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Vinício Carrilho

Quando o direito longa manus do vampiro nos coloniza


 Quando o direito longa manus do vampiro nos coloniza - Gente de Opinião

Denominamos de Vampirismo Societal e não social porque o retrocesso que nos atinge desde 2016, com o impedimento, é verificado em todos os setores e segmentos que recobrem a esfera pública e a vida comum do homem médio.

Veremos que se trata de direitos comprometidos ou expurgados, de uma educação que não atinge critérios de ser, de fato “pública”, além de retrocessos na Política que minam o espaço público: a Polis. Sem contar as afrontas mais diretas à Democracia, ao Estado de Direito, à Constituição, às condições mínimas de sociabilidade e à própria República, que se verificam no dia a dia das manifestações de intolerância, misticismo (contra o Estado Laico) e proto-fascismo.

DO VAMPIRISMO SOCIETAL

Poder-se-ia confundir Vampirismo Societal com barbarismo social; no entanto, entendemos que a barbárie social é decorrência de reformas legislativas, de ações institucionais descomprometidas com o interesse público, de locações do Judiciário que revelam sua subjugação aos interesses do “mercado” e das “novas” hostes do poder.

Na ordem da política econômica, por exemplo, o retrocesso imposto pelo Vampirismo Societal carrega diretivas entre neoliberalismo (privatização ampliada do patrimônio público) e neocolonialismo: desnacionalização das riquezas nacionais, como o Pré-Sal. É o que, popularmente, chama-se de “entreguismo”.

 Iconicamente, o vampirismo pós-moderno tem presença na ingovernabilidade institucional e na pasmaceira do Poder Público, aliando-se ao sadismo de sugar as energias vitais do povo e dos trabalhadores, especialmente. “Oncologicamente”, remonta à história do Conde Vlad que, para saciar seu sadismo, aplicava doses descomunais de penas cruéis e bárbaras. Sua volúpia por morte e sangue – especializando-se no terror de empalar suas vítimas – gerou a lenda do Conde Drácula: voraz em sugar a alma de quem quer que fosse.

Na prática do realismo político nacional, vorazes consumidores das energias sociais deixam o povo pobre cada vez mais esquálido e faminto, quando só consegue trabalhar para sobreviver (se e quando consegue), pois na fonte é atingido pelo peso das contribuições (anti)sociais: apropriadas pelos vampiros sociopatas e pelo alto custo de vida que se impõe em analogia à escravidão, modulada em servidão de consumo.

Há casos emblemáticos, mais antigos, como o escândalo dos parlamentares sanguessugas que pilhavam recursos destinados à compra de ambulâncias. No exemplo mais contemporâneo há o desfile da escola de samba Paraíso do Tuiuti, no Rio de Janeiro em 2018, em que a representação política foi carnavalizada vampirescamente. Outros paralelos também poderiam ser eleitos como herança do “Homem, lobo do Homem” (Hobbes, 1983), e nesta junção carnavalizada da cultura política nacional, entre vampiros e lobos (ou lobisomens), vemo-nos deformados como vítimas contumazes da mais aterradora licantropia política.

O Vampirismo Societal, portanto, seria um refinamento desta iconicidade, um plasma de negação da Humanidade com avanço incomparável das “leis do mercado”, em desconsideração aos critérios mínimos de dignidade existencial/material. Para que assim se dê, por sua vez, é necessário que se articulem os três poderes: obviamente que vai ao espaço a repartição dos mesmos poderes, pois encontram-se na mesma saga draculiana e draconiana das leis sem espírito público. É neste campo de leis e de decisões simbólicas que o vampirismo se desenvolve, como afirmação do poder desapropriado e sem o espírito popular, que dá lugar aos espectros do mal e do regresso social.

Exemplos retumbantes são a permissividade do trabalho escravo ou reduzido à analogia de escravidão. É autorizado o trabalho intermitente, como entremeios de uma fome a outra. Há ainda a autorização legislativa para que mulheres gestantes e lactantes possam trabalhar em lugares insalubres, talvez limpando poças necrosadas de sanguessugas. Os Condes de Vlad pregam a total terceirização dos postos de trabalho e agora enchemos a boca para saldar a “uberização”. Tudo é Uber: “Trabalhe por uma miséria, sem direito algum, mas seja feliz por não ter patrão!”.

Com a privatização das universidades públicas chegará o tempo da Ciência-Uber, com professores virtuais, donos dos próprios ambientes de aprendizado, distantes de qualquer coisa que se possa chamar de vínculo humano e da construção do conhecimento.

Via Ciência-Uber, tudo virá pronto e próprio ao consumo: prateleiras cheias de livros e cabeças vazias de ideias. Tudo e todos consumíveis. E rastreáveis mais em bons do que em maus-hábitos na Sociedade de Controle neo-fascista.

Os projetos sanguessugas do processo civilizatório, impondo-nos o desatino temerário de regressão nos padrões civilizatórios não poderiam deixar de lado a educação pública.

Neste estojo temerário, em particular, avilta ao senso infantil a dissonância cognitiva informada em Projetos Escolares sem Partidos. Só crianças desinformadas ou ainda não completamente formadas (em ética e na cognição), e os “loucos de todo gênero” – assim retratados pelo vampirismo longa manus do passado –, acreditam que há um mísero instante na vida do “ser-pensante” em que não toma partido de algo.
Escolas sem partidos e sem ideias retomam para si a muito superada ideia positivista que separa o sujeito do objeto como a condição de validade da ciência. Mas, ignoram que nem uma frase limiar admite separar o objeto do sujeito, nem mesmo quando “alguém bate à porta”.

