Quinta-feira, 11 de julho de 2013 - 11h14
Vinício Carrilho Martinez (Dr.)[1]
O Poder de Império nos tempos hodiernos nos remete as várias outras indagações sobre o “pacto federativo”, consubstanciadas em uma necessária agregação do que pode ser considerado interesse público e os anseios por respostas públicas e soluções imediatas para suas preocupações. Os movimentos que tomaram as ruas também refletiam a crítica às instituições públicas e ao papel (como função social) desempenhado pelo Estado brasileiro.
O corte epistemológico de nossa abordagem se concentra no Poder de Império como um dos elementos de formação do aparato estatal, presente desde a formação inicial do Estado Moderno, assim como povo e território também o são. Pode-se inicialmente ser tratado como a manifestação inequívoca da soberania interna, a exemplo do que aferimos neste julgado em Ação Civil Pública:
RECURSO DE REVISTA RR 86 86/2006-653-09-00.0 (TST)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - GARIMPAGEM CLANDESTINA - LIMINAR - CUMPRIMENTO PELA UNIÃO FEDERAL - PODER DE IMPERIO.
1- Lídima a decisão judicial que determina à União Federal, no âmbito de sua competência, cumprimento, no prazo nela estabelecida, de liminar deferida a terceiro em Ação Civil Pública por deter intransferível poder de império. (grifos nossos)
O Poder de Império mostra-se sui generis, e como tal, representa a capacidade de o Estado impor soberanamente sua vontade com vistas a atender ao interesse público. Segue, assim, a teoria finalista do Estado e subsidia o ato administrativo. A doutrina tradicional destaca como atributos do ato administrativo:
O Estado age com Poder de Império quando impõe seus atos administrativos a terceiros, independentemente de sua vontade. Por seu turno, autoriza-se/legitima-se esta capacidade de imposição unilateral da vontade do poder público por meio do Poder Extroverso.
Poder Extroverso
O Poder Extroverso consiste em permissão decorrente da imperatividade, sobre a qual nos remetemos acima, para que o Estado interfira, por meio de seus atos administrativos, na esfera jurídica dos cidadãos e criem para esses obrigações de ordem unilateral.
Como nos diz Sundfeld:
O Estado produz seus atos no uso de poder extroverso. No entanto, o poder político seria arbitrário e despótico se os interessados não pudessem expor suas razões, opiniões, interesses, antes de serem afetados pelos atos estatais. Os comerciantes fazem seu lobby no Parlamento; autor e réu apresentam suas pretensões e provas ao juiz; a empresa se defende da suspeita de sonegação. São os processos legislativo e judicial e o procedimento administrativo que permitem essa desejável “participação” dos interessados nas decisões de autoridades públicas. O processo é, então – em perfeita coerência com a ideia central do direito público, de realizar o equilíbrio entre liberdade e autoridade -, a contrapartida assegurada aos particulares pelo fato de serem atingidos por atos estatais unilaterais (2004, p. 94).
Sinteticamente, o Poder Extroverso institui obrigações sociais,entenda-se como a capacidade estatal de impor sua vontade legítima aos cidadãos, verticalmente, sem que haja consulta popular – mesmo que possa haver recurso cabível, a exemplo da promulgação legislativa de interesse público.
Sua estrutura funcional básica está lastreada em três condicionantes:
Decorrem doPoder Extroverso, determinados atributos próprios ao poder e à coerção, quais sejam: soberano; superior; hierárquico; unilateral; imperioso; coercitivo; auto-regulador. Disto decorrematribuições próprias aos atos administrativos:
Trata-se de monismo na fonte, na origem, e de pluralismo no resultado, nas consequências. Portanto, o que evita que o poder público se transforme em poder tirano utilizando-se abusivamente do chamado poder extroverso, é justamente essa condição elementar da Justiça: a garantia do princípio do contraditório – principalmente se do outro lado estiver todo o poder e aparato do Estado.
Com elementos semelhantes, Sundfeld (2004) ainda resume o desenvolvimento da ordem jurídica sob o regime do Estado Moderno. Porém, irá colecionar a lógica e a ordem jurídica que guiavam a política racionalizada sob o domínio do Estado Moderno. Esses elementos, em número de cinco, são os seguintes:
a) O Estado, sendo o criador da ordem jurídica (isto é, sendo incumbido de fazer as normas), não se submetia a ela, dirigida apenas aos súditos. O poder Público pairava sobre a ordem jurídica. b) o soberano e, portanto, o Estado, era indemandável[2]pelo indivíduo, não podendo este questionar, ante um tribunal, a validade ou não dos atos daquele. c) O Estado era irresponsável juridicamente: le roi ne peut mal faire, the king can do no wrong[3]. d) O Estado exercia, em relação aos indivíduos, um poder de polícia. Daí referirem-se os autores, para identificar o Estado da época, ao Estado-Polícia, que impunha, de modo ilimitado, quaisquer obrigações ou restrições às atividades dos particulares. e) Dentro do Estado, todos os poderes estavam centralizados nas mãos do soberano, a quem cabia editar as leis, julgar os conflitos e administrar os negócios públicos (Sundfeld, 2004, p. 34 – grifos nossos).
