diz o que pode e o que não é admitido. Proibiu a violência sexual entre os presos, impôs a regra de Taleão, ultrapassou o ordenamento jurídico com a pena de morte, derrubou a burocracia e a lentidão judicial – com os “tribunais do crime”. Tem organograma funcional, com rígido controle hierárquico. O PCC foi criado, pelos presos, obviamente, mas para se defenderem da truculência do Estado e das penas acessórias: humilhação (“esculacho”; “escracho”), furtos, estupro, violência, contaminação por DSTs no interior do próprio sistema prisional. O que, na prática, o Estado em sua violência institucional habitual era incapaz de garantir.

Em todo caso, isto é sabido desde que o Estado instigou a criação do PCC (1993) - como força hegemônica -, ao patrocinar a "seleção natural" entre as facções criminosas existentes à época. Antes, as várias facções disputavam o poder entre si, uma limitava a outra; depois, eliminadas uma a uma, restou a mais forte, agindo como um poder central. É incrível como o PCC se parece com a Razão de Estado – com seu capo ou condottiere. Em suma, não é um bando anencéfalo.

O PCC e a Razão de Estado - Gente de Opinião
Condottiere: desenho de Leonardo Da Vinci. Representa um líder mercenário que controlava com poder absoluto uma milícia italiana. O condottiere também é o condutor da majestas, a soberania ilimitada do Poder Político.

Aliás, Marcola, o grande líder da facção criminosa, faz tempo que lê Marx. Já foi leitor assíduo de Maquiavel, no Príncipe. No qual, busca incansavelmente entender as formas de retenção do poder. Em breve, estará estudando o intelectual Antonio Gramsci, para avançar em seu processo de dominação hegemônica. Há que se lembrar que Gramsci foi condenado a 20 anos de prisão. Combalido, foi solto três dias antes de morrer, devido à tuberculose óssea contraída no cárcere fascista italiano; onde também escreveu um volumoso Cadernos do Cárcere. Como o nosso Graciliano Ramos, que produziu uma longa história - Memórias do Cárcere – quando esteve preso, acusado de participar da Intentona Comunista, de 1935.

Para a liderança do PCC, no entanto, trata-se de luta de classes; ao contrário do Rio de Janeiro, em que o inimigo (Alemão) não é o Estado, e sim a sociedade. Esse é o panorama do crime organizado civil; então, por que não se estuda de verdade? Porque não seria digestivo ao Estado reconhecer que há uma guerra civil (e há muito que não é surda) e que esta se alimenta da luta de classes engendrada (dirigida socialmente) pelo lumpemproletariado.

O lumpen, a pior fração de classe, no bojo do sistema capitalista, construiu no Brasil uma estrutura gigantesca, capaz de indicar legisladores e de corromper o Judiciário. Comparativamente, seria uma máfia de miseráveis que avança inconteste para/sobre o Estado. A fração social do lumpen é um exército de indivíduos absolutamente embrutecidos pelo próprio capital que tanto anseiam. Dá para imaginar o controle social sendo exercido pelo lumpen? Todos os séculos de Renascença e de Iluminismo seriam varridos da terra brasilis. Um tipo de talebã criminoso? Não, porque adoram Rolex! Há outra diferença: o PCC é um só partido; a máfia tem famílias.

Seria o caos? Ou não, se entendessem que a sociedade contribuiria diretamente, voluntariamente com a “caixinha do partido”. Outro dado: nao se auto-proclamou Partido aleatoriamente. Partido é parte, uma parte que quer o todo. Todo partido quer representar ou dominar as outras partes. No processo hegemônico, a parte se faz todo, para todos. Deixa de transparecer que tem uma origem parcial. Assemelha-se ao todo. Alimenta todos os seus interesses parciais; contudo, metamorfoseado, não transparece que age em benefício próprio. É outra forma de exceção que vira regra. Age para si, parecendo que é para todos (ideologia, como sombra da realidade). No fundo, toda utopia seria convertida em distopia. A Constituição sofreria sérias emendas, de acordo com o Estado do PCC. Aliás, o Estatuto do PCC (2001) pede efetividade ao Estado Democrático de Direito e aos direitos humanos fundamentais. Isso também não é à toa.

Vinício Carrilho Martinez

Professor da Universidade Federal de São Carlos

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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