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Gente de Opinião

Vinício Carrilho

O que pude aprender nesta eleição


Aprendi ou percebi algumas situações interessantes nesta eleição e farei aqui uma análise bastante pessoal, não como gostaria um cientista político. Enfim, aprendi que a sociedade está mudando, mesmo que lentamente, e já tem consciência de que merece uma política de melhor qualidade. Por exemplo, ainda há venda de voto e de consciência, mas ouvi relatos de eleitores que “venderam” os votos da família umas quatro, cinco vezes, fizeram churrasco com o dinheiro, e depois votaram de acordo com a vontade própria.

O julgamento do mensalão fará algum estrago no velho modelo de se fazer política, seja de esquerda seja de direita. Crime é crime, independente da coloração ideológica. Essa leitura também ouvi de muitos eleitores medianos, nenhum jurista ou cientista social.

O povo espera ser tratado com educação, simpatia, delicadeza, sensibilidade. Esse foi, por exemplo, o meu caso, quando o policial permitiu que o taxi me levasse além da faixa de isolamento para que descesse, porque, se não fizesse isso, teria de andar um pouco mais e a deficiência física foi a senha para que ele autorizasse minha passagem. Quantas pessoas não gostariam de receber um tratamento digno, respeitoso, baseado no bom senso? Infelizmente, não anotei seu nome.

As pessoas esperam, em todo o Brasil, que os políticos eleitos sejam honestos e eficientes. Vai demorar um pouco mais para que esse sentimento se traduza em votos efetivos e depois em ação política, mas hoje penso que estamos andando nesse sentido. Por outro lado, muitos dos réus do mensalão tinham essa rubrica, honestidade e senso público. Acabaram corrompidos, por uma razão ou outra e, é óbvio, isso gerou enorme frustração em muitos – conheço dezenas de pessoas amarguradas porque se sentiram traídas, enganadas e não se perdoam por terem acreditado em algumas das figuras do mensalão. Sinceramente, minha contemplação milagrosa se desfez há mais de dez anos. De todo modo, o povo espera apenas que os políticos sejam mais honestos – talvez já surja a consciência, mesmo timidamente, de que a honestidade (estilo: “Meu nome é ficha limpa!”) não é uma qualidade, é uma obrigação elementar. Muitos já dizem, agora sim corretamente, que “não basta parecer honesto, é preciso ser honesto”. No brasil minúsculo na moral, tornou-se muito comum a análise cínica de que as aparências eram mais importantes do que a substância.

É claro que cada (e)leitor terá sua análise e poderá concordar, discordar ou acrescentar situações, correlações que não mencionei nesse espaço. Aliás, seria ótimo que isso ocorresse, pois indicaria que muitos outros têm uma visão do mundo político menos ingênua.

E a última consideração que gostaria de acrescentar é o fato de que o eleitor já tem, de modo muito mais ampliado do que há dez anos, o conhecimento técnico do que é o Estado de Direito. Esse me é um tema muito caro, porque foi o objeto do meu mestrado em direito e desde então não me separei mais de sua reflexão. Na volta das eleições, lembrei-me de uma lição do século XIX, de Carré de Malberg, quando procurava definir a essência do que se tinha por Estado de Direito. Temos que reconhecer que, juridicamente, fez-se muito mais do que aponta o jurista francês, mas na consciência mediana das pessoas ainda não se avançou tanto assim. Por isso, se o eleitor já se bater com os preceitos abaixo e verificar que está nessa sintonia, parabéns, está no caminho certo, talvez mais além do que muitas instituições e, certamente, está muito melhor do que a imensa maioria dos políticos brasileiros.

Estado de Direito –

(MALBERG, R. C. de. Teoría general del Estado. 2ª reimp. Cidad México: Facultad de Derecho/UNAM : Fondo de Cultura Económica, 2001.)

 

 “Por Estado de Direito se deve entender um Estado que, em suas relações com seus súditos e para a garantia do estatuto individual, submete-se ele mesmo a um regime de direito, porquanto encadeia sua ação em respeito a eles, por um conjunto de regras, das quais umas determinam os direitos outorgados aos cidadãos e outras estabelecem previamente as vias e os meios que poderão se empregar com o objetivo de realizar os fins estatais: duas classes de regras que têm por efeito comum limitar o poder do Estado subordinando-o à ordem jurídica que consagram”.