Isto também permite pensar que aqui há intenções ou sujeitos (vampiros) ocultos – quando o povo segue sendo um sujeito inexistente. O bom senso sabe de cor, mas que se diga: tomar partido = tomar parte. Ser parte, fazer parte. A biruta de aeroporto segue os bons ares e até a mais singela Rosa dos Ventos toma partido; ironicamente, contra sua vontade – que não é mais expressa.

ATUALIZAÇÕES DO VAMPIRISMO SOCIETAL

Outras máximas do vampiresco e temerário mo(vi)mento nacional:

•    Generais intimam o STF a dar continuidade ao Golpe de 2016.
•    A xenofobia une pastores e proprietários de bordéis contra a imigração de venezuelanos, e pregam a eleição do candidato mais-fascista.
•    A escalada do agronegócio destrói reservas naturais e quilombolas.
•    Parlamentares e militares defendem o uso da tortura, ainda que a CF/88 defina como crime hediondo.
•    O fim do Estado Laico é prescrito por decisão expressa do Supremo Tribunal Federal (STF).
•    “Emendas parlamentares” compram o silêncio e a inação para que não se investigue a presidência que desmantela a coisa pública.
•    O regime de castas permite construir puxadinhos inconstitucionais como compensação salarial, ou ajudas para paletó e moradia de togados acima da lei e da moral.
•    Agrotóxicos que causam graves moléstias no útero e nos fetos ganham pauta legislativa.
•    Roubo de merenda escolar é encostado na investigação até gerar prescrição.

Enfim, como equivalente do ranço escravagista, o Vampirismo Societal aplica-se à distopia Casa Grande & Senzala, mas revitaliza-se no martírio dos Capitães do Mato que caçam abertamente os Capitães de Areia.

Jovens negros e pobres são condenados a regime fechado por terem corrido da polícia, sem informação criminal anterior e nem posse de drogas, sob a interpretação judicial de que “são moradores de regiões sabidamente dominadas pelo tráfico” (leia-se que morador de favela é bandido); enquanto outros jovens de classe média alta portando três ou 300 quilos de drogas aguardam julgamento em liberdade, já que não são ameaça à sociedade na medida de sua riqueza.

Teoricamente, entretanto, aprofundamos a investigação do Vampirismo Societal com o recurso histórico-analítico que nos relegou Gramsci (2000): o cesarismo retrógrado, regressivo e repressivo. Para ter clareza do conceito, imaginemos que Caio Júlio César – aquele do “vim, vi, venci” – usasse uma capa preta e não vermelha (como general romano) e que tomasse sangue de suas presas humanas. Se aquele do passado foi muito sanguinário, até ele próprio ser eliminado, lembremos que o nosso aplica receitas anticoagulantes para prolongar o fracasso e a dor do povo pobre.

Para termos ainda mais clareza do Mal maior que se banha em sangue humano, vejamos que, neste exato momento, aplicamo-nos à transfusão do sangue vital de 14 milhões de desempregados, sem contabilizar os subempregados e os inimpregáveis criados desde a era FHC, nos 1990.

Na vida prática, tomando partido obviamente, ou estamos a favor do Vampirismo Societal ou a favor de todos que tem seu sangue drenado pelos escaninhos e porões do dinheiro fácil, lícito e ilícito.

Na ânsia do retrocesso proto-fascista, que nunca desanima, temos outros tantos assegurando que os insatisfeitos com o temerário vampirismo são favoráveis à luta de classe: dizem que amamos a luta de classes.

Entretanto, ao invés de enfrentar a luta que não é criada, mas imposta, preferem morrer à míngua nas mãos dos hematófagos, anestesiados pela falsa afirmação histórica – seletiva quanto aos fatos – que põe em situação de legitimidade a hierarquia social, o tradicionalismo e o conservadorismo.

Se outrora tratamos de conservar a dignidade e os direitos fundamentais, hoje o que se conserva é a estrutura oligárquica, o nepotismo e a distribuição da renda aos estratos mais altos.

Já era um aviso de Marx e Engels (1997) que “tudo o que é sólido desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar friamente sua posição social e suas relações mútuas”.

O que corroborou na ideia de Bauman (2001) de vivermos tempos líquidos e que nada foi feito para durar.

Não fosse outra “reforma” do ensino, igualmente temerária, teríamos aulas de filosofia e de sociologia na educação fundamental e no ensino médio. Com um mínimo de conhecimento ontológico (e não oncológico) saberíamos que a luta de classes é uma realidade imposta pelo capital, não uma ideologia.

No entanto, aí é pedir demais para o puritanismo que mata em nome de Deus; nesta ideologia, que descaradamente toma partido: tudo é pecado, menos o capital angariado em dízimo.
Pois, pastoreiam por aí que “o amor em excesso causa depressão econômica”, mas não é revelado que se dê “a César o que é de César”, notadamente, o apego ao capital (lícito e ilícito) que supera toda subjetividade humana
.
Não é difícil compreender que, se tivéssemos educação pública de qualidade, crítica, emancipadora, estaríamos lendo outros textos relevantes e clássicos, e não só os 10 mandamentos do Livro-Razão.
  
 Neste plano que propusemos, é importante ressaltar que por Vampirismo Societal não indicamos um conceito e sim uma observação da realidade brasileira, sobretudo, no pós-2016.     

Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradutor Plínio Dentzien Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. (Org. Carlos Nelson Coutinho). Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 2000.
HOBBES, Thomas. Leviatã. Col. Os Pensadores. 3ª ed. São Paulo : Abril Cultural, 1983.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Lisboa : Editorial Avante!, 1997.

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