Porém, para alguns autores, mesmo no bojo do Estado Absoluto sempre há que se falar do império da lei, como se persistisse um Estado de Direito mesmo naquele tipo de Estado, em que mais se fez (ou se faz) uso da força física como meio de convencimento político. Não se trata aqui da excessiva interferência do Estado na vida particular ou pública, mas em certas situações pode haver a interferência quando houver comprometimento do bem-estar social:
não restringe nem limita o âmbito de tais direitos. Unicamente, acedendo, como de seu dever, à vontade legal, procede, concretamente, à identificação dos seus confins ou lhes condiciona o exercício, promovendo, por ato próprio, sua compatibilização com o bem-estar social, no que reconhece, in casu (sic), as fronteiras legítimas de sua expressão. (Mello, 2011, p.835)
O Poder Extroverso, portanto, configura-se como supremacia do interesse público sobre o interesse particular e é uma das principais garantias e prerrogativas do Poder Público. Quando necessário para atender à sociedade, significa a supressão ou a eliminação de direito particular; subjuga-se o interesse privado para se atender ao interesse coletivo.
Este é um princípio estritamente ligado à Administração Pública. Também conhecido comoprincipio da finalidade pública ou do interesse público ou coletivo, e está implícito na Constituição Federal. O administrador, ao lidar com o interesse que não é seu, mas sim da coletividade, deve interpretar a norma administrativa da maneira que melhor garanta as necessidades públicas, o fim público a que se dirige. Exemplo: art. 5°, XXIII e XXIV, da CF/88. Citaremos o XXXIII a título de esclarecimento:
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (grifos nossos)
Por fim, cabe ressaltar os demais princípios que tornam o Poder de Império muito mais do que um atributo de salvaguarda do próprio Estado, posto que se configuram como poder a serviço do interesse público, e não somente em defesa da Razão de Estado.
Princípios Decorrentes
Passamos a descrever de forma breve os princípios decorrentes do Poder de Império.
O Princípio da Legalidade se mostra como um princípio que decorre do próprio Estado de Direito. No caso específico, a administração do poder exige que todas as ações públicas sejam realizadas conforme a lei. Assim, oEstado só fará algo se houver base legal. Se não há lei, o Estado não faz, visto que esse é o único caminho autorizado a percorrer.
O Princípio da Impessoalidade tem sua origem no princípio genérico do art. 5.º da CF/88, qual seja: o Princípio da Igualdade. O Estado deve tratar o administrado de forma isonômica, sem distinção, não podendo favorecer determinados grupos, sejam políticos, econômicos, religiosos, organizacionais, ou quaisquer outros.
O Princípio da Moralidade é o que determina à Administração Pública que, na prática de seus atos, observe-se criteriosamente o padrão de comportamento médio da sociedade. Embora tenha certa carga de subjetividade na eventualidade de sua observância, o inconsciente coletivo leva as pessoas a buscarem realizar o que é correto e ético, como parâmetro avaliativo.
O Princípio da Publicidade trás à tona a necessidade de democratização da informação, seja por qual meio for possível. Os atos da Administração Pública devem ser transparentes, ou seja, de conhecimento de todos os administrados.Nessa seara temos observado avanços ainda que em velocidade menor do que se espera. De forma genérica fazemos menção às leis de acesso à informação, iniciativas de novos espaços de comunicação e interação Estado/sociedade, às ações de democratização do espaço digital, aos esforços conjuntos do Estado com a sociedade civil organizada ou não, bem como junto às instituições de ensino no sentido de buscar diversificar alternativas para a abertura do sigilo de informações que interessam ao povo.
O Princípio da Eficiência, instituído pela Emenda Constitucional n.º 19, busca um comprometimento da chamada “máquina estatal” com a otimização da receita pública, em que a relação custo-benefício seja positiva, com ganhos sociais e, obviamente, a fim de que se ultrapasse a lógica da soma-zero. Os objetivos do Estado, desde então, perpassam pela melhoria do serviço oferecido pelo Estado, buscando o menor custo, oferecendo um serviço mais perfeito e qualificado.
Por derradeiro o Princípio da Finalidade, que é subprincípio do Princípio da Legalidade. O fator que o caracteriza é o fim desejado pelo Estado, que deve ser normativo. Significa dizer que o ato praticado pela Administração Pública tem por fim aquilo que a lei em sentido estrito determina. Deve guardar consonância com a legalidade que outrora foi objeto de nossas observações. Mas, o sentido, finalidade, objetivo decorre da tradicional teoria da finalidade, isto é, pressupõe-se que o Estado age em prol do interesse público e que sua ação normativa deve ser regulada por sua capacidade teleológica, em que se propugna pelo fim social.
Enquanto o Poder de Império legitima sua capacidade ativa diretamente da soberania interna, o Poder Extroverso é condicionante recebido pelo poder de obrigar a “fazer ou deixar de fazer” que decorre da própria estrutura política criada para atender à Administração Pública.
Como se vê, na ordem jurídica democrática, o Poder de Império é a capacidade ilimitada que possui o Estado de impor o cumprimento das decisões, sobretudo as que afetem o interesse público de modo que todos sejam envolvidos e responsabilizados pelo cumprimento das normativas gerais e promovedoras da coisa pública.
Referências:
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Saraiva, 2000.
CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4. ed. Lisboa: Almedina, [s.d.]
_____ Estado de Direito. Lisboa: Gradiva, 1999.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 7ª ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2011.
MIRANDA, J. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Tomo IV Coimbra: Coimbra Editora, 2000.
_____ Teoria do Estado e da Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
PEÑA, Guilherme. Direito Constitucional – Teoria da Constituição. Rio de Janeiro : Lumem Júris : 2003.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4ª ed, 5ª tiragem. Malheiros Editores : São Paulo, 2004.
[1]Professor do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Rondônia.
[2]Quer dizer que o indivíduo não demandava contra o Estado, não promovia ações contra o Poder Público.
[3]A regra da bilateralidade da norma jurídica (de que o Estado deve suportar o peso da lei criada por ele mesmo) seria anunciada no Estado Liberal, mas só se veria atuante na vigência do Estado Constitucional.
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