“Uma característica do regime do Estado de Direito consiste precisamente em que, com respeito aos administrados, a autoridade administrativa somente pode empregar meios autorizados pela ordem jurídica vigente, especialmente pelas leis. Isto implica duas coisas: por um lado, quando entra em relação com os administrados, a autoridade administrativa não pode ir contra as leis existentes, nem se apartar delas, ela está obrigada a respeitar a lei. Por outro lado, no Estado de Direito em que se tenha alcançado seu completo desenvolvimento, a autoridade administrativa não pode impor nada aos administrados se não for em virtude da lei, e não pode aplicar, com respeito a eles, senão as medidas previstas explicitamente pelas leis ou ao menos implicitamente autorizadas por elas; o administrador que exige de um cidadão um feito ou uma abstenção deve começar por mostrar-lhe o texto da lei de onde toma o poder para dirigir-lhe esse mandamento”.

“Por conseguinte, em suas relações com os administrados, a autoridade administrativa não deve somente abster-se de atuar contra legem senão que ademais está obrigada a atuar somente secundum legem, ou seja, em virtude das habilitações legais. Finalmente, o regime do Estado de Direito implica essencialmente que as regras limitantes que o Estado impôs a si mesmo, em interesse de seus súditos, poderão ser alegadas por estes da mesma maneira que se alega o direito, já que somente com esta condição terão de constituir, para o súdito, verdadeiro direito”.

“O Estado de Direito é então aquele que, ao mesmo tempo, formula prescrições relativas ao exercício do seu poder administrativo, e assegura aos administrados, como sanção de ditas regras, um poder jurídico de atuar ante uma autoridade jurisdicional com o objetivo de obter a anulação, a reforma ou pelo menos a não aplicação dos atos administrativos que as tiveram infringido. Portanto, o regime do Estado de Direito se estabelece em interesse dos cidadãos e tem por fim especial preservá-los e defendê-los contra a arbitrariedade das autoridades estatais”.

“O regime do Estado de Direito significa que não poderão impor-se aos cidadãos outras medidas administrativas, que não sejam aquelas que estejam autorizadas pela ordem jurídica vigente, e, por conseguinte, exige-se a subordinação da administração tanto aos regulamentos administrativos quanto às leis. Não se pode confundir, entretanto, esta fórmula governamental com aquela que se conhece habitualmente sob o nome de governo convencional[1]”.

“Ademais, o desenvolvimento natural do princípio sobre o qual descansa o Estado de Direito, implicaria que o próprio legislador não pode, mediante leis feitas a título particular, derrogar as regras gerais consagradas pela legislação existente. Estaria igualmente de acordo com o espírito de dito regime que a Constituição determinasse princípios e normas superiores, e garantisse aos cidadãos aqueles direitos individuais que devem permanecer fora do alcance do legislador[2]. O regime do Estado de Direito é um sistema de limitação, não somente das autoridades administrativas, senão também do corpo legislativo”.

“Mas, por outro, não se há elevado o Estado de Direito até a perfeição, pois, se bem se assegura aos administrados uma proteção eficaz contra as autoridades executivas, não se obriga o legislador a um princípio de respeito do direito individual que deva impor-se a ele de um modo absoluto. Para que o Estado de Direito se encontre realizado, é indispensável, em efeito, que os cidadãos estejam providos de uma ação de justiça, que lhes permita atacar aos atos estatais viciosos que lesionem seu direito individual[3]”.

“A Constituição não somente exige que o administrador atueintra legem, senão que lhe manda atuarsecundum legem, no sentido de que todo ato administrativo deve fundar-se em leis que lhe autorizem, ou nas quais busque a execução. Neste sentido está certo afirmar, sem forçar o alcance natural das palavras, que a administração é somente um poder de ordem executiva. A expressão função executiva traduz unicamente a idéia de que a atividade das autoridades, diferente do legislador, apenas pode exercer-se em virtude das leis; mas não existe nenhuma categoria particular de atos que sejam, pela sua mesma natureza, atos executivos”.

“Em síntese: 1º O Estado de Direito se estabelece simples e unicamente em interesse e para a salvaguarda dos cidadãos: só tende a assegurar a proteção do seu direito ou do seu estatuto individual; 2º O sistema do Estado de Direito se encontra estabelecido atualmente na maior parte dos Estados, pelo menos no que se refere ao poder administrativo; 3º O sistema do Estado de Direito, por mais que tenha um alcance menos absoluto que o do sistema do Estado legal, enquanto a extensão do poder administrativo, possui, em outros aspectos, um alcance maior que este último”.

Vinício Carrilho Martinez
Professor Adjunto II da Universidade Federal de Rondônia
Departamento de Ciências Jurídicas
Doutor pela Universidade de São Paulo



[1]Também parece claro que não é o caso de se pensar num governo de magistrados.

[2]Cláusulas pétreas.

[3]Hoje seria o caso evidente de se interpor as garantias institucionais e os remédios jurídicos.

* O conteúdo opinativo acima é de inteira responsabilidade do colaborador e titular desta coluna. O Portal Gente de Opinião não tem responsabilidade legal pela "OPINIÃO", que é exclusiva do autor.

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